Capítulo 2

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— Desejo-lhe uma vida longa e feliz, Sr. Hutler. — logo que chego à fábrica, um empregado — Philip — me cumprimenta.
Eu aceno com a cabeça, agradecendo os votos, e continuo andando. A mesma cena se repete por todos os corredores onde encontro alguém, até que chego ao meu escritório. Fico parado no meio da grande sala, encarando minha mesa, sem compreender o que vejo à minha frente. Ainda aturdido, toco a sineta, chamando meu secretário.
— Paul, o que uma galinha está fazendo sobre a minha mesa? — viro-me em sua direção, intrigado, assim que escuto seus passos vacilantes.
Sua atenção é momentaneamente desviada para a ave que bate heroicamente as asas, tentando se livrar das amarras, um tempo depois ele me responde:
— É um presente, Sr. Hutler. Todas essas coisas são. — com um gesto de mão, ele indica os objetos que inundam minha mesa de trabalho. — Os empregados nunca o tiveram por perto como no último ano, então muitos decidiram aproveitar a data para agradecê-lo, e trouxeram-lhe compotas de doces, biscoitos assados, frutas, alguns bordados e... a galinha. _ Eu peço perdão se fiz mal de trazer tudo até sua sala, mas, ponderei que a surpresa lhe agradaria.
Pisco algumas vezes até assimilar o que ouvi.
— Você fez bem. — assinto, me aproximando da mesa. — Solicite ao cocheiro que venha buscar todos os presentes, os acomode na carruagem e entregue em minha casa.
— Sim, senhor Hutler. — ele anui e começa a se afastar, mas então resolve dizer antes de sair pela porta: — Eu lhe desejo o melhor. É uma honra trabalhar para alguém generoso como o senhor.
Depois que Paul me deixa sozinho, sento-me em minha cadeira, meus olhos passeiam instintivamente pelos presentes, trazendo-me inesperada satisfação. Eu preferia que os empregados não tivessem se dado ao trabalho, gastando seus recursos para me presentear, contudo, é um sinal que estão satisfeitos com seu emprego e salário. Eu já ouvi histórias ultrajantes a respeito das condições desumanas em que trabalhadores são tratados em outras fábricas.

O dia do meu nascimento é uma data comum para mim, nunca houve comemorações. Algumas lembranças turvas de minha mãe me acordando com beijos, desejando-me feliz aniversário pinicam minha mente, mas eu as devolvo para a escuridão. Passo o dia colocando em ordem os livros contábeis, no entanto, deixo a fábrica a tempo de comparecer ao baile que minhas irmãs planejaram dar em minha homenagem.
Cumpro meu papel de anfitrião, ao lado de Mary, cumprimentando os convidados. Após, me uno aos cavalheiros em uma partida de pôquer, acabo vencendo facilmente meus adversários, com Jack em Londres não há ninguém desse lado do oceano capaz de me vencer. Enfadado e com os bolsos cheios eu volto para o salão, Mary e eu dançamos, depois danço com Elise, em seguida danço com mais duas senhoritas. Mais tarde esbarro com Derick e Julius, um suspiro grato escapa do meu peito, desde o episódio do clube na semana passada, não os vi mais, tentei evitar o clube e... as garrafas de bebida.
— Você parece velho. — Derick diz casualmente, como se tudo estivesse bem entre nós, no entanto, não me encara nos olhos.
— É um dos efeitos de se acrescentar anos à sua vida, você acaba envelhecendo. — dou de ombros, optando por uma conversa segura.
— Então me lembre de não fazer aniversários. — ele franze o cenho, como se acreditasse que realmente é possível evitar o decurso do tempo. — Não quero correr o risco de perder esse rosto único e formidável.
Eu rio.
— Não tão único assim, afinal de contas eu tenho um rosto igual preso à minha cabeça. — Julius graceja com o irmão, mas sua expressão é séria e cautelosa quando me encara. — Felicitações, Henry.
Aceno com a cabeça, desconfortável.
— Eu lhe devo um pedido de desculpas, Julius. — faço uma pausa. — Eu fui injusto com você naquela noite. Não devia ter reagido daquela forma, espero que possamos esquecer o ocorrido.
Ele finge está considerando a questão, mas eu conheço seu coração mole e sei que não aguenta guardar rancor de uma viva alma sequer. Eu já lhe tratei pior em diversos momentos. Embora haja ocasiões que eu lhe invejo por tal desprendimento e natureza simples, a maioria das vezes preocupa-me essa sua ingenuidade.
— Tudo esquecido. — sua mão aperta meu ombro, um sinal de seu legítimo perdão, enquanto seu rosto se abre em um sorriso amistoso. — Os amigos são pra essas coisas. — emenda — Mas da próxima vez, antes de me afastar me certificarei de ter acertado um belo murro nas suas fuças.
— Gostaria de vê-lo tentar. — retruco, bem humorado.
Certa hora, todos são conduzidos ao anfiteatro particular, que construí a pedido de Imogen, depois de ver como ela se encantava por apresentações teatrais e musicais, mas era nova demais para ir aos teatros e concertos. Minha irmã me conduz animada, sem contar muitos detalhes do que ela intitulou de melhor surpresa de aniversário.
— Você vai ficar encantado com a minha surpresa. — declara ela, guiando-me até a primeira fileira.
Lhe lanço um olhar zombeteiro.
— Eu não sou um homem facilmente impressionável, Imogen.
Pelo menos era o que eu pensava. Algumas candeias são apagadas, diminuindo a iluminação, dando ao ambiente uma aura de mistério, que eu creio que faça parte do espetáculo, as cortinas se abrem para revelar um palco vazio. Olho intensamente, com minha curiosidade despertada, momentos depois uma voz lírica e angelical invade todo o recinto, hipnotizando a todos. Ainda não há ninguém no palco, no entanto, a voz feminina é como uma presença tangível e poderosa, que entoa uma canção triste e emocionada, introduzindo vida a cada nota cantada. Então, a voz ganha forma à medida que uma mulher deixa a colcheia e se aproxima. Esqueço de ouvir a música imediatamente, sua voz de anjo passa a ser um sussurro distante e toda a minha atenção é atraída para aqueles lábios cheios e delineados, sedutoramente pintados de vermelho. A cantora, uma mulher alta e curvilínea, com cabelos negros como a noite e um olhar felino, se aproxima da ponta do tablado, encarando-me, como se cantasse apenas para mim.

O retorno de Henrique HutlerOnde histórias criam vida. Descubra agora