Capítulo 5 _ Aarti

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Karan

Há mais habitantes na Índia do que em qualquer outro país. Indo e vindo de todas as direções surgiam alguns rostos conhecidos, outros nem tanto, todos tumultuando as vielas e os gaths por toda parte. Exatamente por sempre haver tantas pessoas ao redor é que eu não tinha a mínima esperança de voltar a vê-la tão cedo. E então inesperadamente me deparei com Lalita após o ritual Aarti. No exato momento em que nossos olhares se cruzaram os sinos do templo ecoaram pelo ambiente, um claro sinal dos deuses.

Ela era a verdadeira personificação da deusa Lalita Tripurasundari, a mais bela de todas as deusas. E Lalita Vemula era exatamente assim, a mais bela de todas as mulheres. Seus longos cabelos da cor da noite sem lua combinavam com os olhos brilhantes da mesma cor. Suas bochechas possuem a cor suave de uma dália e se curvam quando sorri. Seus seios são como montes divinos adornados por delicadas joias, enquanto seu corpo vibrante e voluptuoso estava coberto pelo mesmo sári bordado de quando a vi pela primeira vez.

O brilho tremeluzido das inúmeras velas no rio Ganges a iluminava de tal maneira, que parecia mesmo que a própria deusa Lalita havia nos concedido a honra da sua presença na terra.

— Namastê! — Saudei a reverenciando. — Em silêncio ela se curvou com as mãos unidas, me cumprimentando. Seus olhos brilhantes voltaram a encontrar os meus. — Eu nunca te vi nesse gath antes, acaso se mudou há pouco tempo para Varanasi?

— Quase isso. — Respondeu vagamente e eu franzi a testa. — É uma longa história.

— Sou um ótimo ouvinte. — Respondi e ela sorriu fraco.

— Nem tudo que parece é. Às vezes pensamos que determinada coisa não estava ali, mas ela sempre esteve.

A olhei intrigado e ela engoliu em seco. Parecia querer usar de metáforas, entretanto, eu tinha certeza que nunca a tinha visto antes.

— Tem toda razão. — Falei retomando o assunto. — Nem todo vento traz chuva.

— E nem toda pessoa é aquilo que sua classe diz ser. — Retrucou aleatoriamente.

— Não há dúvidas disso. — Respondi incerto, sem saber em qual ponto ela queria chegar. — Todos temos nossas essências, independente da posição em que somos classificados pela sociedade.

— Tik Tik. — Concordou com um sorriso quase infantil nos lábios. — Minha dadi dizia que a nossa essência é soprada pelo deus Brahma. Então todos somos o suspiro divino dele.

— Sua dadi é realmente muito sábia. — Respondi e ela pareceu orgulhosa.

— Ela me ensinou muitas coisas.

— Essa é a razão da nossa existência, aprender e passar adiante o que aprendemos. Sábio é aquele que distribui o saber. — Concluí e ela assentiu pensativa. — É só uma pena tantos se perderem em ensinamentos de religiões erradas.

— Nenhuma religião é errada. — Respondeu confiante me deixando totalmente surpreso. — Todas as religiões são iguais, pois todas depositam sua fé em alguém. E esse alguém é o mesmo Deus. Tanto faz os nomes, Alá, Shiva, Javé ou até mesmo a plenitude espiritual buscada pelos budistas, tudo se trata da mesma energia divina. Todos procuram por algo que transborde no coração e proporcione uma boa vida ou uma boa morte. As palavras no Alcorão dos muçulmanos ou no nosso livro sagrado, o Vedas, têm o mesmo intuito: nos instruir no caminho do bem para posteriormente nos guiar para algo maior. O fato de orar de maneira diferente e acreditar em coisas diferentes não torna ninguém errado. Todos estamos apenas buscando conforto para as nossas almas. E não é errado ter fé.

Fiquei boquiaberto a observando em silêncio por alguns instantes, apenas absorvendo tudo o que tinha acabado de ouvir. Eram tantas coisas que eu nunca tinha parado para pensar que haviam sido despejadas dos lábios mais belos e sábios que eu já vi na vida. Lalita revelou que além da estonteante beleza também era dona de um senso crítico admirável.

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