Capítulo 4 _ Luzes para Ganga

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Mahara

Sentada no chão do meu quarto com as costas apoiadas na parede, olhei animada para meu sári agora colorido de infinitas cores, o coloquei no colo sentindo o tecido gasto deslizar as pontas sobre as minhas pernas. Sorri lembrando do quanto me diverti na noite anterior dançando com Karan no festival. Fechei os olhos lembrando do sorriso bonito, o perfume inebriante e o olhar intenso dele. Suspirei pegando o tecido e o abraçando ao peito. Havia sido uma festa inesquecível.

— Are, Mahara, está sonhando acordada? — Mamadi perguntou me fazendo abrir os olhos. — Quem era aquele rapaz que dançou com você no Holi? Seu baldi não gostou nada do que viu.

Suspirei pesadamente e juntei minhas pernas em posição de yoga. Mamadi parecia preocupada à minha frente, segurando meu sobrinho no colo.

— Isso não vai mais acontecer. — Garanti e ela franziu a testa.

— Não foi essa a pergunta que eu te fiz, Mahara.

— O nome dele é Karan. É um homem bom, mamadi. — Me apressei em explicar.

— Logo se nota isso. Mesmo sendo de casta ele dançou com você. — Ela comentou sentando no banco de pedras à minha frente. — E você parecia muito feliz dançando com ele.

— Tik he, eu estava mesmo, pois ele não tinha nojo de mim. Não como os outros homens de casta têm.

Meu coração sangrava por saber que se ele soubesse a verdade sobre mim, nem sequer se aproximaria da minha sombra. Me sentia mal por mentir para ele, entretanto, ao mesmo tempo, eu sabia que era algo que nunca mais aconteceria novamente, de outro homem como ele me enxergar. Lalita era uma farsa terrível, porém, era tudo o que eu tinha de Karan. Eu estava me enganando, me afundando nas minhas próprias mentiras, mas a felicidade que eu senti ao lado dele no festival era tão única em uma vida de lástimas. Esse sentimento me deixava dividida, de repente o certo e o errado não eram mais tão fáceis de se distinguir.

— Fico aliviada dele não ser um estúpido, um ulucapatá! Mas mesmo assim você precisa tomar cuidado, Mahara. Ainda mais porque ele parecia ser de uma boa casta.

— Penso que ele é um vaixá, um comerciante.

— Narrin, não acho isso. Ele parece ser mais sofisticado. Deve ser de uma casta mais alta, como um xátria.

— Are, mamadi! Eu não sei. Só sei que... Sonhei com ele... Conosco dançando no Diwali. — Contei timidamente o sonho que tive com Karan no festival de luzes e ela abriu um largo sorriso.

— Arebaguandi! Esse é um sinal muito auspicioso, Mahara. Talvez os deuses querem dizer algo a você. — Exclamou animada e meu sobrinho ergueu a cabeça em minha direção.

— Os deuses falaram com a senhora? — Perguntou curioso e eu estendi meus braços para pegá-lo no colo.

Hari com sete anos pesava como uma pluma por ser tão pequeno e magro. Filho da minha irmã mais velha, Durga, que mesmo morando com a família do marido, sempre que podia nos visitava.

— Os deuses sempre falam conosco, meu pequeno Krishna. — O abracei e ele deitou a cabeça no meu peito.

— Por que então nunca me defenderam dos garotos na escola? — Murmurou com o olhar perdido. — Tenho que ficar sentado no fundo da sala, sozinho.

— Um dia você será um homem da lei. E todos esses ulucapatás terão que te respeitar.

— Como serei um homem da lei sendo um dalit?

— Are, Hari! Hoje em dia há muitos dalits no governo. — Mamadi interferiu e ele a olhou desanimado.

— Mas isso não muda nada na minha escola, dadi. Nem na escola da tia Mahara, ela ainda assiste às aulas no fundo da sala também, afastada de todos os outros alunos, não é? — Me olhou buscando confirmação.

— Tik he, é assim mesmo. Porém, um dia, meu pequeno, isso tudo irá mudar. Dadi costumava dizer que um dia o véu da hipocrisia que cobre os olhos das pessoas de casta cairá por terra. Por Lord Ganesha, esse dia há de estar próximo! — Desejei notando uma faísca de esperança nos olhos do meu sobrinho.

Ele sorriu fraco e me abraçou. Mamadi nos observou em silêncio com um semblante pensativo. Esperança de dias melhores era tudo o que tínhamos.

🍃🍃🍃

Após passar mais um dia inteiro varrendo as ruas e recolhendo as imundices, me enchi de coragem e me vesti novamente de Lalita para poder participar do Aarti, ritual de agradecimento aos deuses por mais um dia de vida. Era quase noite quando cheguei no Ghat Dashashwamedh. Me apressei em sentar em um bom lugar, para ver de perto pela primeira vez a cerimônia que acontece, diariamente, há milhares de anos em Varanasi. Centenas de pessoas foram se acomodando ao meu redor. A música começou a tocar suave nos trazendo um sentimento de serenidade ao mesmo tempo, em que sete paandits, que eram os sacerdotes, segurando incensos e candelabros de fogo iniciaram a cerimônia. Fizemos uma meditação coletiva e assim eu consegui olhar para o meu interior. Me senti muito mal por mentir para Karan. Pedi perdão aos deuses pelos meus erros, e agradeci pela chance de participar ao menos uma vez na vida dos rituais sagrados.

Após o término da cerimônia comprei um diya, uma lamparina confeccionada com um pratinho de folhas, contendo pétalas coloridas de flores em seu interior, um incenso e um pedacinho de vela. Acendi o incenso e a vela colocando em seguida a oferenda na correnteza forte do Ganges. Notei a luz da vela tremular de acordo com o movimento sinuoso da água. Pedi abundância de paz espiritual para a deusa Ganga que desceu do céu para habitar o rio Ganges.

Suspirei me levantando e me surpreendi ao ver Karan ao lado de um paandit. Ele lançou um sorriso arrebatador na minha direção, fazendo meu coração tolo bater descompassado no peito.

Que Lord Shiva possa me ajudar destruindo as ilusões que minha mente havia construído com Karan!

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