Capítulo 5
Alice bebeu um gole de café de sua caneca, percebendo quando o líquido encostou em sua língua que estava frio e extremamente amargo.
— Deus. — reclamou e sabia muito bem que aquele café deveria estar em sua mesa esfriando há horas e que ela já estava com a cabeça longe esquecendo até de colocar adoçante bem antes daquilo. O problema é que sua mente estava mesmo longe, estava em um certo alguém, que o café e o adoçante - e com toda certeza muitas outras coisas - deveriam ter passado despercebido durante seu dia.
Recostou-se em sua cadeira e observou seriamente a pasta aberta à sua frente. Estava olhando a ficha de uma senhora de 87 anos e que estava gripada pela terceira vez naquele ano. Sabia que por causa do tempo instável daquela região, as pessoas ficavam mais doentes, mas como se tratava de uma senhora, deveria ficar atenta.
O grande problema é que Alice sabia estar bem longe de estar pensando em quais remédios receitaria para essa senhora. Sua cabeça estava em um certo rapaz, que ela tinha certeza era fruto de sua imaginação fértil. Alguém tão novo como Adrien não deveria estar interessado nela, sabia que algo mais estava acontecendo. Ele era o padrão de beleza de muitas mulheres, o sonho de qualquer adolescente, e ela sabia que por mais que se achasse bonita e fosse segura de si, conseguia entender que não estava no padrão habitual de beleza da maioria das pessoas.
E não se importava. Gostava dessa diferença, sempre dizia para suas conhecidas que era como fazia uma 'seleção natural' de babacas. Apesar de que essa 'seleção natural' nem sempre a livrava de verdade de pessoas que ela passou a considerar um desperdício de espaço na Terra. Gostava de pensar que mesmo seletiva, as pessoas se sentiam muito mais atraídas por sua mente do que por seu corpo. As curvas eram um plus. E ela as adorava.
Pensou em como deitou em sua cama naquela madrugada - quase manhã - após um bom banho e a sensação do calor, da presença, do cheiro de Adrien não pareciam querer deixá-la. Rodou pelo colchão por uns bons minutos antes de conseguir dormir, mas foram apenas alguns minutos, pois o primeiro sonho que teve foi com Adrien.
Acordou irritada. Aquele adolescente - que era um lobo - estava em todos os cantos de sua mente, e havia passado apenas 24 horas que o conhecia. Isso não era normal, não era possível. E muito menos deveria ser legal. Com toda certeza ele não ter nem mesmo 18 anos deveria ser um problema com a polícia para ela. Alice sabia que deveria tomar cuidado com isso, não que estivesse pensando em manter qualquer tipo de relacionamento com ele.
Adrien era uma bela 'Mona Lisa', para ser apreciada de longe, mas nunca tocada. Afinal, ela ainda não sabia muito bem lidar com o fato dele ser um lobo. E se fosse sincera, seu cérebro já arrumara mais de 500 explicações para o que havia visto na noite passada em frente à sua casa. Mesmo que soubesse que todas as explicações eram furadas, e que a verdade era que o rapaz realmente era um lobo. Que ele realmente havia se transformado em um lobo.
Shifter.
Ele lhe dissera várias vezes que era um shifter, uma pessoa que se transforma em um animal. Respirou fundo. Dava graças a Deus que conseguia ser sensata e nem tanto, ao mesmo tempo. Conseguia acreditar no que viu e, ao mesmo tempo, queria arrumar uma explicação racional.
Deixou a caneca com o café frio e amargo de lado, fechando a pasta da paciente idosa e puxou o celular. Estava com apenas mais duas consultas agendadas para aquela tarde, poderia fazer uma pequena busca. Abriu o navegador e entrou no site de buscas. Seus dedos ficaram pairando acima do teclado do celular, apenas esperando o que ela digitaria.
Pensou em buscar shifters, mas achou vago demais. Então, preferiu uma combinação de: shifters + Brookings + lendas. E para sua felicidade, um resultado de cara chamou sua atenção. Era um site que demorou horrores para carregar, mesmo na versão para celular, e que tinha textos e mais textos sobre shifters e as lendas das florestas de Brookings e região.
Leu todos os textos do site - que eram dos mais variados temas sobre shifters. Percebeu que a bateria de seu celular estava acabando e puxou sua bolsa da grande gaveta, mas não encontrou o carregador em lugar algum.
— Merda. — disse enquanto se levantava e ia até à porta de sua sala, vendo o corredor vazio e que Anne estava digitando furiosamente em seu computador. Sorriu disso. A mulher era uma máquina trabalhando em qualquer aparelho. Adorava tê-la como companheira de trabalho. — Hey, Anne?
— Hey, Alice. — Anne virou seus olhos claros rapidamente para Alice, mas não parou de digitar nem por um segundo.
— Você teria um carregador de celular para me emprestar? — Alice disse sem graça. Sabia que não era uma boa ideia dar a impressão de que ficava no celular durante o expediente, mas estavam vazios e suas consultas ainda demorariam.
