Henry, chérie, você deveria ter me dito que a reunião seria coletiva. — Justine me repreende logo que passa pela porta e vê os outros homens no escritório. — Eu teria me vestido com mais apuro para a ocasião.
Olho para ela, que está usando um vestido de seda bordô elegante e com lindas safiras cintilando no colar pendurado em seu pescoço, e me limito a indicar com o olhar o lugar em que ela deve sentar-se.
— Você está deslumbrante. — Dereck a elogia, os olhos vagueando demoradamente por seu corpo destacado pelo modelo do vestido.
A boca da cantora se curva em sorriso desprovido de pudor.
— Oh, seu canalha! Não use comigo as mesmas estratégias que utiliza com todas. — as palavras de acusação severa são quebradas pelo divertimento que há em sua voz. — E tenha a amabilidade de olhar para o meu rosto quando me dirige a palavra, e não para outras partes de minha anatomia.
A cabeça dele continua inclinada, os olhos fixos na mesma direção.
— Não me peça o impossível, madame.
Pigarreio, desconcertado, e, em seguida, sento-me novamente quando vejo que Justine já se acomodou.
— Uma vez que o propósito de chamá-los aqui em nada tem a ver com as técnicas de flertes utilizadas pelos dois. — com um gesto de mão indico meu amigo e a senhorita Blanché. — Creio que poderemos começar a reunião. Eu os trouxe à minha casa, pois preciso da ajuda de vocês. Contudo, antes que eu lhes peça qualquer favor, quero que entendam que não devem se sentir compelidos a aceitar. Mesmo que se recusem, meu apreço continuará intacto ao que se refere a cada um nesta sala.
— Não importa o que eu necessite fazer, pode contar comigo, my boy. — Jack anuncia de repente.
— E comigo também. — Dereck concorda logo após.
— Eu penso da mesma forma. — anuncia Alexander que até então havia se mantido afastado, olhando através da janela, no fundo do recinto. — Apenas diga o que precisa de mim e pode considerar cumprido. É o mínimo que posso fazer depois de tudo o que aconteceu. Asseguro-lhe que jamais imaginei que ocultando o segredo de Sua Graça estaria prejudicando-a, impedindo que você agisse em seu socorro.
Encaro o rosto tenso de culpa e ainda inchado da última vez que nos encontramos de Alexander e não consigo sentir raiva. Na verdade, meu coração é envolto de vergonha ao pensar nos motivos que o levaram a considerar necessário proteger Isadora de mim.
— Eu provavelmente não teria ajudado. — confesso, atraindo para mim olhares surpresos. — Eu me lembro do dia em que você me informou da morte prematura do duque. De todas as emoções que eu senti naquele momento, certamente compaixão e pesar não foram uma delas.
— Eu duvido, my boy. — Jack pronuncia-se em meu favor, como se eu precisasse de alguém que me defenda de minha opinião sobre mim mesmo. — Você cuidaria dela, assim como pretende fazer agora.
Talvez. Se eu a visse diante dos meus olhos, sentisse o aroma do seu perfume e ouvisse o som brando de sua voz, talvez eu abrisse mão de tudo para ajudá-la. No entanto, do outro lado do oceano, tendo como prova apenas a palavra de um investigador, as palavras que sobressairiam seriam as que Isadora cravou em mim no dia em que me deixou.
— Como eu sou a única que não lhe ofereceu ajuda indiscriminadamente. — a voz de Justine me arranca da prisão dos meus pensamentos. — Aconselho-o a começar seu discurso, e que ele seja esplêndido, pois não me sinto muito inclinada a arriscar-me se não valer realmente a pena.
As pessoas à minha frente são as únicas em quem confio,até mesmo a cantora, que chegou à minha vida trazida pelo acaso, revelou-se digna de minha confiança. Sem temer, conto tudo a eles. Sobre a morte de Willian, sobre o terror emocional sobre o qual Isadora é submetida. Sobre o que pretendo fazer.
