Uma lágrima caiu do meu rosto molhando a página, como sempre acontecia. Algumas partes do caderno tinham lombadas quase imperceptíveis, de todas as lágrimas que derramei enquanto escrevia sobre o dia 14 de agosto. Eu realmente não entendia qual era o propósito daquilo, a cada visita a sala do Dr. Pats eu saia com mais uma pergunta na cabeça, perguntas que provavelmente jamais seriam respondidas.
Ele sempre diz que não falta muito para que eu finalmente deixe aquele lugar, e que minha foto seria exposta na parede, junto com as de seus antigos pacientes que finalmente deixaram esse lugar para levar uma vida normal em casa. Mas eu jamais teria uma vida normal em casa. Alisson jamais voltaria para casa.
Eu imagino como seria voltar, as pessoas não me olhariam mais como a irmã da Alisson, eles me olhariam como a garota cuja irmã morreu em um acidente e que passou alguns meses em um Hospital psiquiátrico. Eles jamais entenderiam que o tempo que passei aqui era como uma recuperação pelo trauma psicológico e mamãe diz que quem tem que entender sou eu e que isso é tudo que deve importar. Mamãe é muito forte, eu não tenho certeza se ela chora em casa sozinha, mas acho que provavelmente não. Ela não é do tipo que acredita em forças do além, em Deus, ela acredita que somos todos responsáveis por nossas vidas e só nós temos o poder de alterações e resoluções. Mamãe acredita na ciência mais do que tudo, e que para tudo nessa vida existem profissionais hábeis para todas as tarefas, por isso sempre frequentamos psicólogos, ela acreditava que todos deveriam ter acompanhamento na adolescência, para que não fossemos adultos frustrados com a nossa própria mente.
Aposto que ela falou com o Dr. Pats sobre mim, e disse a ele quando eu lhe disse que queria ir para onde Alisson tivesse ido. Eu realmente queria, queria segui-la para o além, queria ter sua companhia do outro lado, se é que realmente existia outro lado, e mesmo que não existisse, eu não queria viver em um mundo onde Alisson não existisse, não tinha nada no mundo que substituísse o que tínhamos. Minha mãe tinha medo que isso interferisse de alguma forma na minha recuperação, ou que tivesse danos permanentes na minha cabeça. A verdade é que ela tinha medo de que isso fizesse com que eu colocasse um fim a minha própria vida propositalmente, e por algumas noites eu pensei isso enquanto ficava sentada na cama esperando que por algum milagre Alisson aparecesse.
Minha mãe tinha acabado de perder uma filha, eu jamais teria coragem de faze-la passar por isso de novo, mas ainda sim, eu tinha pensado muito sobre isso, não mentiria se me perguntasse, mas ninguém nunca perguntou. O Dr. Pats só queria saber sobre o dia 15 de agosto e minha mãe só queria ter certeza de que sua caçula e última filha não teria um fim tão trágico, se não mais ainda, que a sua mais velha. Mas ninguém nunca me perguntou o que eu queria fazer agora que Alisson tinha morrido, e essa era a pergunta mais relevante que poderia existir na minha cabeça, ainda que eu não tivesse forçar para realmente dizer isso.
Eu ainda passava os dedos pelas marcas de lágrimas da página que havia acabado de escrever sobre o dia 14 de agosto quando ouvi uma batida na porta. Era a Flor responsável pelos remédios da hora do almoço, eu tinha certeza disso, de todas ela a mais pontual e uma das mais animadas. Ela sempre chegava na hora do almoço e subia com os remédios bem no começo do seh expediente, ela passava a manhã com o namorado e por isso sempre chegava feliz.
Eu sempre pensava que isso fazia das pessoas seres fúteis, deixar que sua felicidade dependesse de outra pessoa. Alisson dizia que antes de amar alguém devemos aprender a nos amar acima de tudo, e que quando isso acontecer estaremos prontos para amar outra pessoa com essa intensidade. Alisson não namorava, eu saberia se ela tivesse tido um namorado, ela me contava sobre tudo e nunca tinha me dito nada sobre namorado. Ela tinha saído com rapazes algumas vezes, eu sabia disso, Alisson já tinha 18 anos, era absolutamente normal, pelo menos ela sempre disse que sim. Ela dizia que nunca tinha conhecido ninguém que realmente amasse, mas que era bom ter companhia às vezes. Ela era completamente diferente das garotas da escola, eu já tinha perdido as contas de quantas vezes tinha visto meninas chorando nos cantos depois de um pé na bunda ou de levar um fora. Alisson estava preparada para um relacionamento, a se amava e se aceitava de uma forma incrível, acho que isso fazia com que as pessoas gostassem tanto dela, ela gostava tanto de si mesma que contagiava todo mundo ao seu redor, igual minha mãe, e tenho certeza que ela que era a responsável por isso, ela e sua ideia de criação diferente.
Eu fui criada pra isso, pra ser independente, pra ter consciência de tudo que fazia e para saber o que era o amor, por isso via pessoas como a Flor da hora do almoço como fúteis. Agora eu estava em um hospital psiquiátrico para pessoas mentalmente debilitadas porque eu amava tanto uma pessoa que minha cabeça quebrou quando ela morreu, então não tenho mais o direito de julgar ninguém. Mas se o relacionamento dela deixava ela feliz e de bom humor nas visitas da hora do almoço então isso era bom pra mim.
-Bom dia Olívia, o dia está maravilhoso lá fora sabia ?
-Bom dia Flor, acho q tem razão.
Ela tirou meu copo com o comprimido do almoço de uma cesta com enfeites de páscoa, a cesta tinha sido ideia minha. Alguns dos pacientes do Hospital Santa Lúcia tinham dificuldade de discernimento e a maioria deles não queria estar ali e muito menos tomar os remédios. A ideia da cesta era da minha mãe, quando éramos pequenas ela usava isso para fazer eu e Alisson comermos legumes, pelo menos até termos idade para decidir se iríamos querer comê-los ou não. As flores disseram que depois dessa ideia elas tiveram cada vez menos incidentes violentos, o que era uma vitória para elas.
Eu tomei os meus remédios sem a ajuda de líquidos. Quando você está em um hospital e tem que tomar remédios frequentemente você aprende a não precisar da ajuda de algo líquido pra isso, e aprende que nunca deve deixar de tomá-los, caso contrário há medicação intravenosa e isso não é agradável.
-O que acha de um pulo no quarto azul e um passeio no pátio? Pode me ajudar com os outros pacientes até chegarmos lá.
- Eu acho uma excelente ideia Flor.
Ela esperou que eu fracasse de roupa para acompanhá-la, e eu a ajudei por cada um dos quartos do meu corredor. Elas costumavam dizer que eu era uma das mais sóbrias do hospital e que gostavam da minha companhia para esse tipo de tarefa, e eu adorava me sentir útil. Quando se está em um lugar como esse qualquer atividade é estimulante.
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Querida Alisson
Misterio / SuspensoInternada em um hospital psiquiátrico após a morte da irmã, Olivia e outros pacientes decidem investigar sua morte para descobrir se realmente foi um acidente ou se foi um assassinato. Será que a morte de Alisson realmente foi acidental ? "Escreva O...