Mãe, eu te escrevo, porque sinto o meu peito apertar, porque eu tenho o pressentimento de que voltei a cair, tropeçando nas mesmas pedras no meio do caminho. Por que eu não sou como você? Eu tenho medo do amor, enquanto você se joga nele.
Mãe, eu tenho dificuldade em sentir, acho que eu sinto até demais e os sentimentos me ferem, me enlouquecendo um pouco mais. Eu me sinto sufocar e meu estômago se contrai, me provocando ânsia de vômito. O que acontece se eu não quiser vomitar?
Quando foi que eu cresci? Quando foi que eu comecei a fugir? Eu estou embriagada por duas garrafas de vinhos inteiras e não adiantou nada... Eu estou à flor da pele, cansada demais para continuar e agitada demais para conseguir dormir.
Eu sinto falta do seu cafuné, sinto falta de ser pequena de novo, de comer o bolo de fubá feito pela vovó e depois de brincar, de deitar no seu colo... Ah mãe, eu perdi o controle, na verdade, eu acho que nunca o tive, não completamente...
Quando eu era pequena, eu brincava com tintas para controlar a realidade a minha volta. Você se lembra? Quando chovia, eu pintava o sol e o céu azul... Quando você e o papai se separaram, eu os pintava juntos, como se eu pudesse colar a relação de vocês em uma folha de papel qualquer.
Eu não consigo mais pintar, não consigo... Nada, nada de nada, nem um traçado mal feito... Eu tenho medo de não conseguir mais desenhar, mas tenho mais medo ainda de acabar explodindo. Eu sempre fui assim? Fechada demais?
Mãe, você já se apaixonou por alguém que parece gostar de você e ao mesmo tempo parece que não? Se isso tiver um sim como resposta, por favor, me diz como lidar? Eu sinto que eu ando em círculos, revivendo somente as memórias que me fazem sofrer, me lembrando somente das vezes onde eu não fui amada...
E quando a gente sabe que é amado, o que fazer? Só amor não basta, eu acho que não e ter coragem também não... E sobre o querer? Querer também não resolve muitas coisas...
Eu estou cansada, estou na minha terceira garrafa de vinho e já fumei meio maço de cigarros... Aposto que quando você ler isso, você vai pensar que eu estou entrando em um processo de rebeldia atrasada... Eu não estou... É só que eu estou na merda, minha cabeça dói e eu estou considerando a opção de ter chegado ao fundo do poço.
Eu estou me sentindo sozinha, muito sozinha, porque eu acho que pela primeira vez em anos, eu estou arrancando o curativo e cara, como arde... Mas arder é bom, não é? Significa que eu ainda estou viva e que em alguma parte de mim, eu ainda sinto arder, ainda que doa, ainda que incomode...
Mãe é isso que os adultos fazem? Se orgulham de suas cicatrizes como se quem sofreu mais tivesse algum tipo de mérito nessa vida? Porque se for isso, eu acho que estou ganhando o mérito dos méritos, a medalha de mais mentirosa do universo... Eu menti tantas vezes para mim mesma repetindo que eu estava bem, que agora olhando para mim mesma e para as minhas relações, eu só consigo pensar que eu sou a mais bela hipócrita.
Como pedir por amor se eu nunca amei? Como exigir por entrega se eu só não me entreguei? Como exigir diálogo se eu nunca falei? Eu sou a mais bela confusão de opostos e eu digo bela, porque eu acho que eu sempre vi beleza no caos, ainda que eu minta mais uma vez dizendo que eu prefiro a calmaria... Eu sempre me apaixonei pelo difícil, pelo impossível, pelo errado... Acho que o possível me assusta, como se a calmaria fosse o sussurro do mau agouro dizendo que não existe sentimento o bastante...
O tédio me assusta e na tentativa de fuga, eu vivi durante anos com ele, como aquele que dorme com o inimigo para parar de temê-lo ao descobrir sua rotina, uma rotina tão humana que lhe mostra as fragilidades... Que perigo... Descobrir as fragilidades, te obriga a encará-las de frente e te obriga a lidar com elas de algum jeito, o pior é que mesmo que você as ignore, elas estão ali, te lembrando o tempo inteiro de que existem...
É, ainda bem que eu estou escrevendo para você mamãe, porque a cada dose de vinho e a cada descoberta, eu me torno mais frágil e isso pode doer, pelo menos, eu sei que você não vai fugir... Não mais... Você não pode fugir, porque a vovó não está aqui para cuidar de mim agora, ou seja, você vai precisar ser mãe. Desculpa se isso saiu em um tom de acusação, mas eu não estou te acusando de nada... De nós duas, você é a que menos fugiu... Ok, eu estou mentindo.
Nós duas fugimos, mas sempre de coisas diferentes, você de responsabilidades e rotinas e eu de tudo aquilo que me fizesse perder o controle... Acho que eu estou ficando repetitiva e contraditória... É aquele negócio de andar em círculos e de estar meio bêbada... Melhor deixar para lá, essa conversa não vai levar a lugar nenhum, não enquanto eu estiver assim... Bêbada.
Eu só quero que você saiba que eu te amo, que eu te admiro e que por mais que a gente brigue, às vezes, eu gostaria muito de ser mais como você do que como eu em algumas ocasiões.
Beijos, com amor.
Ass. Malu.
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Sobre nós: Cartas para as mulheres que amei. (Esconderijo- a série.)
Romance"A tela em branco e a ponta do pincel sujo com tinta seca... Olhos cansados que transbordam sem transbordar, palavras engasgadas que eu não consigo falar, saudade adormecida que precisa acordar." Se você recebesse uma carta de alguém que passou po...