Bad Day - Daniel Powter
Lisboa, Janeiro de 2023
8 horas antes de embarcar
Eu estava terminando de arrumar minhas coisas, quando recebo uma ligação de um número desconhecido do Brasil. Olho a chamada e penso se devo atender, tenho o número das meninas salvo no celular, então não deve ser alguém conhecido, prefiro deixar cair. Odeio falar no telefone a não ser em casos de extrema importância, ou quando alguma das meninas decidem fazer chamada de vídeo para matar as saudades.
O fato de eu ser uma pessoa extremamente enrolada, não ajuda em nada, porque eu ainda tenho muito o que fazer antes de entrar naquele avião rumo a Londres, e minha ansiedade não colabora, fazendo com que eu fique postergando as coisas até o último minuto.
Minha sorte que a Carol existe, ela é com certeza um anjo na vida das M-Girlz, com as listas e planilhas dela, nossa vida sempre está organizada mesmo a milhares de quilômetros de distância. Ela organizou a viagem da Sarah, para Londres em UMA fucking semana, ajudou a May, a se mudar mesmo que uma estivesse em São Paulo e a outra em Belém, e mesmo com a bagunça da mudança dela, ela ainda estava me ajudando com a minha.
O telefone toca novamente e decido atender. Deve ser algo importante, afinal que ligaria duas vezes para fazer uma chamada internacional? Atendo o telefone, e a voz que eu ouvi poucas vezes durante os últimos 10 anos está do outro lado da linha.
"Nara?!" eu e Eduardo nos falamos o mínimo possível, as vezes minha mãe acaba tomando a frente das situações, porque ela acha que a qualquer momento eu ainda posso sucumbir como fiz algumas vezes desde que descobrimos que apesar dos pesares nós sempre estaremos ligados.
"O que você quer?" é mais forte que eu, simplesmente não consigo ser simpática com ele, ou deixar toda a mágoa de lado, por mais que algumas vezes ao longo dos anos, ele sempre tentou conversar e ser mais próximo de mim, eu não consigo, toda as vezes eu lembro da mensagem, e como tive uma gestação extremamente conturbada, me fecho de novo, só preciso ouvir a voz dele que eu volto pra dentro da concha.
"Sempre vai ser assim? Já se passaram 10 anos, porra!"
"Aposto que você não me ligou pra conversar sobre os 10 anos que passaram"
Eu sempre fui a grossa de qualquer relação, a pessoa que não tem papas na língua, que fala antes de pensar. Meu terapeuta no Brasil, sempre falava que eu tinha que contar até 3 antes de dar qualquer tipo de resposta por que elas ferem as pessoas, mas em situações como essa eu só quero que ele se sinta tão ferido quanto eu.
Já se passaram 10 anos, mas é complicado demais conseguir perdoar a pessoa que te apunhalou pelas costas no momento que você mais precisava dela, dói saber que tudo poderia ter sido diferente, mesmo que hoje não estaríamos juntos do mesmo jeito, mas saber que muita coisa podia ter sido diferente, que 90% dos meus traumas e bloqueios poderiam ser evitados. Tem horas que parece que eu ainda sou a adolescente de 18 anos, que tinha acabado de sair do ensino médio e só queria sair de Campo Grande pra ir fazer faculdade de moda em São Paulo.
Ouço o mesmo suspiro pesado, e tão característico do Edu, como se ele estivesse cansado da situação que ele nos enfiou.
"Eu quero conversar com você sobre o Arthur" ele diz por fim
"Você sempre conversou sobre ele com a minha mãe, Eduardo. Por que agora tem que ser comigo?" aquela conversa estava me deixando mais impaciente que o normal, tudo nele me irritava, o tom de voz manso, os barulhos esquisitos que ele fazia desde sempre, como mesmo do outro lado do oceano, eu era capaz de ouvir os passos dele andando pelo cômodo que ele estava, e passando a mão pelo cabelo, na tentativa de encontrar as palavras certas.
"Eu vou buscar o Arthur" ele diz num supetão, como se não falasse ali naquela hora nunca mais as palavras iriam sair da boca dele.
"O QUÊ?! Você começou a se drogar? A essa altura do campeonato? Com 28 anos de idade, resolveu enlouquecer?" minha cabeça girava a milhão, já não bastava a culpa por deixar minha mãe e o Thu em Lisboa, agora isso? Esse doido, resolveu que vai vir buscar o Arthur.
"Nara, fica calma, ta bom?"
"COMO VOCÊ QUER QUE EU FIQUE CALMA, EDUARDO, CARALHO"
Minha respiração estava começando a falhar, e eu só via fogo na minha frente de tanto ódio que eu estava, o raciocínio lógico tinha sumido, e eu só pensava em como matar esse homem.
"Eu vou pra Inglaterra daqui dois dias, pra conversarmos pessoalmente, já conversei com a sua mãe, e agora que ela está noiva e vai casar em breve, ela acha que não é uma má ideia"
Eu abri a boca pra dizer qualquer coisa que fosse mesmo que fosse gritar um não, bem alto e sonoro, mas não deu tempo.
"Até breve, Liz. Nos vemos em dois dias em Londres" ele era o único que me chamava assim, porque isso agora? Depois de 10 anos?
E a chamada foi encerrada, fiquei alguns minutos olhando pra tela do celular, imaginando que toda aquela ligação tinha sido um delírio da minha parte, mas quando minha mãe entrou no meu quarto e perguntou se era o "Dudu" no telefone a ficha caiu e percebi que era a pura realidade da minha vida.
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Nothing Changes.
Romansa" Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à...