— Claro. — Anne parou de digitar e abriu uma gaveta na mesa, puxando um carregador e esticando-o para Alice.
A morena saiu da sala e pegou o carregador, mas enquanto fazia isso, teve uma ideia. Talvez se perguntasse para Anne sobre as lendas, ela não acharia estranho. Afinal, ela era da cidade, estava acostumada com as histórias e tudo mais. Provavelmente tiraria sarro dela por estar perguntando sobre aquelas coisas sobrenaturais e impossíveis.
— Anne... você conhece alguma lenda local? — perguntou casualmente colocando uma das mãos no bolso do casaco, queria parecer que não se importava com o assunto pelo qual estava perguntando.
Anne a observou por um segundo. Lógico que alguém já havia colocado medo na cabeça da mulher, ela estava morando na orla da floresta e por ser forasteira não sabia que lendas ali eram apenas isso. Sorriu de forma complacente. Vendo o rosto de Alice perder o sorriso devagar.
— Querida, já foram lhe contar sobre os lobos? — Alice assentiu devagar e viu Anne sorriu complacente novamente, dessa vez de uma forma ainda mais maternal que antes. Odiou aquilo. Odiava quando faziam aquilo, ela se sentia uma criança que precisa que lhe ensinem que Papai Noel não existe. — Não precisa se preocupar, são lendas. Principalmente porque os lobos que temos pela região não são tão maiores que os normais.
Alice respirou fundo. Adrien era um lobo bem maior do que o normal, e com toda certeza qualquer pessoa que o visse fugiria de medo e relataria que ele era o triplo do tamanho de um lobo normal. Mas ali Anne parecia totalmente descrente de que houvesse um real perigo para alguém. Era como se as lendas para ela fossem apenas aquilo, lendas. Alice começou a se perguntar quanto da população da cidade sabia sobre os shifters e quem eram essas pessoas.
Sorriu e assentiu, voltando para sua sala, em silêncio e pensativa. Porém, antes mesmo de conseguir passar por sua porta, Anne falou novamente.
— Quem te falou dos lobos foi Adrien, o gatinho de ontem?
Alice se virou para olhar Anne. A mulher estava de braços cruzados, um sorriso de lado nos lábios e uma careta de sapeca que a deixou dez anos mais nova. Alice não aguentou e sorriu, como era possível que essa mulher soubesse das coisas sem saber das coisas?
— Pode ser, por quê?
— Porque ele não costuma vir aqui. Na verdade, quase ninguém da tribo dele vem muito na cidade, é raro. — ela deu de ombros, mas continuou olhando Alice cuidadosamente e maliciosamente. — Ele é um pedaço de mal caminho, não?
Alice não sabia se deveria ser sincera ou não. Adrien tinha 17 anos, e Anne poderia muito bem estar apenas a testando. Assentiu e olhou para os lados, como procurando por alguém no corredor, mesmo sabendo que não havia ninguém.
— Sim, mas ele tem 17 anos e...
— Oras, não estou falando para casar com ele, apenas que podemos apreciar a vista. — Anne sorriu novamente de forma sapeca e Alice achou graça mais uma vez. — Aquela tribo tem muitos pedaços de mal caminho. Esse eu não vejo com frequência... apenas às vezes quando vou buscar meu marido na delegacia.
— Delegacia? — Alice perguntou voltando a se aproximar da mesa da enfermeira, agora estava genuinamente curiosa.
— Sim, meu marido é o Delegado. — Anne disse orgulhosa e estufando o peito. — Mas Adrien estava sempre detido.
— Detido? — Alice agora estava quase debruçada na mesa da enfermeira, e Anne notou a curiosidade quase escorrendo pelos poros da outra. Sorriu de forma que parecia dizer que ela sabia o que estava acontecendo ali.
— Sim, ele apareceu algumas vezes pelado em um lugar público.
As duas mulheres ficaram em silêncio. Alice sabia que deveria rir ou algo do gênero, mas apenas ficou pensativa. Adrien parecia bem seguro de si, e sabia que era bonito, talvez gostasse de se mostrar... ou talvez ele fora pego voltando de uma transformação e estava sem as roupas por perto. Afinal, ele havia dito que não gostava de se transformar com as roupas, pois ficava preso dentro delas.
Mordeu o lábio inferior e viu que Anne a observava atenta, como tentando adivinhar o que se passava em sua mente. Sorriu e afastou-se da mesa dela novamente, decidindo fazer alguma brincadeira para aliviar o clima e parar de levantar qualquer suspeita que a loira tivesse.
— Bom, caso ele fique pelado em minha frente, não sei se ligo para a polícia prendê-lo.
Ambas riram e Anne voltou a digitar, mas falando antes.
— Nós duas, querida.
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Meu Lobo - Degustação
RomanceLANÇAMENTO AMAZON DIA 21/09. 'Ela nunca se sentiu em casa em nenhum lugar, com ninguém... até encontrá-lo! Alice pulou de cidade em cidade até chegar em Brookings, e encontrar um jovem rapaz ferido em sua clínica. Pouco sabia que ele era um shifter...