Cap. 3 : A Formatura

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Os raios de sol batiam diretamente em meu rosto pelas frestas que as folhas das árvores deixavam.
Como se eu estivesse acordando em meu quarto com as cortinas escancaradas.

Minha cabeça e corpo estavam doloridos e meu estômago embrulhado.

Fui abrindo os olhos vagarosamente, com piscadelas.
A luz me cegava e aos poucos consegui abrir e focar.

Logo percebi que ainda estava na floresta.
Tentei entender o que havia acontecido, mas apenas conseguia focar no mal estar que estava sentindo.

Levantei-me cambaleando, estava um pouco tonta então, lentamente, caminhei em direção a um rio que havia ali por perto.

Levei minha mão a testa e esfreguei na esperança de que aquele movimento fosse arrancar a dor que eu sentia e trazer de volta as lembranças do dia anterior mas só conseguia lembrar de ter sentado ao pé de uma árvore para descansar e mais nada.

Me ajoelhei a beira do riacho e levei as mãos em forma de concha até a água, fechei meus olhos e com as mãos já cheias lavei meu rosto.
Aquilo foi como se eu tivesse levado um choque de lembranças e minha mente começou a clarear aos poucos.

A água pra mim era como uma poção mágica, sempre me ajudava me recompondo totalmente, como se estivesse recarregando todas minhas forças.

Sequei meu rosto na roupa mesmo, tapando-o com a blusa.
Aquela escuridão instantânea enquanto a blusa estava em meu rosto levou meus pensamentos direto a um lugar ao qual eu deveria estar neste exato momento: minha formatura.

Raios!

Levantei bruscamente e virei-me, tonteando.
Meu estômago estava embrulhado, quase vomitei.

Eu deveria estar me arrumando a essa hora e não lavando o rosto em um rio. Na verdade eu já deveria estar pronta.

Pensei na possibilidade de ir correndo até minha casa, mas automaticamente concluí que não ia dar tempo.

Pensei, pensei e decidi ir diretamente ao local do jeito que estava.
O mais importante para mim era o que o evento significava e não a festividade e gala em si.


Então, tentei tirar algumas folhas e galhos que estavam presos em meu cabelo (se é que aquele "ninho" ainda podia ser chamado de cabelo). Queria pelo menos estar apresentável, apesar da vestimenta inadequada e do atraso.
Assim, comecei a correr.
Correr como se não houvesse amanhã.
O mal estar não me permitia fazer tanto esforço, mas dei tudo de mim.

Entre a floresta e a formatura levariam 30 minutos para chegar lá, sã e plena; caminhando com toda calma e observando a paisagem.
Mas correndo como louca, levei 10 minutos apenas.


A formatura era a céu aberto, muitas cadeiras brancas espalhadas por um grande gramado e um palco improvisado de madeira. Haviam fitas brancas delimitando o espaço da formatura e entre um espaço e outro dessas fitas, um arranjo de flores brancas.

Havia apenas uma entrada e esta estava sendo vigiada por dois protetores da aldeia oficiais.

Eram os irmãos destaque: Noah e Zac.

Sim, meus antigos únicos-melhores-amigos.

Noah era maior e mais forte. Tinha olhos verde-escuro, cabelos castanhos e uma bela e grande barba.
Me lembrava um lenhador, se não estivesse com o uniforme preto da SMO (Segurança Máxima de Owen). Sua força era inacreditável. Algumas pessoas da aldeia afirmavam  que ele tinha a força de 25 homens. E eu não duvidava já que vi várias vezes ele derrubando árvores com as mãos.

Já Zac era de pequena estatura. Tinha cabelos ruivos e nem sinal de barba. Apesar dos braços fortes, sua visão e inteligência eram o que mais chamava atenção. Ele tinha grande sabedoria para criar estratégias infalíveis e planos de defesa impenetráveis e quanto a sua visão, enxergava muitos km a sua frente e tinha capacidade de cobrir uma grande área de uma só vez, além de tudo isso ainda conseguia acompanhar coisas muito rápidas com seu super par de olhos castanhos.

Inclusive acredito que já tivesse me visto fazia algum tempo e estava me esperando.

