Toda ação tem uma reação e todo copo cheio demais acaba transbordando... Eu transbordei, eu virei do avesso e caí no chão me quebrando inteira, me convertendo somente em cacos de vidro.
Quando eu decidi escrever todas aquelas cartas, eu não esperava por respostas, pelo menos, não daquelas pessoas todas... E agora era isso, eu teria de lidar com minhas atitudes impensadas.
Envelopes, vários deles espalhados pelo chão da sala... Abrir ou não abrir? Eu queria mesmo mexer naquele vespeiro? Eu já tinha mexido...
Longa, a noite seria longa e as horas seriam poucas para os estragos que eu sentia que estavam por vir, como a promessa de mau agouro que quase silenciosa estava baforando em minha nuca, promessa esta de mau agouro que eu sentia percorrer minha pele me beijando em sussurros ao pé do ouvido dizendo: Ação e reação, aceite as consequências dos seus atos, cresça!
Raquel, Patrícia, Nara, Sílvia e Mamãe... Todas as mulheres que eu amo ou amei, sem exceção... Sim, sem exceção... Dizem que o ódio é inverso ao amor e que a proporção é a mesma, então eu amei e odiei igualmente todas ali em algum momento.
Raquel, como eu te amei e como eu te odiei por ir embora... Patrícia, meu amor mais maduro e meu ódio mais mascarado por saber de todas as suas cobranças silenciosas, sempre me pedindo por mais. Nara, em você eu odiei o tempo ou a falta dele, encontros e desencontros em momentos distintos de vida, de escolha, de entrega.
Sílvia, eu nunca te amei, minto, hoje eu percebo o quanto eu amei amar te odiar e te culpar, porque é mais fácil odiar e jogar a culpa somente no outro, dando a ele mais espaço na nossa vida do que ele realmente merecia ou merece... Eu só não devia ter te trazido de volta para mim, porque agora sua carta me encara, me desafiando a abri-la... Ela debocha de mim e me provoca, pisando em mim sem pisar.
Mamãe, de todas as mulheres da minha vida, você é a que eu mais amei e é a que eu mais odiei, talvez de todas, seja até a que eu menos compreendi... Analistas diriam que toda a culpa do mundo está em nossos pais... Deus, como eu te culpei e te condenei pela ausência... Mas hoje eu entendo que você sempre esteve ali. Você estava sem estar, estava em mim, na minha pele, no meu sangue, nos meus traços e na minha mente.
Fugir é o caminho falsamente mais fácil a se pegar, porque com a fuga existe a ideia de que nunca existiu ou de que nunca esteve ali, mas na verdade não, essa é somente uma ilusão que se alimenta e cresce a cada pílula de medo que você escolhe engolir, seja consciente ou inconscientemente e esse medo cresce, te sufocando até te tomar por inteiro, ele te faz transbordar, te revirando por dentro e te tombando, te fazendo quebrar... E é nessa hora, pisando nos cacos espalhados ao chão que você se pega obrigado a olhar os estragos.
No final a decisão é sua... Ou você se esconde de baixo do tapete ou lida com as consequências... Crescer é limpar, em algumas situações, é colar os pedaços sabendo que não vai ficar como antes e que está tudo bem, talvez até usar a oportunidade de reconstruir para criar e simplesmente transformar tudo aquilo que está ali.
Eu precisava transbordar, precisava quebrar, precisava olhar para os cacos e só então eu poderia começar a me remendar, mas não como antes, eu precisava entender que finalmente tinha chegado a hora de mudar.
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Sobre nós: Cartas para as mulheres que amei. (Esconderijo- a série.)
Romance"A tela em branco e a ponta do pincel sujo com tinta seca... Olhos cansados que transbordam sem transbordar, palavras engasgadas que eu não consigo falar, saudade adormecida que precisa acordar." Se você recebesse uma carta de alguém que passou po...