Eu Sou Alice • {yoonseok}

03

Desde o começo, Yoongi nota as dificuldades que Namjoon Hare passou em casa com seu pai, a Lebre de Março anterior.

Ele vem de uma família abastada também, assim como Taehyung, e pôde usufruir dos luxos de uma criação da elite. Sendo da grande família da Lebre de Março original, Namjoon morava numa mansão requintada onde tinha direito a tudo que queria, com exceção de uma coisa: estabilidade. Portanto, ainda que fosse uma criança rica, sua vida não era fácil, pelo contrário. Porque quando havia uma Alice, seu pai; um híbrido alto e forte, de pelagem castanha e pele amorenada pelo contato diário da luz solar; estava bem. Era romântico e carinhoso com sua mãe, uma híbrida de estatura baixa e gordinha, linda, com olhos claros que não passaram para o filho — embora tenha lhe passado os cabelos rosados. Quando havia uma Alice, seu pai era atencioso com ele e o levava para excursões na floresta, bem como viagens de dias ao redor do País, ensinando-lhe tudo o que sabia. Embora não pudesse levá-los nos eventos no Castelo de Copas, incluía o filho e a esposa nos almoços e comemorações entre os Titulares, os três representando toda a família, e quando sobrava tempo ainda brincava com Namjoon, erguendo-o nos ombros e fazendo com que o pequeno se sentisse o dono do mundo. Mas ainda que esses períodos bons fossem longos, infelizmente não eram o suficiente para compensar o estrago que a maldição de seu pai fazia quando não havia uma Alice.

Sua mãe adquiria cicatrizes. Havia gritos e coisas sendo quebradas pela casa, murros na parede e choro alto e soluços do lado de fora do armário da dispensa, no qual o pequeno Hare se escondia. Yoongi vê o desespero e o medo que ele sentia, tanto por si mesmo quanto pela mãe. Pior que isso, o medo de um dia se tornar o mesmo que o pai. É claro que Namjoon já sabia que ele era a criança da família mais propensa a se tornar a Lebre no futuro e isso fazia com que não quisesse crescer, para nunca virar alguém que seria capaz de machucar pessoas boas como sua mãe. Ele não tinha como saber que a maldição da família lhe afetaria de outro modo, porque já era alguém diferente de seu progenitor.

Apesar de tudo, amava o pai; não poderia dizer o contrário, porque se lembrava dos inúmeros bons momentos, ainda que os maus fossem mais fortes e fizessem-no sentir pelo mais velho, principalmente, medo. Mas entendia que não era culpa dele, entendia que viviam num mundo doente.

Namjoon tem cerca de dezesseis anos quando o pai morre e ele se recusa a ir ao enterro, sendo o único da família a ficar em casa, sozinho na grande mansão; porque mesmo os empregados foram todos prestar suas condolências. Como havia uma Alice no país, não começa a sentir os efeitos da mudança de imediato.

Contudo, Yoongi, vendo tudo do ponto de vista de Namjoon, percebe quando Alice morre, assim como a futura Lebre. Eles sentem, e é quando o pior pesadelo de Namjoon começa. As vozes em sua cabeça, primeiro aos poucos; fazendo com que ele leve alguns sustos em suas atividades diárias; e depois numa discussão acalorada à noite, várias vozes de uma vez enquanto ele se encolhe cada vez mais na cama e enfia o rosto no travesseiro até ficar sem ar, implorando baixinho para calarem a boca; ao que na manhã seguinte chega um mensageiro da corte para dar-lhes a notícia. Namjoon a recebe sério e calado, na porta de sua casa. Ele já é mais alto que a mãe e quase todos da grande casa da Lebre, mais alto também que o mensageiro que atende na porta.

— Fui mandado para avisar que nossa Alice morreu. O funeral será hoje, ao anoitecer.

O híbrido de lebre ouve o homem, confirma com a cabeça e fecha a porta sem nada dizer para o mensageiro da corte. Ele fica congelado ali, fitando os adornos da porta de madeira maciça e pensando em sua maldição. Yoongi entende os sentimentos: raiva, frustração, medo. A angústia de não poder evitar seu destino, traçado há tantos anos. Tanto Yoongi, hoje na biblioteca, quanto Namjoon, anos atrás parado em frente à porta de entrada da mansão de sua família, não percebem quando as lágrimas começam a escorrer no rosto da futura Lebre. Só veem quando já está lá. Quando seu rosto já está encharcado e o nariz escorre e os soluços não mais são silenciados em sua garganta e o primeiro grito sai enquanto ele cobre os ouvidos, provavelmente tentando fazer com que as vozes se calem, em vão.