— Empobrecê-lo infelizmente demoraria meses. O homem possui uma fortuna sólida. Deste modo, é difícil enfraquecê-lo. — explico, sabendo que dinheiro é o tendão de Aquiles de qualquer homem de posses. — E o paradeiro dos homens contratados para assassinar Lorde Denvalle não é conhecido. Os malditos simplesmente parecem ter desaparecido da face da Terra. Não há nada de honesto que possamos fazer para revelar ao mundo que as mãos do Duque de Grafton estão manchadas de sangue. O bom e puro sangue azul inglês. Só há uma forma de conseguir a justiça que Isadora tanto espera.
— Qual? — Dereck pergunta.
— Enganá-lo. Fazer com que confesse seu próprio pecado.
— Se você tivesse respondido "um milagre", eu estaria mais confiante neste plano. — a cantora resmunga, desanimada. — O duque, ao que parece, guardou muito bem esse segredo durante todos esses anos. Apenas Isadora é testemunha da verdade e por mais que ela seja uma duquesa admirada, ele é um duque e é homem.
— E é por isso que eu preciso de você.
A postura sempre inabalável e altiva de Justine encolhe-se um pouco. Agora todos estão olhando para ela, e a mulher que sempre exala confiança, tem as maçãs do rosto tingidas de um tom carmim.
— Evidentemente, você é livre para opor-se. Eu pensarei em outro plano, embora este seja o que tem mais chances de êxito. Ou posso contratar os serviços de outra mulher, Alexander pode procurar alguém. Mas, a verdade é que eu confio apenas em você. E eu já presenciei em várias ocasiões o que o seu encanto causa nos homens. Além disso, não gostaria de arriscar, entregando o segredo de Isadora em mãos desconhecidas.
Ela suspira com lentidão.
— Realmente, eu me sinto excessivamente livre neste momento e nem um pouco pressionada por suas palavras. — Ela retruca.
Passo a mão pelos cabelos, desorientado. Inferno, não estou sendo muito bom em convencê-la.
— Perdoe-me. — peço, procurando manter a voz calma. — E-u... somente quero ajudar Isadora o quanto antes. Eu preciso saber que ela está dormindo à noite, sentindo-se segura e em paz. É um pedido injusto o que eu estou prestes a lhe fazer. E embora eu esteja disposto a lhe pagar toda a minha fortuna em troca de sua ajuda, ainda assim não será algo fácil para você aceitar.
Os olhos dela desviam-se por apenas alguns segundos. Foi um movimento rápido e quase imperceptível, mas eu a vi lançar um olhar nervoso na direção de Dereck, antes de encarar as próprias luvas. Disfarçadamente, eu fito meu amigo e noto pela sua expressão que ele é capaz de compreender a natureza da ajuda que Justine Blanché pode oferecer. E ele não está nada satisfeito.
Longos segundos de silêncio se instauram antes que ela decida falar novamente.
— Eu ajudarei Isadora. — ela declara por fim. E então, acrescenta: — Com apenas uma condição, a qual eu não estou disposta a negociar.
Ouço a cadeira de Dereck ranger estridentemente, mas ele permanece em silêncio.
— Qualquer coisa. — digo.
— Não ouse me oferecer um pagamento por isso.
— Mas não é justo. — contraponho, entretanto, ela sustenta o olhar no meu, resoluta. — Eu ficarei feliz de dar a você tudo o que possuo e ainda me sentirei em dívida.
A senhorita Blanché levanta-se orgulhosamente, uma postura ereta e segura de si.
— Sem pagamento, ou nada feito. — a sua voz comumente melodiosa e irônica transforma-se em um tom sério e centrado. — Oh, e eu não preciso que ninguém me diga o que é ou não justo. Se eu preciso fazer algo que esmigalhe meu orgulho, eu prefiro que seja puramente em prol de uma mulher corajosa como lady Denvalle, e não porque a minha alma e corpo estejam à venda.
Sinto como se um soco atingisse a boca do meu estômago.
— Eu não quis ofendê-la. Justine, por favor, não me entenda mal.
Ainda que eu pretenda render-lhe um extenso discurso de desculpas, ela me interrompe antes que eu possa continuar.
