O Brasil é um país que nunca para de surpreender o mundo, e nem a seu próprio povo. Continua em seu caminho em linha sinuosa, tomado pela corrupção, a não ser que seja forçado a mudar aquele estado por forças aplicadas sobre ele. A existência de superpoderosos parecia não conseguir alterar essa terrível tendência inercial newtoniana. Nem mesmo a super-força do Homem-Café era páreo para o soft power da corrupção entranhada na sociedade.
Polvo Marusco era um que agora ria a toa. Só mesmo a quarta instância do sistema jurídico brasileiro tinha o super-poder de criar novas regras jurídicas e fazer retroagir condenações de condenados. Aquela manobra desencadeou um processo de soltura de políticos e empresários corruptos maior ainda que a fuga em massa de supervilões do Carandiru Dois. O Brasil enfrentava uma nova guerra no campo político. Impeachment de presidentes, governadores e prefeitos pareciam agora ser uma nova regra. E não acontecia pelos motivos justos, mas sim para atender a anseios de grupos políticos. Impeachment da presidente Florinda Sílvia, que foi eleita como vice do presidente Café, antes de sua renúncia, abriu as portas para as eleições mais tensas que o Brasil já vivenciara.
Nesse cenário caótico, surgiu a família Blobsons. Esta tomou para si, como uma dúzia de candidatos seguradores de vassoura do passado, o lema da anticorrupção. O povo sem saneamento, saúde, educação e pensamento crítico, mais uma vez, foi ludibriado num cabo de guerra entre duas forças que diziam-se paladinas do povo, mas no fundo, eram apenas a continuação de mais do mesmo. Um eterno sistema de prisão institucionalizada do poder e seus recursos.
Poderia soar antiquado, mas era fato que o Brasil ainda era um sistema de castas. Sendo que as três principais castas da imunidade, os barões do capital, os barões do judiciário e os barões legisladores, mantinham o país cativo de seus sistemas de geração de benefícios próprios em loop infinito. Uma falsa democracia, o demo da forma de governo deveria referir-se ao povo, mas de fato, referia-se, talvez, ao demônio e seus capetinhas que ficavam nos ombros dos corruptos das castas opressoras.
Essas castas podiam roubar milhões e até bilhões livremente, e se um cidadão da casta comum ousasse dizer-lhe na cara, num lugar público, que eram ladrões, estes sim, eram processados e presos.
Enfim, os Blobsons venceram, mentiram, e colocaram-se a fazer o que todo grupo político faz ao vencer eleições: desfazer tudo o que o grupo anterior construiu, para fazer direito, gerando inúmeras oportunidades para novos contratos bilionários de onde a sangria poderia continuar operando para roubar e distribuir benefícios entre as castas dominantes.
Nesse contexto, novos convênios bélicos assinados entre os EUA e o Brasil equipavam as polícias militares com equipamentos táticos de última geração, capazes de abater superpoderosos.
As máfias, milícias e organizações de criminosos comandadas por superpoderosos cresciam e tornavam a vida do cidadão comum um estorvo. Isso deu origem a uma nova guerra entre forças policiais superequipadas, e com licença para matar, e grupos criminosos cada vez mais ousados e dispostos a incendiar cidades inteiras para demonstrar seu poder. O povo que mais sofria era o das periferias onde, diariamente, crianças e civis pereciam na forma de dano colateral.
Uma sensação de impotência que sempre assombrou o Homem-Café tomou-o, finalmente, de completo. Ele se afastou das ruas. Não via mais sentido em nada. Não conseguia eliminar o crime. A lacuna deixada pelo Homem-Café não demorou a ser preenchida.