Os dois só conseguiam trabalhar juntos. Era algum tipo de conexão de irmãos, então todos os turnos os dois faziam em dupla. Sozinhos eram excelentes soldados mas juntos eram quase invencíveis.
Depois de observar um tempo de longe vi que as cadeiras ainda não estavam ocupadas e havia apenas algumas pessoas zanzando por ali. A formatura ainda não havia começado. Fiquei até um pouco chateada por ter corrido tanto e no final por nada.
Eu nem estava com sapatos adequados.
Diminui o passo e olhei para meus pés com a sensação de que havia algo importante a lembrar.
Pensei automaticamente em deixar pra lá já que a minha frente estava algo muito mais importante do que isso.


Eu Já estava próxima o suficiente para falar e eles ouvirem, então, estampei a melhor cara de pau que já consegui fazer (sem muito êxito) e comecei:

-Olá, garotos!- dei uma risadinha sem graça. Zac estava sério, sem expressar nem um tipo de aprovação ou sentimento de solidariedade. Já Noah era bem humorado e muito querido. Logo que me viu (ele tem o raciocínio um pouco lento, desconfio que Zac tenha sugado a inteligência dele) correu para me abraçar.

-Hina! - bradou ele com voz receptiva já me erguendo em seu abraço.

-Olá, Noah! - eu disse meio sem graça, esboçando um sorriso de canto de boca enquanto Zac vinha sério em nossa direção.

-Noah, solte a Hina e volte para sua posição! - bradou ele com voz firme assim fazendo Noah me soltar e voltar ao seu posto com expressão frustada. Noah era como um grande bebê. Sensível e manhoso. Não conseguia reconhecer a malícia nas pessoas e sempre fazia o bem a todos, mesmo que não merecessem.
Zac com certeza era a razão entre os dois e Noah a emoção.

-Olá, Zac. Você sabe que horas são? Perdi a noção das horas.- falei sem jeito.

-O que você estava fazendo na floresta a essa hora? Você não tinha um compromisso hoje? - falou ele sério e com tom de desaprovação.

-Sim, você não vai acreditar! Eu estava ontem na floresta, pronta para voltar para casa e de repente acordei  hoje de manhã e ainda estava lá! Acho que peguei no sono. – falei tentando lembrar o que realmente aconteceu. – Vim correndo com esperança de chegar a tempo. Achei que estava atrasada.

Imediatamente Zac sacou o rádio que estava preso no cinto e falou com voz de alerta.

-Câmbio, 09 na escuta...

Do rádio saiu uma voz robótica um tanto falhada:

-Na escuta.

Zac continuou:

-Estamos com ela. Informe Orfeu. Câmbio, desligo.

Orfeu era o líder da SMO. Só se colocava em casos extremamente sérios. Nunca se envolvia com pequenas confusões. Deixava estas nas mãos de seus soldados.
Por isso fiquei confusa e questionei assustada a Zac:

- O que está acontecendo?

-Vire de costas, deixe as mãos aonde eu possa ver. - disse ele firmemente.

-Espera, o que está acontecendo? Vai me dizer que meu atraso foi algo tão sério assim – falei com tom irônico e soltando uma risadinha de nervosismo.

Foi quando ele pegou minha mão, torceu e colocou-a em minhas costas e algemando-a conseguiu rapidamente pegar a outra mão e fechar a segunda argola da algema.

-Hina Rary, você está sendo acusada de traição, qualquer palavra ou ação impensados serão usados contra você no seu julgamento.

Zac nunca havia sido tão ríspido comigo como hoje. Eu nem o reconhecia.
Sempre fora amável e cuidadoso, mesmo que sendo sério e racional.

Essa atitude fez com que meu mundo literalmente desmoronasse. Eu me sentia humilhada e já estava caindo no desespero.

-Espera, Zac. Por que?

Ele não conseguia me encarar e estava sério. Eu tinha certeza que ele sabia que não era o certo a fazer mas mesmo assim não respondeu.

Virei a cabeça e Tentei olhar para Noah com expressão suplicante. Talvez ele pudesse me falar algo ou impedir a ação de seu irmão. Mas ele virou o rosto como se não aguentasse ver meu sofrimento e angústia. Eu realmente não entendia o que estava acontecendo e o silêncio dos dois era o que mais doía.