— Não se preocupe, chérie. — sua expressão de abranda. — Eu vim até Londres com você para atuar como sua amante e recebi uma boa quantia por isso, não vou portar-me como uma puritana agora. Apenas não preciso do seu dinheiro. Se existe uma mulher que pode ser salva de um doloroso destino, eu quero ajudá-la. — Ela faz uma pausa e empertiga-se, erguendo o queixo. — Em nome de todas as mulheres que não tiveram a mesma chance.
Há uma dor intrínseca em suas palavras que é impossível não notar, o que me faz pensar se Justine Blanché também não é uma dessas mulheres desafortunadas.
— É uma atitude muito honrada de sua parte, senhorita Blanché. — Jack diz a ela. — Você é uma mulher formidável.
— Obrigada, senhor Burton. — Justine sorri gentilmente,parecendo tímida com aquele simples elogio, depois volta-se para mim. — Eu estarei em meu quarto no hotel esperando suas ordens, cherié. Farei tudo o que estiver ao meu alcance para conseguir uma confissão do duque.
Ela faz uma careta adorável.
— O nosso alvo é o filho do duque. — corrijo-a. Ela parece menos enojada com a informação. — Otto Hadwerty é um homem com um fraco por mulheres bonitas, além de ter fama de vangloriar-se como um pavão armado.
Lembro-me da história da carta. Aquela que salvou Isadora anos atrás. O herdeiro asqueroso do ducado foi idiota a ponto de gabar-se a um amigo sobre seu ato covarde, orgulhando-se da morte de um homem inocente. Espero que ele não tenha recobrado o bom senso durante este tempo todo e continue o mesmo patife.
Quando os outros se vão, ficamos apenas Dereck e eu. Sua companhia sempre enérgica e ruidosa, neste momento não passa de uma sombra, silenciosa e inexpressiva.
— Algo lhe incomoda. — menciono em voz alta. — Eu acredito que tenha a ver com a senhorita Blanché.
— Justine?! Não sei do que você está falando.
— Eu tive a impressão que você a magoou hoje. — me atrevo a dizer e vejo imediatamente que minhas palavras não são bem recebidas.
Dereck me encara com raiva.
— Eu a magoei? Ora! Foi você quem praticamente fez uma oferta comercial pelos favores carnais da mulher na frente de todos nós. Se alguém nesta sala a magoou, você está apostando no homem errado, meu amigo.
— Sei que não foi a oferta mais lisonjeira, mas tive a impressão que ela entendeu meus motivos e percebeu a seriedade da situação. Em outras circunstâncias eu nunca a exporia a um risco semelhante. — tento ser racional com Dereck na intenção de fazê-lo enxergar o que eu vejo claramente. — No entanto, algo nela me fez pensar que talvez ela tenha ficado decepcionada com o seu silêncio. Provavelmente, ela achou que você tivesse algo a dizer a respeito da ideia de jogá-la nos braços de outro homem.
— Eu não sou o dono dela, Henry. — ele grunhe, com indisfarçada irritação. — Ela podia ter recusado, se desejasse.
— Então você não se importa que ela tenha que beijar outro homem?
— Podemos mudar de assunto? — Dereck pega a garrafa em cima da mesa e enche um copo até o topo. — Eu prefiro arrancar as unhas dos pés e das mãos com uma faca a ter que discutir a vida sexual da senhorita em questão.
— Aquela mulher está apaixonada por você, Dereck. — o copo fica suspenso no ar, a meio caminho da boca, quando sua mão congela de repente. — Eu pensei que como seu amigo fosse meu dever alertá-lo.
— Inferno, Henry, cale a boca! O que você pretende? Que eu lute contra o único plano que pode dar paz a mulher por quem você é louco? Porque, maldito seja, não é uma decisão inteligente de sua parte escolher justamente este momento para ter esta conversa.
Possivelmente ele tem razão, Para que meu plano seja bem sucedido, a eclosão de uma paixão tórrida entre os dois é totalmente desaconselhável. Mas eu seria um canalha se ignorasse o sofrimento da mulher que me ofereceu sua ajuda.
