O Acordo

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Reino de Wessex 537 d.C.

Crowley poderia ter apostado com um des seus companheiros de que aquele encontro aconteceria, mas isso entregaria Aziraphale e seria deveras complicado explicar qual sua relação com um dos cavaleiros de Arthur. Os humanos poderiam ter muitos defeitos, mas Crowley sabia que quando ficavam desconfiados eles iriam ao fundo da questão nem que precisassem ultrapassar os próprios limites pra isso.

A ar gelado da noite era ainda mais forte estando tão alto no céu, as asas negras que a tanto tempo não eram usadas tinham que resistir com bravura para não se encolher novamente antes do tempo. Para impedir de congelar Crowley providenciou um aquecimento interno forte o suficiente para que aquela brisa fria se tornasse uma leve e quente a sua volta, ainda que não conseguisse se livrar da humildade característica daquelas terras que o fazia ficar sem respirar por algumas horas só para aliviar a sensação de estar respirando por um inalador. Não precisava de oxigênio de qualquer forma. 

Quando se aproximou do local de encontro, Aziraphale já estava o esperando, de pé e numa postura ereta perfeita.

"Senhor das Trevas, esse cara não relaxa?"

Crowley pousou tranquilamente próximo de Aziraphale que por um momento sentiu que esqueceu como respirava, ele não se lembrava de já ter visto as asas de Crowley antes e apesar da cor oposta a sua eram tão senão mais belas que de alguns anjos que já viu, quando estava tendo quase a certeza de ter visto pontos luminosos como estrelas nas penas das asas de Crowley, este fechou-as.

- Certeza que não desencarnou? - o demônio estava perto demais, estalando os dedos frente aos olhos de Aziraphale e este quase teve um ataque de pânico ao ver os olhos de Crowley ainda mais próximo.

- Certamente que não. - endureceu a voz - Pode me devolver o espaço pessoal por favor? - Crowley deu um único passo para trás ainda observando as ações do anjo, certo que ele nunca foi de muito contato próximo por causa dessa coisa ridícula de "inimigos hereditários" e blá blá blá, mas Crowley podia jurar que ele estava quase que… Nervoso? E não no sentido de raiva. Crowley resolveu dar seu melhor sorriso sacana.

- Tá tudo bem anjo? - Crowley começou a andar em volta de Aziraphale, ainda mantendo o paço de distância que dera antes. - Parece um tanto nervoso.

O som da armadura de movendo junto do corpo de Crowley em volta de Aziraphale só o deixava ainda mais nervoso, não iria admitir, mas realmente se sentia dessa forma e estava a um passo de sair voando dali o mais rápido possível.

- Euaceitooacordo. - Aziraphale disse tão rápido que Crowley estancou seus movimentos para ter certeza de que escutou direito.

- O que? - Crowley estava atrás de Aziraphale quando perguntou.

- Eu disse que acei- - Aziraphale virou-se de uma vez dando de cara com um Crowley muito perto, tão perto que tinha certeza de que o ar que respiravam naquele momento era o mesmo. - -to o-o aco-cordo. 

O coração de Aziraphale estava a um passo de explodir, ele batia tão rápido que quase podia sentir o sangue pulsando mais forte na artéria do pescoço e não que soubesse, mas Crowley não estava muito melhor, sentiu seu corpo inteiro pedir, implorar para que se aproximasse só mais um pouco do seu anjo. Fazia tanto tempo, estava com tanta saudade, seu peito doía toda vez que se lembrava de quem seu anjo foi para si, mas ele não e foi exatamente no momento em que estava quase se abaixando somente mais um pouco para alcançar seus lábios que sentiu a mão gentil de Aziraphale tocar seu peito protegido pela armadura negra.

- Eu não sei o que pretende com isso, mas… É melhor se afastar - Crowley sentiu novamente aquela dor e achou que dessa vez não conseguiu esconder, pois os olhos azuis também pareciam esboçar dor.

- Você… - a pergunta travou no meio. Não queria ouvir a resposta, não queria sentir mais daquele incômodo.

- Por favor Crowley. - o tom implorativo de Aziraphale fez o demônio se afastar e andar até a ponta do precipício daquela montanha, dando as costas para Aziraphale.

- Então vamos terminar o trabalho aqui, dou um jeito de sumir com o cavaleiro negro e você faz parecer que foi uma grande vitória, algo por aí. - a voz de Crowley saia alta e rápida, quase robotizada. - E os próximos nós mantemos contato para saber onde o outro vai e fazer nossos trabalhos sem interferências. - quando Crowley virou novamente para Aziraphale ele tinha uma feição estóica. - Combinado?

O demônio estendeu a mão em direção ao anjo que logo retribuiu apertando a mão de Crowley, ambos por um momento não queriam solta-las e Aziraphale se perguntava o porquê quando quem desfez o aperto primeiro fora Crowley. 

- Combinado.

- Ótimo - assim que o disse Crowley abriu as asas e voou o mais rápido possível para longe dali.

Aziraphale podia não ser um grande especialista em demônios, mas sabia reconhecer um olhar de dor e por algum motivo que não entendia ele queria tanto arrancar aquele olhar do rosto de Crowley quando a amargura cega que tinha no seu próprio coração. 

Sentiu um gosto amargo na boca, uma raiva que nem sabia ser capaz de sentir. Queria gritar até lhe faltar o ar nos pulmões e ainda ir além. Queria entender o porquê daquela dor, o porquê de não entender como um demônio o afetava tanto daquela maneira. Não era certo!

- Eu só queria ser capaz de entender Seus planos… Uma única vez. - Aziraphale olhou para o alto céu e quase no mesmo momento ouviu uma voz suave, grave e tão cheia de amor e vívida em suas lembranças que podia jurar que estava sendo sussurrada em seu ouvido naquele exato momento.

Nunca se esqueça que nada é por acaso, tudo faz parte do Plano Divino.

É cruel… - suspirou fechando os olhos e abrindo as asas ele se jogou de cima do precipício, sentindo a brisa fria e o vazio de suas memórias.

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