Mahara
Sarnath é um paraíso para os olhos e para a alma. Um local amplo repleto de ruínas antigas cobertas por uma relva macia, colorida de um verde vívido e calmante. A floresta crescida ao redor silenciava todos os barulhos da cidade próxima. Era o refúgio em meio ao caos, apontado pelos budistas como o local onde Buda teria encontrado os seus primeiros discípulos, e dado o primeiro sermão após a iluminação, segundo contavam.
— A beleza desse lugar é apaixonante! — Comentei observando ao redor e então meu olhar recaiu novamente em Karan que me encarava atento.
— Acha mesmo que Buda estava certo quando criou o budismo?
— Are, se é algo capaz de transcender as almas de seus seguidores, sim.
— Eu não consigo compreender totalmente. Como pode acreditar em todas as crenças?
— Narrin, eu não creio em todas as crenças. Creio apenas no hinduísmo, no deus Brahma, criador do universo e cada ser vivo presente nele. No deus Vishnu que conserva tudo que foi criado e no deus Shiva que um dia destruirá a terra com o fogo divino da regeneração.
— Mas você disse...
— Eu disse que respeito todas as crenças. Respeitar não é acreditar, é apenas conviver em harmonia com a fé que habita em outros corpos. Por anos nossa terra viveu períodos de guerra por conta do extremismo religioso, porém, ninguém viveu a religião em sua essência. Ninguém deveria brigar por nada disso. Are, Karan, olhe à nossa volta, observe bem essas ruínas, essa energia que nos circunda, a fé independente em quê é depositada, nada mais é do que a chama que nos move em direção a algo.
Ele pareceu ponderar sobre o assunto e então deu três passos em minha direção, parando exatamente à minha frente, ficando poucos centímetros do meu corpo, acelerando meu coração.
— A chama que me move segue em direção a você. — Comentou com os olhos fixos nos meus.
Tentei recuar, porém, havia uma ruína atrás de mim que deteve meus passos. De repente os olhos escuros de Karan tomaram o lugar do céu acima da minha cabeça. Pisquei confusa e senti as enormes mãos dele capturar a minha cintura de encontro ao seu corpo rígido.
— O que está fazendo? — Questionei nervosa.
— Me perdoe, Lalita!
— Por quê? — Perguntei assustada o olhando tão próximo.
— Porque preciso te beijar.
Ele esperou um instante, talvez pensando que eu fosse resistir, porém, há muito tempo eu havia perdido totalmente o juízo que deveria ter. Obviamente isso não devia sequer ser cogitado, mas, ao mesmo tempo, parecia tão certo.
Ao notar que eu não fugiria, Karan se aproximou mais. O toque suave de seus lábios nos meus foi como a manifestação mais suprema de Lord Shiva. Destruiu todas as muralhas que me mantinham afastada das outras pessoas, unindo meu coração palpitante a apenas uma.
Eu podia sentir meu coração engatinhar até a minha boca como um bebê aprendendo a se movimentar. Espalmei as mãos no peito dele com intuito de afastá-lo, porém, eu não consegui fazer força. Meu corpo não me obedecia, a razão havia me abandonado.
Karan afastou brevemente os lábios dos meus e eu senti falta dele, inexplicavelmente eu queria mais, mesmo sabendo se tratar de um grande erro, não só por ele estar me beijando sem sermos casados, mas também por ele beijar uma dalit sem saber.
Nossos olhares se reencontraram, nossos corpos permaneceram colados e as mãos dele continuaram firmes em minha cintura.
Me senti péssima por não ser Mahara nesse momento. Suspirei nervosa e decidi finalmente contar para ele toda a verdade. Eu não podia mais continuar enganando nem ele, nem a mim mesma.
— Eu... preciso te dizer uma coisa. — Iniciei o assunto sentindo o nervosismo latente nas minhas veias. O medo de ser repudiada junto a certeza de que ele jamais me perdoaria me fez finalmente tentar afastá-lo de mim. — Eu não sou o que pareço ser.
Karan sorriu erguendo uma de suas mãos até o meu rosto, onde acariciou suavemente a minha pele. Involuntariamente fechei meus olhos sentindo seu toque tão cuidadoso e gentil como eu nunca imaginei poder receber. Depois ele seguiu pela curva da minha bochecha até parar no meu queixo, onde levantou sutilmente me fazendo encarar seus olhos novamente.
— Você é mais do que parece ser. À primeira vista é uma mulher incrivelmente linda e encantadora, mas quando conhecemos a fundo descobrimos também ser uma fonte de inteligência e perspicácia.
— Não diz isso, não dificulta as coisas para mim, por favor! — Implorei e ele deslizou a mão pelo meu cabelo o afastando do meu rosto.
Voltou a me olhar de forma intensa e nossos lábios se tocaram novamente, porém, agora com mais fervor.
Eu estava perdida como Lalita, mas como Mahara eu parecia finalmente ter me encontrado nos braços dele.
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A Intocável [DEGUSTAÇÃO | DISPONÍVEL NA AMAZON]
RomanceMahara Aruna é uma jovem indiana dalit, considerada uma intocável e impura desde o seu nascimento. Criada na extrema pobreza, foi constantemente humilhada durante toda a sua vida. Porém, numa bela manhã ela decide quebrar as regras entrando disfarça...