— Talvez eu esteja atirando contra meu próprio corpo com o que vou lhe dizer, mas apesar de precisar de Justine com a mesma relevância que preciso de ar neste momento, sugiro que você demonstre que se importa com ela, pois esta é claramente a verdade, e ela pareceu ansiar por isso. Brigue com ela se for preciso. Mas deixe que saiba que você não quer que ela esteja com lorde Hadwerty.
— É isso que mulheres como ela fazem. Vivem a vida usufruindo da arte da sedução — ele sussurra, com uma voz cortante. — Justine não pertence a ninguém. — ele fica em silêncio por alguns segundos e faz uma careta. — Ou pior, pertence a homens demais.
Se antes eu tinha alguma dúvida que ele a amava, neste instante, a expressão de sofrimento em seu rosto tratou de saná-la. Ele a ama. E eu pedi a ela que seduza outro homem.
— Eu posso arranjar outro modo. Algo que não a envolva. — sugiro.
Ele toma um longo gole, quase esvaziando o copo.
— Não. Vamos deixar as coisas como estão.
— Eu gosto de Justine. — confesso.
— Ótimo! Quem sabe você não tira a sorte grande e ela tenha mais uma vaga de amante livre em sua vida, para que possa incluí-lo.
— Apenas dois. — eu digo, esperando que realmente faça alguma diferença.
— Perdão?
— Dois. O número de amantes que Justine Blanché acumulou durante toda sua existência dissoluta e imoral.
Dereck balança a cabeça.
— Como você pode ter certeza disso?
— Alexander. Eu pedi que ele a investigasse logo que decidi trazê-la comigo.
— Ele pode estar enganado.
— Ou ele pode estar precisamente certo. Nós dois sabemos que um homem nunca oculta o nome de sua amante. Afinal, por que gastar uma fortuna com uma mulher senão para ostentá-la? Ao menos a maioria pensa assim. E não há nenhuma especulação a envolvendo neste sentido. Creio que é aí que reside todo o encanto que ela exerce sobre os homens. Essa intangibilidade resulta-se fascinante.
Ele fica em silêncio. Os olhos fixos no mogno escuro da minha mesa.
— Escute. Eu recebi uma carta de Julius esta manhã. Entre outros assuntos, seu irmão teve a absurda ideia de me perguntar se eu concordaria se ele tomasse Emma como sua amante. Confessou que há alguns anos é apaixonado por ela. E nos últimos meses, com a aproximação, ele se vê impossibilitado de ficar longe dela.
— Finalmente ele tomou uma atitude. — a sombra de um sorriso surge em seu rosto.
— Sim. Depois de tanto desejá-la, ele a tem. Como amante. E eu apenas me pergunto se ele amará com a mesma intensidade a mulher que escolherá como esposa.
A sobrancelha dele arqueia, subindo até o meio de sua testa.
— Minha mãe morreria se Julius levasse Emma para casa como esposa.
— E então ela ressuscitaria apenas para morrer novamente se você fizesse de Justine sua esposa.
Ele assente, rígido.
— Provavelmente.
— E claro, se ela tivesse sido abençoada com uma filha mulher jamais aceitaria que a jovem casasse com um criado, um cavalariço, por exemplo.
Sua boca se torce, formando uma linha reta e severa.
— Touché! — ele declara, sério. Engole o líquido âmbar em seu copo de uma única vez e depois vai embora pisando forte.***
Depois que todos se vão, um silêncio doloroso recai no ambiente. Não saberia contar quantas vezes preferi a solidão nos últimos anos, mas agora, a última coisa que desejo é estar só. Queria Isadora ao meu lado. O pensamento é ligeiro e intenso, e quase digo em voz alta o nome dela, como se eu pudesse trazê-la até mim apenas com a força do meu desejo.
Ainda dói lembrar que ela rechaçou minha ajuda, que não confia em mim. Embora tenha seus motivos, espero um dia...
Na verdade, não sei o que espero.
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O retorno de Henrique Hutler
Historical FictionEle está de volta... Após deixar a Inglaterra humilhado e com a alma destruída, o antigo cavalariço de Pwenlly House retorna a Londres para um acerto contas. Agora, escandalosamente rico e com mais influência que muitos nobres jamais chegarão a ter...