O fedor da limpeza

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Eu não consegui entender como Anila e seu corpo extremamente desprovido de força, me segurou e me colocou dentro do quarto extremamente seguro dela. Na minha cabeça a cena era completamente impossível. Sentada no chão do seu quarto com os olhos arregalados de quem já viu a morte de perto eu não conseguia falar uma palavra sequer. Parte do meu pulmão havia ficado do lado de fora, eu tinha certeza disso, o que dificultava muito para respirar. A garota garota com a cabeça raspada recentemente segurava meus ombros com as duas mãos enquanto me sacudia para trazer minha alma de volta ao corpo, e ela conseguiu, mas depois de um bom tempo. 

-Ficou maluca? - dizia uma Anila completamente atônita. Em todo esse tempo no hospital Santa Lúcia para pessoas mentalmente debilitadas essa era a primeira vez que eu tinha visto Anila mudar seu tom de voz com alguém. - E se eu não tivesse ouvido você descer as escadas, e se eu não tivesse conseguido te segurar a tempo? Jorge teria uma surpresa no jardim amanhã, adubo eterno. 

-Eu não sabia onde tinha uma escada. 

- O que te fez pensar que havia uma escada? Já esteve do lado de fora do prédio? NÃO! 

Por um momento comecei a achar que Anila estava quase tão em Pânico quanto eu. 

-Mas você vive andando pelo lado de fora do prédio e nunca … 

- Você e eu não somos a mesma pessoa idiota. 

Anila levantou enquanto eu permanecia parcialmente morta no chão do seu quarto e começou a andar de um lado para o outro como se tentando descobrir o que faria comigo. Como se ela fosse a xerife e eu uma de suas desordeiros. 

-Eu tenho um plano, - consegui dizer entre uma respiração falhada e outra - preciso da sua ajuda.

Uma Anila extremamente irritada me fuzilou com os olhos do outro lado do quarto e sentou-se em sua cama. Eu tentei explicar brevemente porque eu precisava tão desesperadamente saber do passado do garoto do quarto azul, de como minha segurança estava comprometida e de como só ela poderia me ajudar com isso. Pela sua cara parecia que eu estava falando sobre fantasmas.

-Mas agora eu não sei como chegar lá, nem sequer como chegar ao meu quarto, não quero voltar lá fora de jeito nenhum. 

-Você é louca, sabia? - disse ela colocando um roupão pesado e preto por cima do seu costumeiro pijama de seda. 

- É por isso que estamos aqui não é? - tentei sorrir, uma tentativa falha, frustrada, onde minha cara provavelmente fez uma careta péssima, mas funcionou. 

- É por isso que estamos aqui. - Anila sorriu e foi em direção a janela. Eu dei um passo para trás. - Vamos, você já chegou até aqui. 

- Eu não consigo, não depois de quase morrer. 

- você não morreu, o que significa que está pronta para a próxima, confie em mim. 

Eu queria recusar, queria dizer que não sairia para fora daquela janela nunca mais e que podíamos desistir do plano. Mas não podíamos, e Anila tinha razão. Eu já estava aqui, já tinha conseguido descer, as portas estavam trancadas, e a única forma de chegar ao meu quarto, caso sobrevivessemos, era pelo lado de fora.

Segui Anila para além da janela, e me surpreendi quando percebi que o vento já não estava tentando me matar, agora ele se comportava como uma brisa de verão e não representa mal a ninguém. Como meu pai. Balancei a cabeça tentando remover aquele pensamento, a última coisa que eu precisava momentos antes de invadir a sala de arquivos do hospital Santa Lúcia para pessoas mentalmente debilitadas era pensar no meu pai. 

Não foi difícil pular os quadrados de concreto com Anila, primeiro porque eu já tinha pulado em uma situação pior minutos antes, segundo porque Anila era muito mais experiente do que eu, e enquanto ela fazia eu me preocupada em prestar atenção para fazer tão bem quanto ela, e se tudo desse certo, ambas acabariam a noite vivas e em seus devidos quartos. 

Querida AlissonOnde histórias criam vida. Descubra agora