Cap.4 : Interrogação

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E lá estava eu, Agora sentada em uma cadeira prateada com cordas envoltas em mim; estas me prendendo firmemente, como se eu fosse fugir.

Eu nem sabia o real motivo de estar ali para começar.
E aquele lugar me dava calafrios.
Era uma sala quase vazia. Havia apenas uma mesa, duas cadeiras e o brilho das paredes prateadas que chamavam a atenção.

Decidi colaborar, exatamente como Zac havia me dito e também por que não há nada a ser "confessado". Sou inocente e tenho ciência disso, então agirei como tal.

Perdida em meus pensamentos, levei um grande susto ao ver e ouvir o Líder da SMO (Segurança Máxima de Owen) entrando bruscamente na sala pela porta que ficava ao canto.
Sério e prepotente ele me encarava enquanto se dirigia a cadeira que ficava no outro extremo da mesa assim sentando-se frente a frente comigo.

Ele me encarou alguns minutos – vendo que eu o encarava também sem falar uma palavra sequer-  começou:

-Srta. Rary, você sabe o porquê está aqui, não sabe?

-Sinceramente.... Não faço a mínima ideia. – falei com orgulho venenoso emanando de minhas palavras.

Ele continuou me olhando desconfiado, como se quisesse achar um mínimo movimento ou expressão que pudesse me condenar.

-Então, minha cara, diga-me, o que fazia ontem a noite na floresta?

-Eu estava treinando e peguei no sono... – de repente um estalo em minha cabeça trouxe memórias como se eu voltasse ao acontecido. – Espera.. Ontem a noite eu fui atacada. – falei quase pra mim mesma tentando forçar a lembrar o resto. Orfeu me olhava confuso e estranhado como se eu estivesse delirando.

- Sim, continue.. – falou ele revirando os olhos em descaso com minha afirmação.

-É sério ! Uma mulher bem sinistra com uma capa preta e botas amarelas! Ela tinha um bastão e... – em um grande susto fui interrompida com um soco que Orfeu havia dado na mesa.
Olhando-me com grande expressão de nojo, bradou:

- Já chega! Pare de inventar histórias. Me poupe e poupe meu tempo.

Seu tom de voz irritadiço me dava medo. Eu admirava ele verdadeiramente mas toda minha admiração fora pro ralo quando ouvi ele me chamando de mentirosa.
Minhas emoções estavam brotando continuamente: confusão, decepção, medo e agora tristeza.
Sentia que ia dissolver a qualquer momento, virando milhares de pequenos grãozinhos naquele chão também prateado.

- Eu não estou ment.....

-Srta. Rary - novamente fui interrompida por ele, que calmamente já se levantava da cadeira – eu não preciso de sua confissão, - balançava a mão em sinal de descaso - tenho provas. Tudo que está acontecendo aqui é para seu bem – ele falava em tom forçado de mansidão, eu realmente conseguia sentir a falsidade em sua voz – estou tentando melhorar as coisas pra você!

-Melhorar as coisas ?! – falei indignada – você só está me acusando. Nem quer me ouvir. Como isso vai "melhorar as coisas"? E além do mais fui amarrada como se representasse um perigo mas vivi a minha vida inteira aqui. Estudei e cresci nesse lugar e nunca me meti em confusões. E agora estou aqui amarrada como se fosse apenas uma estranha?

Orfeu não pareceu interessado em minhas objeções. Apenas virou-se e abriu a porta. Falou algo para o soldado que estava de guarda e logo voltou para onde estava. Puxou a cadeira de metal e sentou-se novamente. Jogando uma pasta azul – que provavelmente foi entregue a ele pelo soldado – em cima da mesa, começou:

-Então, aqui estão as provas. – olhou para mim como se quisesse jogar em minha cara que ele estava certo e eu errada - Como você ainda é uma cidadã de Owen, irei desamarra-la e deixarei você analisar e talvez repensar em sua resposta.

Naquele momento senti um nojo imenso. Sabia que aquilo era chacota com a minha cara mas ao mesmo tempo me senti aliviada já que não é nada confortável estar amarrada. As cordas realmente estavam me machucando.

Lentamente ele veio até mim e desatou o nó que havia na parte de trás de toda aquela amarração e voltou novamente para seu lugar.  Com as cordas já frouxas fui empurrando-as com as mãos até estar totalmente livre.

-Certo, podemos continuar agora? – falou Orfeu com tom zombeteiro.

