CAPÍTULO III: fuga

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Ilha do Céu, oceano de Maralto – 297 p.i

TORRYN NÃO SABIA como, mas havia conseguido – após muita insistência – convencer Maryllum de levar Astra Nova para sua humilde e modesta casa para lhe dar de comer e algumas roupas novas.

Afinal, ele não aguentava mais olhar para a garota seminua na sua frente.

  Com muita relutância, a loira assentiu, indecisa sobre a atual situação e não acreditando muito quando o mesmo disse sobre a ausência de relacionamento com a dona de madeixas exóticas.

E ela, por sua vez, prometeu ao jovem prisioneiro que assim que estivesse pronta voltaria correndo para a masmorra, afim de lhe mostrar as coisas incríveis que havia descoberto.

  O plano? Bem... o plano era simples. Haviam dois guardas na ala Sul – onde jazia uma janela que dava para o mar – e mais três na Norte, a entrada principal. Sem contar o que ficava noite e dia na ponta do corredor que ficava a cela especial do rapaz.

Deviam, então, burlar esse sistema e seguir caminho silenciosamente e sem fazer alarde para a zona Oeste, quem guardava as antigas passagens subterrâneas de Ilha do Céu. Com sorte – e se a garota de cabelos coloridos tivesse conseguido a mistura exata de ervas para adormecer o soldado – conseguiriam chegar nas tais catacumbas antes de darem por sua falta. E com o mapa que haviam conseguido (cortesia da maluca de sua noiva de outras vidas) poderiam ir diretamente ao posto da guarda real que, naquela altura, estaria na emergência de localizar o prisioneiro em fuga e ocupados demais para notar que o tal prisioneiro estava na sede deles.

Pegariam, então, um dos barcos disponibilizados para caso de problemas graves e ataques e partiriam além-mar.
Rich, o comandante, só notaria o perspicaz plano quando já estivessem há muitas léguas de distância, impedindo qualquer cena de perseguição.
Pelo menos foi o que a mente do jovem orquestrou. E ele esperava que corresse tudo conforme o planejado.

  Porém, algo o incomodava em demasia. Sussurrava no pé de seu ouvido (e não, não era o maldito fogo-fátuo), querendo lhe dizer alguma coisa.

Torryn demorou para reconhecer que estava com medo da aventura periculosa. E que a ideia de fuga, de enfrentar o soturno e gris oceano de Maralto, buscar um reino com o qual sonhou a vida inteira e – talvez – encontrar o enigmático homem quem a todos chamam de Inventor o davam calafrios pelo corpo.

  O pensamento de largar a única família que já conhecera voltou à tona, como uma pancada forte bem em seu rosto, e ele engoliu em seco. Estava a ponto de desistir.
Não seria capaz de deixar o lar onde cresceu a vida toda, por mais que fosse um lugar horrível habitado por pessoas piores ainda.

É muito difícil abandonar suas raízes, mesmo que elas estejam podres.

  Passou por sua mente também que Astra conseguiria sozinha. Ela precisava conseguir sozinha, porque com ele que não seria.
Como apenas um Litha comum – melhor isso ser explicado depois –, o rapaz não conseguia se decidir entre dois pensamentos e dois destinos tão aterradores e dolorosos. Ficar e ser taxado de monstro ou ir e enfrentar uma perigosa jornada?

   Bem... de uma maneira ou de outra, não havia mais tempo para devaneios de pensar a respeito. Astra irrompia pelo cômodo-prisão cantarolando uma melodia desconhecida de forma animada. Em seus braços, as mesmas bugigangas que tinha trazido antes.

Ele realmente gostaria de compreender como ela sempre conseguia entrar em sua cela, mesmo não sendo conhecida por ninguém, e ainda por cima carregando varias quinquilharia estranhas e suspeitas.

O cristal, pensou, o cristal deve ocultar a presença dela para quem ela quer.

E ele não poderia estar mais certo.

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