Ele estava dormindo quando o telefone tocou. Saberia quem estava a ligar? Não àquela hora. Gostaria de atender? Também não. Na verdade, o que o fez levantar da cama foi um feixe de esperança.
Bem, para ser realista, ele nem estava exatamente confortável lá. O garoto, tão novo, havia dormido após cansar-se de tanto chorar. A lembrança de uma frase ecoava em sua cabeça.
"Não é minha culpa se você não gosta de garotas!"
E a frase ia. Voltava. Rodeava as paredes do novo, mas ao mesmo tempo tão costumeiro quarto, paredes essas que o faziam sentir sufocado, sem ar, e, principalmente, cansado daquilo tudo.
Haviam três meses desde o infortúnio evento onde brigara com o melhor amigo. Deveria ter superado, certo? Mas não o fizera. Agora não era mais criança, como o mais alto também deixara claro como o dia meses antes, então teria de passar por isso sozinho. Foi com esses pensamentos que o menino resolveu preencher a madrugada, envolvido por desenhos de seu primeiro amor e lembranças de uma época sem defeitos, sem medo, e sem ela.
O problema não era sua meia irmã, devo lembrar, mas sim o papel que ela exercia na vida do outro garoto: namorada. Qualquer que fosse a 'sortuda', nunca deixaria de ser motivo, mesmo que pequeno ou ainda positivo para ele, da tristeza do adolescente debruçado sobre sua paixão platônica e previamente esperançosa pelo melhor amigo.
Como qualquer criança dos anos oitenta com sentimentos reprimidos, seu pranto embalou-o ao sono, que ainda assim veio depois da autodepreciação e do desespero, e que o levava até a situação atual. A verdade era que, querendo ou não, o sono era o seu próprio jeito de lidar com a situação: tentando fugir dela. Era uma dádiva esse poder, mas era, também, um grande incômodo. Seu plano quase infalível falhou. Embora tentasse fugir de sua realidade apaixonada, seus sonhos só a pioravam. O outro garoto fazia questão de aparecer neles. Todos eles. E em todos, a mesma frase.
"Você realmente achou que iríamos sentar em meu porão e jogar jogos o dia todo?"
Sim, ele achou. Ele sempre achou. E agora o pensamento o fazia contorcer-se inconscientemente na cama.
Dolorido e suado pelo corpo e mente muito maltratados pelo mesmo, levantou-se da cama e dirigiu-se, contra a própria vontade, até a parede da porta, na qual o telefone de cor cinza tocava violentamente. Sua visão antes bateu no relógio ao lado. Duas e quarenta e dois da manhã. Seja quem for, está fora de sua mente. E atendeu.
E ouviu a voz. Pareciam meses que não a ouvia. O som ecoou em seu ouvido como o mesmo da noite anterior. Ele nem distinguia a fala, somente o som daquela voz enchia sua mente de um misto estranho de felicidade e tristeza que ele jurou tentar nunca mais sentir. E esperança. Talvez ele ligasse pelo garoto. E se fosse dizer-se arrependido? Pedir desculpas? E se quisesse sua amizade de volta? E se agora o amasse? Infelizmente, a realidade não tem tempo para "e se", e o garoto não tinha mais um sorriso para oferecer.
"Olá, Will! Você poderia passar o telefone pra El?"