Foi quando comecei a ver muitos soldados armados de preto da SMO vindo em nossa direção. Eu não acreditava. Estavam todos com armamentos pesados, como se um grande e perigoso criminoso estivesse sendo preso naquele momento. Eu não apresentei nem resistência.

Nunca fui perigosa.

-Hina, vendarei seus olhos e você será levada para Orfeu. Por favor, não faça nada. Não haja como se realmente fosse uma ameaça. - Zac cochichava ao meu ouvido lentamente para que ninguém daqueles que vinham percebesse, enquanto isso, amarrava a venda em meus olhos.

Depois disso, Zac se afastou e ouvi milhares de Passos vindo em minha direção e mãos agarrando meus braços como se temessem a minha fuga.

Caminhei com esse batalhão que me escoltava por alguns minutos, logo comecei a ouvir sussurros vindos de todas direções: "Essa não é Hina?", "Então foi ela.", "Sabia que ela escondia algo."

A cada comentário meu coração apertava mais. A aldeia que chamei de família me acusava injustamente.

Meus olhos estavam já se enchendo de lágrimas, tanto pela confusão que inundava minha mente quanto pelos comentários maldosos e acusadores que ouvia sobre mim.
Mas não iria chorar por isso.
Tudo logo ia se ajeitar.
Eu não fiz nada de errado então não me abalaria.

Apesar do positivismo o acontecimento que vinha em seguida iria abalar qualquer chance de me manter firme.

Ouvi um grito estridente:

-Hiiiinaaa!!!

Era a voz da minha mãe que vinha desesperada em minha direção, gritando meu nome e cada vez mais perto.

-Soltem minha filha! Ela não fez nada! - gritava minha mãe desesperada.

O seu desespero escondia algo que parecia muito sério e que fez os civis se comportarem tão maldosamente.
Mas eu não tinha ideia do que era, aquele acontecimento apenas me chocou significativamente.

Provavelmente os soldados a haviam barrado.

Pelo menos era o que eu pensava.
Até ouvir a voz daquele homem.

-Pare mulher. Ela não é mais nossa filha. Agora ela é uma criminosa.

Era meu pai, expelindo seu ódio.

-Naão! Ela é minha filha! Me solte ! Me solte!

Desde pequena nunca tive um pai, ele nunca esteve realmente presente.
Sempre pensei que fosse o trabalho ou algum outro compromisso mas com o passar dos anos descobri que o motivo era eu.
Ele realmente considerava o meu nascimento uma maldição para família.
E tudo por que? Por que eu era considerada uma aberração com aquele maldito cabelo.
Nunca entendi e ninguém também nunca me explicou o porquê de tanta rejeição.
Mas aquilo não me abalava. Eu sabia quem eu era e sabia o que queria e além do mais, minha mãe sempre esteve comigo. Eu não precisava de mais nada.
Tudo isso me deixou mais forte e a única coisa que poderia me derrubar emocionalmente era minha mãe.

Infelizmente eu ouvi tudo.
A venda que estava tapando meus olhos agora estava molhada pelas lágrimas.
Os soldados continuavam andando. Mas meu ritmo diminui.
Eu precisava estar com ela.
E precisava que ela soubesse que eu era inocente.

- Mãe. - falei chorando - mãe, eu não fiz nada! Me ajuda.

Os soldados começaram a me puxar e empurrar. Eu conhecia a maioria deles. Iriamos logo ser colegas, mas mesmo Assim ainda me levavam a julgamento firmemente enquanto os gritos e choro de minha mãe ficavam cada vez mais abafados.
Até cessarem.

Eu já estava longe da única segurança que eu tinha.

Eu entendia a posição de Zac e dos soldados. Eles estavam só cumprindo com seu dever. Nada mais. Não podiam colocar emoção ou sentimentos na frente de seu trabalho. Aprenderam direitinho, como eu aprendi, por isso se formaram e por isso também estaria me formando agora se não tivesse saído ontem de casa...

Hina e a Aldeia Perdida- A Fuga Dos ElementosOnde histórias criam vida. Descubra agora