O garoto do quarto azul

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O último quarto do corredor pertencia a um dos únicos motivos para que as vezes eu não quisesse sair. Louie! Ele tinha a minha idade quando chegou aqui, antes disso era apenas ele e sua mãe e foi ela que o trouxe para cá. Não temos permissão de perguntar sobre os outros pacientes, mas às vezes não dá pra controlar. Certa vez no pátio eu estava sentada com Anila tomando sol, ele chegou pedindo um cigarro. No começo achei que fosse piada, mas vi que ele realmente estava incomodado e Anila ficou com medo. Eu disfarçadamente chamei uma das enfermeiras e ao tentarem levá-lo de volta ao quarto ele protagonizou uma daquelas cenas assustadoras de "eu não sou louco". 

Na semana seguinte ele veio falar comigo novamente, pediu desculpas pelo outro dia e eu me senti aliviada por aquilo, mas não durou muito. No mesmo dia ele descobriu o número do meu quarto quando o mesmo estava vazio, entrou e roubou o caderno vermelho. Ele foi devidamente punido quando foi pego pelas câmeras de segurança do corredor e hoje aproveita todo e qualquer momento na minha presença para me encher com perguntas zombeteiras como:

-Onde está a Alisson Olivia?

-Se você não reclamasse da comida dela ela estaria viva.

-Você sabia que matou a Alisson Olivia? 

Por mais que eu soubesse que aquilo não passava de provocação eu odiava aquela momentos, eles me faziam perder parte da minha sanidade e certa vez eu cheguei a tentar bater nele, sem sucesso. Hoje temos tudo sobre controle, antes de descer sempre passo com uma enfermeira em frente ao quarto azul, se o quarto estiver vazio eu volto para os meus livros e cadernos. Se não, eu aproveito a calmaria do pátio. Normalmente ele costuma descer logo depois, mas como todos sabem, eu sempre sou avisada e volto para o quarto.sempre funciona. 

Passamos pelos quartos, entregando remédios em uma cesta enfeitada e eu me pego observando todas aquelas "crianças" diferentes, algumas que sequer tem noção da realidade, e me pergunto o que precisaria ter feito pra ficar assim. 

O quarto azul era o próximo, olhando pela janela pude ver Louie deitada em sua cama, de costas pra quem quer que fosse incomodá-lo. Eu jamais ousaria entrar em qualquer quarto do hospital que não fosse o meu e da Anila, mas o quarto azul especificamente era assustador até de passar na porta. Esperei que a Flor saísse para me dar a carta verde que precisava para ir para o pátio e pensei em passar no andar de cima para chamar Anila, mas era quarta feira e ela provavelmente estava em alguma espécie de tratamento, então apenas acompanhei Flor para baixo. 

Estava sol, não aqueles que deixam a sua cabeça doendo, ou que queimam as retinas de quem ousa olhar pra ele, mas aquele sol confortável que te abraça e te deixa em segurança. Era o tipo de sol favorito da Alisson. Ela separava os sóis por peças de roupa, existia o sol que merecia um croped e o sol que exigia uma camiseta. Esse era o sol do Croped, e se eu não tivesse o típico corpo "adolescente de 16 anos que ainda não se desenvolveu" eu com certeza usaria, não por mim, mas em homenagem a ela. 

O pátio na verdade era como uma praça, com um espaço redondo no meio, que deveria ser feito uma fonte se as pessoas aqui não estivessem sujeitas a ações suicidas. Em volta haviam bancos brancos e flores, muitas flores. Cora dizia que as flores ajudam no tratamento da cabeça, e que por isso chama as enfermeiras de flor. Eu achei sensacional. Um pouco pra esquerda há uma área onde a grama fica baixinha, cercada de árvores que fazem com que o sol mal chegue ao chão, é o lugar favorito de Anila e nós sempre ficamos deitadas ali, olhando como a sombra das folhas muda de acordo com a posição do sol. É lá que eu decido me sentar, mesmo sozinha, é o melhor lugar do jardim para se aproveitar o ar fresco e ainda estar em paz. 

Eu me pego pensando no quarto azul, em que diabos acontece lá dentro, o que tem na cabeça de alguém como ele. Isso faz a minha cabeça doer e eu decido deixar o pensamento pra lá, até ter em que pensar realmente. O que não dura muito. 

Querida AlissonOnde histórias criam vida. Descubra agora