Olhei para ele nitidamente aborrecida. Aquilo para minha era humilhante já que minhas palavras não estavam sendo levadas a sério.
Vendo que eu não ia responder, ele pegou a pasta e desatou os elásticos que prendiam a capa e calmamente tirou de dentro algumas fotos deixando apenas papéis escritos lá – provavelmente era a descrição do caso.
Caminhou até mim e deixou em cima da mesa todas aquelas fotos espalhadas de modo que eu conseguisse ver todas e nenhuma ficasse escondida.
As fotos mostravam destroços do que aparentemente teria sido uma grande explosão.
Além de tudo nunca havia visto aquele lugar. Parecia ser no subterrâneo.

-Então Srta. Rary, este é o cofre secreto da aldeia de Owen, onde foram escondidos muitos de nossos tesouros culturais. – ele falava apontando para uma foto onde mostrava uma grande porta contida no que parecia um túnel. Apontando para outra foto, continuou
- Este é o mesmo lugar.

A segunda foto mostrava uma grande cratera também contida em um túnel e muitas pastas, utensílio, roupas e outros estavam jogados no chão. Dava pra ver cacos de vidro, madeira e outros materiais. Algumas coisas estavam até queimadas. Imaginei que as duas fotos se referiam ao mesmo lugar e agora entendia a gravidade do caso.

-Cofre Secreto? – falei sem entender. Nunca tinha ouvido falar de cofres secretos em Owen.

- Sim, estamos tentando abafar o caso para não expor o que sobrou. Mas isto não vem ao caso. – falou ele desviando o assunto – Neste cofre haviam arquivos secretos referentes a Aldeia, bem como utensílios e outros que preservavam a história. Muitas coisas foram queimadas com a explosão outras estão sendo recuperadas.

-Abafar o caso?! – falei em objeção – é por isso que todos os cidadãos estão me acusando de traidora ? E como assim preservar a história da nossa aldeia? Como nunca nos falaram que tínhamos arquivos com nossa história?

-Vocês não tem. O Governo é que tem e se decidimos deixar longe de vocês é porque temos um motivo. – falou ele com tom de desprezo. – Mas O ponto não é esse Srta. Rary. O ponto é este.

Orfeu apontou para uma foto que estava bem no canto, quase em baixo das outras. Esta mostrava no meio de alguns destroços uma presilha que continha nitidamente alguns fios de cabelo azuis emaranhados.

-Além de tudo – continuou ele – havia muito do seu DNA na cena. E como você sabe, pegamos amostras do banco de dados e comparamos. Aqui está - afastou-se e pegou a pasta tirando dela  testes feitos e colocando em cima das fotos.

Eu via e ouvia aquilo quieta. Não tinha palavras pra responder a tudo aquilo. O que eu teria comigo pra provar minha inocência? Uma história que realmente parecia mentira?
Eu não sabia o que fazer. Comecei a falar, agora desesperada:

- Eu não sei como vocês conseguiram isso tudo, mas eu sou inocente. Eu estava na floresta ontem a noite e acordei hoje pela manhã lá mesmo e sem lembranças. A pessoa que fez isso deve ter bolado algum plano pra pôr tudo isso em minhas costas. Não pode ser..

-Você está delirando garota – falou ele demonstrado desprezo na voz – já sabemos que foi você. Temos as provas e não é sobre isso que quero tratar. Alguns documentos importantes sumiram de lá. Acredito que você não faria tudo isso por nada então presumo que estes estejam com você e o governo exige eles de volta. Sua colaboração irá ter grande efeito na hora de seu julgamento.

- Eu não tenho nada. Eu não fiz nada. Eu sou inocente. – repeti já aborrecida e irritada.

-Srta. Rary, terei que apelar para os seus familiares? Talvez isso inspire você a colaborar. Seu pai ? – falava ele com mão no queixo como se quisesse demonstrar indecisão- ou seus irmãos? Ah, você não tem irmãos não é mesmo? – falou ele fingindo surpresa – Ah ! Já sei ! Sua mãe.

Orfeu estava me ameaçando e ameaçando minha família por troco de papéis e que nem estavam  comigo. Um grande medo começou se instalar em mim.
Minhas mãos tremiam. Levantei bruscamente empurrando  a cadeira de metal que fez um continuo rangido. Dei um tapa com as mãos em cima da mesa em sinal de desespero e comecei:

-Você não pode fazer isso comigo e com a minha família! – sem conseguir me conter gritei – Eu sou inocente.

-Sente-se se não serei obrigado a amarra-la novamente- falou Orfeu sem mesmo considerar meu estado de desespero. – Inclusive, sim, eu posso. Sou um dos cinco guardiões da aldeia e farei de tudo para manter a ordem por aqui.

-Você é desprezível - cuspi as palavras na cara dele com grande nojo. – Você sabe que sou inocente ! – gritei novamente.

- Eu não pedirei novamente. – falou ele com calma.

Com medo do que poderia acontecer, sentei. Mas a adrenalina ainda atuava e minhas mãos tremiam.

