O começo de tudo

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"—O que ela tem doutor? —lembro de relance minha mãe me olhar enquanto brincava na mesinha no canto do consultório médico.

—Infelizmente não é uma notícia boa. —o médico diz com uma expressão não muito boa. —Esses sintomas que ela está tendo como a perda da visão lateral e a visão embaçada é decorrente de uma doença que ela tem.

—E qual seria? —Alba, minha mãe pergunta preocupada, intercalando olhares entre mim com o médico.

—Receio que ela tem Retinite pigmentosa. É uma doença ocular em que a parede posterior do olho é danificada. —o médico tenta dar a notícia da forma mais simplificada.

—Tem tratamento? —o médico balança a cabeça negativamente.

—Podemos tratar mas essa doença não tem cura.

—Então ela vai perder a visão, tão nova? —lágrimas desciam no rosto de minha mãe.

—Infelizmente sim. Mas isso pode durar anos ou o resto da vida dela. Não dá pra saber ao certo quando acontecerá. —nesse momento, ao ver minha mãe chorando, me levanto e vou em sua direção.

—Aconteceu alguma coisa mamãe? —os dois olham para minha pessoa assustados com minha atitude.

—Não filha, não aconteceu nada não. —nesse momento já estava no colo de minha mãe, que me envolvia em seus braços.

—Não chora mamãe, não gosto de ver você assim. —seco suas lágrimas com minhas mãos pequenas e sorrio.

—Pronto, mamãe não vai chorar mais. —minha mãe retribui meu sorriso e me dá um abraço."

Essa lembrança veio à tona desde que acordei. Assim que disse para minha mãe que minha vista deu uma piorada ela ligou imediatamente para o doutor Ricardo, meu oftalmologista, que na mesma hora mandou irmos até seu consultório.

—Calma mãe, a senhora está mais nervosa que eu. —digo ao vê-la batucando os dedos no volante do carro.

—Porque esse trânsito não anda? —ela mete a mão da buzina.

—Mãe, relaxa. —coloco a mão em sua perna, chamando sua atenção. —Vamos escutar uma música.

Conecto meu celular no rádio e dou play em Bon Jovi, uma banda favorita da minha mãe.

—WOAH, WE'RE HALF WAY THERE, WOAH, LIVIN' ON A PRAYER. —começo cantando e logo minha mãe me acompanha.

—TAKE MY HAND, WE'LL MAKE IT I SWEAR, WOAH, LIVIN' ON A PRAYER. —continuamos cantando até estacionar de frente ao consultório oftalmologista.

—Bom dia Amanda. —cumprimento a recepcionista. —Cadê o doutor Ricardo?

—Podem entrar, ele está esperando vocês. —ela diz e seguimos pelo caminho muito conhecido por mim.

—Bom dia Ally, Bom dia Alba. O que temos hoje? —doutor Ricardo virou um grande amigo da família desde o começo do meu tratamento. E com isso eu criei um carinho especial por ele.

—Ally diz que a vista piorou quando acordou hoje. —minha mãe toma a frente da conversa.

—Eu disse pra ela acalmar mas você sabe como minha mãe é. —digo ao me sentar na cadeira em sua frente.

—E eu sei muito bem como você é Ally. Lembre-se disso. —Dr. Ricardo comenta rindo. —Você está tomando todos os remédios? —concordo com a cabeça. —Senta ali, vamos dar uma olhada nesses lindos olhos castanhos.

Me sento na cadeira e encosto meu queixo na máquina. Doutor Ricardo se senta do outro lado e começa a observar meus olhos.

—Pela sua cara eu vejo que não tem notícia boa. —digo assim que ele se afasta da máquina e volta para sua mesa.

—Não mesmo. Infelizmente a retinite se intensificou, por isso os sintomas aumentaram. —ele olha para minha mãe que já esperava que isso aconteceria.

—Quanto tempo? —minha mãe tenta manter a voz firme mas não conseguiu.

—Não tenho a certeza mas uns 3 ou 4 anos. —escuto tudo o que o doutor Ricardo diz em silêncio. Eu sabia que isso algum dia aconteceria mas não tão rápido assim. Eu só tenho 19 anos, estou começando uma vida, estou realizando meus sonhos.

Escuto minha mãe respirar fundo ao meu lado.

—Não tem nada que se possa fazer?

—Não, o certo é esperar. —Doutor Ricardo continuou a conversar com minha mãe mas eu estava em um mundo totalmente diferente. O me mundo. Onde ninguém tinha acesso, apenas eu. Onde tinha meus sonhos, minhas metas, meus desejos, meus medos e minhas seguranças. No momento em que escutei que tinha apenas alguns anos para ficar totalmente cega a minha lista veio em minha mente. Os lugares em que gostaria de visitar, de conhecer e de morar. Será que nunca iria vê-los pessoalmente?

Volto para o carro em silêncio e minha mãe acaba percebendo mas respeita meu espaço. Coloco meus fones e deixo a música me distrair.

[...]

Assim que chego em casa dou de cara com meu pai, que havia chego de viagem.

—Oi pai. —dou um abraço bem gostoso nele. Eu precisava tanto desse abraço.

—Oi filha, como você tá? —ele pergunta sem se soltar de mim. Como sempre ele faz, ele me levanta do chão e me aperta mais e mais.

—Você tá me sufocando pai. —minha voz sai abafada. Ele me coloca no chão novamente e me solta. —Obrigada. Respondendo sua pergunta, tirando minha vista, eu to bem.

Minha mãe adentra logo em seguida, fechando a porta atrás de si e vindo cumprimentar meu pai.

—Oi meu amor, como você tá? —ele deposita um beijo em sua bochecha. Eu amo o jeito que meu pai trata minha mãe. Eles são tão fofos juntos. Espero um dia encontrar alguém como eles.

—Estou bem, eu acho. —ela bufa e deposita a bolsa em cima do sofá. —Acabamos de voltar do oftalmologista.

—Mesmo? E o que ele disse? —meu pai se senta no sofá e puxa minha mãe para seu colo, fazendo carinho em seu cabelo.

—A doença de Ally está se deteriorando rápido. Ele disse mais ou menos uns 3 ou 4 anos para ela perder totalmente a visão. —o silêncio se instala e sei que minha mãe estava chorando sem que eu veja.

Arrasto meu corpo até a cozinha para beber um copo de água e deixar meus pais conversarem sozinhos entre si. Recebi muita informação hoje e até eu preciso de um descanso, ou de uma distração.

Subo para meu quarto e me perco no meio das páginas de Sherlock Holmes e Doutor Watson.

Soulmates • Joel Pimentel Onde histórias criam vida. Descubra agora