Capítulo 12

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ISADORA

Olho novamente para o papel completamente amassado em minha mão. Meus dedos tremem, e eu não consigo fazê-los parar. A missiva foi tão sucintamente escrita que inúmeras perguntas se formam em minha mente. Engulo em seco enquanto releio uma vez mais o recado de Louise. A palavra morreu faz estancar o sangue do meu coração, fazendo sentir-me um pouco morta também.

Tento controlar meus sentimentos angustiantes, e concentro no que precisa ser dito no momento. Olho para o lacaio que espera minha resposta e, lançando meu medo para o fundo da alma, faço a pergunta, sabendo que a resposta é capaz de quebrar meu espírito de modo irreparável:

- Minhas irmãs estão bem? - minha voz sai entrecortada.

- Sim, milady. - ele concorda com a cabeça para dar ênfase à afirmação.

Alívio.

Agora sou capaz de respirar. Tenho motivos para voltar a respirar. Não saberia o que fazer se algo tivesse acontecido às minhas irmãs.
Mais calma, eu busco entender o que aconteceu, uma vez que a condessa não fizera questão de me explicar o ocorrido.

- O que ocorreu? - faço uma pausa, para enxugar algumas lágrimas. - Um acidente de carruagem? Que eu saiba o conde gozava de boa saúde.

A cor viçosa de seu rosto some por um instante, o lacaio parece apreensivo com o meu questionamento.

- Conte-me. - meu tom sai mais ríspido que o pretendido, no entanto, me castiga não saber o que aconteceu. - Eu sou filha dele. Você pode me explicar o que causou a morte do conde. Não estará traindo a confiança de seus patrões.

Ele parece hesitar por alguns segundos, o que me faz ficar ainda mais preocupada. Contudo, depois de pensar um pouco, o homem decide dizer-me:

- Eu não sei realmente o que aconteceu, Sua Graça. - ele encara o chão enquanto fala. - Uma criada soltou um grito estridente, e eu corri para tentar socorrê-la. O som da sua voz vinha do escritório de Lorde Pwenlly. Quando cheguei até lá, vi milorde caído sobre a mesa. E... e havia muito sangue.

Levo as mãos à boca, horrorizada, imaginando a cena.

- Havia uma arma em sua mão. É tudo o que eu sei, milady. No entanto, a condessa nos proibiu de comentar a situação.

Eu assinto, porque não há nada que eu seja capaz de exprimir nesse momento. Engulo em seco, escrevo uma rápida missiva para Louise, dizendo que em breve chegarei à Pwenlly House para consolar minhas irmãs. Entrego a carta para o lacaio.

- Minhas condolências, milady.

Tento esboçar um sorriso de agradecimento por sua piedade. Mas eu falho.
Não sei quando voltarei a sorrir nesta vida.

HENRIQUE

* Semanas antes *

Meu corpo voltou para Londres há quatro dias. Somente meu corpo, devido ao odioso fato que Isadora permaneceu em Surrey, e de uma forma que eu não saberia explicar, minha alma permaneceu lá, lhe fazendo companhia.
Ontem recebi a visita de Jack e ele teve a desfaçatez de me chamar de idiota orgulhoso. O pior é que concordei com ele. Diabos! Ele estava coberto de razão.

Creio eu, que se tentasse expor meus motivos ninguém me compreenderia. Se alguém perguntar, as pessoas te responderão o que é o amor, o que é o ódio, o que é o orgulho. Em termos gerais, saberá o conceito. Mas não se engane, quando você de fato experimentá-los, a vida lhe instruirá de modo singular. Eis o que eu aprendi: somos todos aprendizes de lições que muitas vezes só servirão para nós mesmos. A vida me ensinou que o amor não é um sentimento confiável, e que o ódio é... as palavras se embaralham em minha mente... O ódio é extenuante.

Exalo amargamente, e então ocupo os meus lábios com mais um gole de uísque, absorvendo junto com a bebida, os pensamentos inquietantes que me invadem. Geralmente, eu não sou tão filosófico. Deve ser a bebida. Esse maldito líquido está me deixando com os miolos soltos. Preciso parar com isso. Não com a bebida, obviamente. Digo parar de pensar.
Parar de pensar nela... eu preciso parar de pensar em Isadora.