-Se você não colaborar as consequências serão desastrosas e meu tempo já está acabando e a paciência também. Apenas devolva o que pegou e me poupe de seus chiliques. – falou ele seriamente e com tom firme na voz.

Eu não esperava menos dele já que era uma das mais importantes autoridades.
Mas nada disso conseguia conter o que estava crescendo dentro de mim. Era um grande e puro ódio. Eu estava sendo acusada injustamente. Estava sendo ameaçada e meus familiares também.
Tudo aquilo estava me irritando.
De repente algo estranho começou a acontecer comigo.
Eu visivelmente estava perdendo o controle.
Orfeu me olhava confuso.
Sentia-me estranha.
Minhas mãos estavam enformigando e quando baixei a cabeça para olha-las percebi que meu cabelo estava lentamente ficando branco e minhas mãos, agora pálidas (acredito que tenham empalidecido junto com o cabelo), estavam encobertas de pequenos flocos brancos.
O ódio dentro de mim latejava juntamente com um grande aperto em meu peito. Aquele medo de perder ou ver minha mãe ferida tinha ativado uma perigosa defesa.
Deixei de me olhar e olhei para Orfeu instintivamente. Era ele que havia me imposto todas aquelas acusações e ameaças. Sua expressão era de confusão total. Mas logo eu não via mais Orfeu como líder ou guardião. Para mim era apenas uma ameaça.

-Se acalme garota, as coisas podem se tornar muito piores pra você – falava ele tentando esconder a preocupação na voz.

Eu não conseguia mais ouvir a voz da razão. Eu estava cega.
Sem pensar gritei :

- Eu sou inocente !!!!

Um forte vento começou a soprar dentro daquela sala. Senti um grande poder emanando de mim mas aquela já não era eu. O ódio havia me aprisionado em mim mesma e não tinha mais controle sobre a situação.
Aquele vento começou a levar as fotos e folhas que estavam em cima da mesa.
Sentada naquela cadeira eu me retorcia com o grande aperto que sentia no peito. Meu sentimentos estavam severamente feridos. Queria parar de sentir tudo aquilo mas quanto mais eu tentava suprimir mais o ódio achava lugar em mim.
Orfeu percebeu que a situação iria ficar pior se esperasse mais alguns momentos então correu para a porta que estava ao canto e gritou para seu soldado (já que o vento era tão forte que começou a chacoalhar as paredes) :

-09! Operação 1, AGORA!

O soldado saiu por alguns instantes e logo voltou com uma seringa já preparada. Orfeu pegou da mão dele e foi se aproximando vagarosamente de mim.
O soldado ficou na porta com um AR-15 apontado para mim como se temesse uma simples garota derrubar um dos 5 guardiões.
Eu queria apenas que ele injetasse aquilo pra que toda a dor que eu sentia sumisse mas eu não conseguia mais me controlar. Logo que ele chegou perto minha mão se ergueu e uma rajada forte de vento o lançou longe fazendo -o bater fortemente na parede e cair no chão.

-Raios – pestanejou ele.

Levantou -se cambaleando e arrumou seu cabelo que havia saído do lugar. Bateu suas roupas e com expressão de raiva colocou a seringa no chão do seu lado.
Fechou seus olhos e respirou fundo.
Juntou suas mãos como se fosse rezar e logo colocou-as novamente do lado do seu corpo.
Abriu seus olhos e olhou fixamente para mim.
Eu sabia o que ele iria fazer agora. Era o menos doloroso para mim e mais prático pra ele.
Em seguida pronunciou:

-Elb.

Num segundo nada mais se movia.
Tudo parou onde estava.
Nem mesmo as folhas que balançavam de um lado para o outro com o vento se moviam.
Ele havia parado o tempo.
Essa era uma das habilidades do quinto guardião.
Ninguém mais a tinha e por isso mesmo Orfeu havia sido nomeado aos seus 17 anos, guardião de Owen.

Vendo que mais nada se mexia ele se abaixou e pegou a seringa novamente. Lentamente começou a caminhar até mim e rapidamente injetou o conteúdo da seringa em meu pescoço.
Este só faria efeito quando o tempo voltasse ao normal.
Então Orfeu se afastou e novamente pronunciou a palavra :

-Elb.

Tudo começou a se mover como antes.
Até seu soldado, confuso olhava de um para o outro.
Eu já sentia os efeitos da droga que ele havia injetado.
O vento lentamente sessava e um grande sono começou a tomar conta de mim.
Só deu tempo de ouvir Orfeu pestanejar:

-Raios! O que foi isso? 09, por que ainda está parado aí? Vá buscar alguém para limpar essa sala e já carregue a garota!

Logo apaguei sem sentir mais nada.

Hina e a Aldeia Perdida- A Fuga Dos ElementosOnde histórias criam vida. Descubra agora