A polícia tinha também um novo ícone, um herói que voava, podia entortar aço com as mãos e tinha pele dura que resistia até mesmo a tiros de fuzil. Todo vestido de verde e amarelo, o Major Brasil, além de poderoso, era bonito e carismático. A personalidade do momento. O policial militar que descobriu os poderes durante uma ação tática contra traficantes, tornou-se um ícone em poucos meses. Seu canal no youtube, com vídeos de extrema violência contra bandidos e super-vilões possuía milhões de inscritos e era um dos mais populares do mundo. Milhares se acumulavam em suas aparições públicas gritando seu nome, e o aterrador lema, que a sociedade parecia agora conseguir tolerar: bandido bom é bandido morto. E era isso o que acontecia com a maior parte dos bandidos que cruzavam o caminho do Major. Sucumbiam sob o uso excessivo de força. O Major, muitas vezes, se defendia, dizendo que não conseguia conter todo seu poder e que infelizmente, às vezes, ocorriam acidentes. Os bandidos aprenderam rapidamente a se render para tentar preservar suas vidas. Mas o Major Brasil era um, e no Brasil, infelizmente, havia, ao menos, centenas de cidades tomadas por bandidos e pelo crime.
A nova lei de controle de juízes e procuradores, aos poucos, consolidou uma nova percepção para os criminosos dos mais diversos níveis culturais. Não eram mais presos, processados e investigados. Uma grande quantidade de juízes e procuradores, acuados, ameaçados de ir para a cadeia, eles mesmos, não assumiam o risco de prender ou processar bandidos. Isso fez a criminalidade escalar e crescer como nunca. Turistas já não vinham ao Brasil como antes e os serviços de segurança particular cresceram como nunca. Para ir para escola, a maioria das crianças de classe média contavam com ônibus escolares blindados e equipes de segurança particular escoltando-os. Mais escolas adotavam o modelo militar, tendo dentro delas, verdadeiras guarnições. As indústrias, também tinham seus protetores armados até os dentes e as empresas de entrega que substituíram os correios após a privatização, eram todas de natureza paramilitar.
Armas também haviam sido liberadas, uma das bandeiras da família Blobsons que teoricamente daria o controle ao cidadão de bem de buscar sua própria defesa. Com a escalada do crime e impunidade, no entanto, os hospitais começaram a sofrer com insuficiência de leitos nas emergências, dada a quantidade de pessoas baleadas que chegavam. Estatísticas mostravam que brigas entre vizinhos e tiroteios em reuniões de condomínios já chegavam ao quinto lugar como causa de internações. Outras causas que também haviam crescido eram a intolerância religiosa, homofobia e intolerância partidária.
Enquanto mais serviços de streaming e jogos eletrônicos eram despejados no mercado, a sociedade passou a consumi-los com mais avidez, ficando em suas residências, anestesiados pelo entretenimento cada vez mais disponível. A legislação que favoreceu o home-office e ampliação da malha de telecomunicações fez com que boa parte dos trabalhadores nem mesmo precisasse sair de casa. Você podia pedir tudo pela internet, fastfood, gás, supermercado, farmácia, cozinheiros para preparar banquetes gourmet, professores e personal trainers. Houve um boom de transformação de salões de festa e áreas de garagem dos edifícios em academias de ginástica.Por que se arriscar indo a uma academia para se exercitar, se o cidadão podia se exercitar sem sair de casa? Os aplicativos de transporte de passageiros agora contavam com frotas blindadas e motoristas com treinamento militar. O ideal era evitar sair de casa, mas se fosse necessário, você podia contar com os serviços de empresas como a Blindaduber ou Tankify.
Os mais ricos já não pagavam escola, mas sim, tutores para seus filhos. E os cursos à distância em universidades se tornaram regra. E nada disso mudou quando houve o novo impeachment derrubando o Presidente Blobsons. Marusco voltou ao poder, em seguida, com a promessa de um novo país, mas estava velho, doente e não sobreviveu ao primeiro ano de mandato.
O Brasil estava imerso no caos, o vice presidente renunciou e o presidente do supremo, Augusto Anglófono assumiu a presidência interina. Decretou lei marcial e se viam apenas circulando nas ruas os carros fortes e drones do sistema policial nacional.
A nova campanha eleitoral estava explosiva! O belicoso filho do Presidente Blobsons, Márcio Blobsons era candidato e do outro lado estava o igualmente explosivo Sírio Fontes. A chuva de fakenews e incitação de violência entre a extrema esquerda e extrema direita foi tal, que não houve eleição, mas sim, uma guerra civil.
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Homem-Café: Nação em Chamas
Science-FictionO que aconteceria se o Homem-Café desistisse de ser herói e se aponsentasse?