Levanto-me, andando meio cambaleante. Estou vendo a porta, mas parece um caminho distante até ela. Cansado, dou passos lentos, bem lentos. Ao passar pelo aparador, concluo que é uma boa ideia pegar mais uma garrafa.
Quando chego ao meu quarto, o silêncio e a ausência de uma mulher em minha cama me irritam. Mas é inútil pensar sobre o que eu abri mão. Amanhã será um dia melhor. Eu começarei a destruir a vida de lorde Pwenlly e tudo terá valido a pena.

****

Embora o mês que se passou tenha me levado quase à exaustão, foi absurdamente recompensador. Depois de anos planejando, remoendo como seria, finalmente a hora chegou. Tudo o que precisei foi localizar o ponto fraco do meu adversário. Isso foi livre de esforço. Nada é mais precioso para o conde do que seu próprio senso de importância, sua condição elevada e a admiração dos seus pares. Em seguida, bastou agir para privá-lo de tudo o que conduz a sua existência. Torná-lo meu sócio e de Jack foi imprescindível. De bom grado e cobiçando lucros exorbitantes, lorde Pwenlly entregou inconscientemente em minhas mãos sua fortuna. Isso me faz rir. Não, me faz gargalhar. Estou dando um nó perfeito em minha gravata, prestes a acabar de me vestir enquanto encaro o espelho, pensando no que está prestes a acontecer.

- Muito bem, Henrique Hutler - saúdo-me.

Um sorriso se abre espontaneamente, tomando meu rosto por completo.

Confiro mais uma vez minha aparência no espelho. Quando me dou por satisfeito, pego minhas luvas e deixo o quarto. É hora de ir.

Meia hora mais tarde, minha elegante carruagem está atravessando os portões de ferro de Pwenlly House. Quando eu subo as escadas vou até a porta principal, mas, de soslaio, olho em direção à entrada lateral, por onde os criados devem passar.

Em pouco tempo, um mordomo - o qual eu não conheço - está diante de mim, exibindo uma expressão impassível. Assim que entrego o meu cartão e anuncio que quero ver Lorde Pwenlly, ele esclarece:

- O conde não está recebendo visitas no momento. - o seu olhar sequer se desvia para ler meu nome no cartão.

Eu sorrio genuinamente.

- Algo me diz que ele aceitará me receber imediatamente.

Sem se alterar, ele faz menção de abrir a boca, certamente para persistir em me dispensar educadamente, mas eu me adianto, interrompendo-o.

- Apenas entregue o meu cartão ao seu patrão, e diga que um velho conhecido deseja vê-lo.
Eu arqueio a sobrancelha, desafiando-o a me contradizer, no entanto, ele sabiamente decide seguir minha instrução e desaparece pelo longo corredor da propriedade, deixando-me em uma ante-sala.

Um minuto depois, o homem retorna.

- Por favor, siga-me, o Lorde irá recebê-lo.
Apesar dos anos que trabalhei aqui, enquanto vou andando pela casa percebo que cada cômodo ou corredor é desconhecido para mim.

Eu apenas olhava-a pelo lado de fora, imaginando o privilégio que seria possuir um lugar como este. Se Pwenlly House não estivesse atrelada ao título, indubitavelmente, eu a faria minha.

No interior do escritório do conde, a primeira imagem que atrai minha atenção é sua a figura, sentada atrás de uma mesa grande de mogno,
com uma postura ligeiramente encurvada, enquanto a mão agarra o copo de uma bebida de cor âmbar. Vejo uma fúria contida transpassar o seu olhar assim que entro.

- Obrigada por me receber, milorde. - cumprimento-o laconicamente.

- Inseto maldito! - esbraveja Lorde Pwenlly. E o som é, para mim, como o canto dos anjos.

O retorno de Henrique HutlerOnde histórias criam vida. Descubra agora