Café entrou no consultório. Era pequeno e limpo. Sentou-se na poltrona confortável. A médica ofereceu um copo de água.
— Tem um cafezinho?
— Tenho sim. Um minuto.
Café ficou olhando para a doutora, era bonitona, morena de cabelos pretos longos. E tinha muitas curvas também. Ele balançou a cabeça. Não era nisso que tinha que se concentrar.
— Eu parei de tomá os remédios que o outro médico receitô.
— É, por que fez isso?
— Sabe, vai me achar maluco, mas vou dizê a verdade assim mesmo. Afinal, 'cê é psiquiatra... Acho que tô no lugar certo mesmo.
— Certo. Então conte a verdade.
— Meu eu do futuro, me mandou um recado através de um amigo que viaja no tempo.
A doutora apertou os lábios. Não podia rir. Era preciso ser profissional, mas aquele ali na frente dela certamente era um doido.
— Eu sei o que cê tá pensano dotora. Que sou maluco. Mas na verdade, não sou. Eu sou o Homem-Café.
— É mesmo? Fale mais sobre isso.
— Melhor eu mostrar...
Então café fez a energia escura subir a partir de seus pés para cobrir seu corpo todo. Mas ela ficou instável sem cobri-lo por completo, ficava cheio de buracos, aqui e ali.
A doutora colocou as mãos sobre a boca e murmurou — Homem-Café!
Ele deixou a energia recuar e ficar acumulada em torno dos pés, por dentro da roupa e dos sapatos.
— Tem alguma coisa errada comigo, dotora e é aqui em cima — ele apontou com o dedo para a própria cabeça. — Cê tem que me ajudá. E tem que ser sem remédios, é possível?
— Sim, claro, nem todo tratamento psiquiátrico implica no uso de medicação.
— Ótimo, então, como podemos começar?
— Muito bem — ela ajeitou os óculos na face — Vamos começar então do princípio. Me fale sobre sua infância. Tem alguma lembrança marcante? Qual a primeira coisa que te vem à cabeça.
— Até nove anos, eu morei sem Santo Sé, logo ali, no interior.
— Sei onde é.
— Pois é, ia tudo bem até painho morrer. E então, mainha resolveu levar a gente para São Paulo. Aquilo foi uma surpresa. Eu não queria ir.
— Mas foi.
— Sim, e deixei para trás todas as minhas coleções.
— Coleções?
— É... champinha, maço de cigarro, propagandas de revistas, essa coisas.
— Muito bem. Olhando com os olhos de hoje, por que acha que fazia tais coleções.
Café encolheu os ombros. Não fazia a mínima ideia. Aliás, depois de tudo que passou, não conseguia tirar tempo para olhar para dentro de si. Procurava sempre algo fora para se distrair. Criminosos, mulheres, bebida, futebol... Mais bebida nesses últimos tempos que qualquer outra coisa. Mas então, agora, seu trabalho era esse. Olhar para dentro. Sentiu um frio na barriga ao perceber que não havia nenhuma resposta. Nunca tinha pensado nisso antes.
— Eu não sei.
— Muito bem, depois voltaremos a isso. Fale mais sobre seus pais.
E Café falou. E falou... Pensou, refletiu...
Não aconteceu de uma hora para outra, mas seu plano deu certo. Sua aposentadoria em Cacha Pregos não aconteceria mais. Havia coisas para fazer. Um futuro terrível para impedir. E ele estava determinado a lutar. Mudou a alimentação, frequentou a academia, e seguiu seu tratamento, até que quatro meses depois, a energia escura voltou a obedecê-lo. Mais que isso, mostrou-se ainda mais forte e cheia de novos truques. Café estava pronto para voltar a combater o crime. Foi quando ele se encontrou com o fantasma de Henrique Schimidt, o Coffee Break, pela última vez.
— Rique?
— Oi Café... Estou feliz em vê-lo assim, melhor. Sua aura está saudável, sabe?
— Aura, que papo é esse Rique?
— Eu vim para me despedir de você.
— Despedir? Pensei que você fosse me atormentar pelo resto da minha vida.
— Pois é... Quando você ficou mal, pirou, sei lá... Eu não consegui mais falar contigo. Depois de dias sem você me ver eu percebi o que eu estava fazendo. Eu estava me prendendo a você, à minha vida passada. Então eu consegui tirar um tempo para pensar no meu destino.
— Entendi. E o que vai fazer?
— Vou ali, reencarnar, sabe? Quem sabe a gente se encontra por aí, um dia desses.
Os olhos de Café se encheram de lágrimas. Ele já havia se despedido dele uma vez, quando morreu. Depois, custou a aceitar sua existência fantasmagórica, mas se acostumou novamente. Agora era hora de uma nova despedida.
— Vai com Deus, Rique. Boa sorte para você.
— E para você também, Café. Cuida do Brasil para mim até que eu possa crescer de novo e ajudar, ok?
— Pode deixar, Rique. Vou cuidar sim.
Uma luz preencheu a sala de estar da quitinete de Café e Henrique entrou nela. Depois disso ele ficou em silêncio um bom tempo, olhando para a parede. Levantou-se, foi até a caixa empoeirada que estava ao lado do armário e a abriu. Tirou de lá seu uniforme. Era hora de voltar a ativa.
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Homem-Café: Nação em Chamas
Science FictionO que aconteceria se o Homem-Café desistisse de ser herói e se aponsentasse?