Cap. 10

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Sinto que o que saiu da minha boca naquele tribunal não serviu de nada. Não foram argumentos suficientes. Sarah tinha pegado Miguel na escolinha para mim, havíamos combinado isso, se eu não chegasse antes das 17h.

Abri a porta de casa após ter guardado o carro na garagem, rapidamente o olhar de Sarah veio ao meu encontro. Miguel dormia no sofá, como um anjo, igual sua irmã, porém, no bebê conforto. Ela não falou nada, apenas esperou que eu falasse.

— Foi uma droga — digo jogando as chaves na estante e me sentando no outro sofá, suspirando.

— Ei, calma, me explique direito.

Expliquei tudo o que aconteceu hoje. Sobre as surpresas que Beatrice fez. A mesma não continha outra reação a não ser uma sobrancelha arqueada e uma expressão fria.

— E como ela sabia dos seus exames, do seu diagnóstico, se só quem tinha acesso a isso era a doutora?

— Aí que tá. Ela deve ser amiga daquela doutora infeliz. Com certeza elas combinaram alguma coisa.

— Calma, Cadu, a gente vai analisar o caso. Não tome decisões precipitadas. Tem muitas hipóteses.

— Cara, ela usou até o incêndio contra mim.

— Ela não tem provas. É só a palavra dela contra a sua. O juiz vai averiguar direito os dois lados, provavelmente vai pedir para alguém vir aqui em casa, analisar o local, vai analisar nossa carga horária... ainda tem pé nessa estrada.

— Beatrice também usou nossa carga horária contra mim. Disse que segundo seus cálculos, nós trabalhamos demais e que Miguel ficaria nas mãos de uma babá qualquer, enquanto na casa dela, poderia ficar com a mãe.

— É, ela quer ganhar de qualquer jeito, isso já sabemos. Mas o que precisamos fazer agora é terminar a reforma no quarto de visitas e transformar no quarto de Miguel. Assim as probabilidades de você ganhar aumenta.

— O juiz marcou a próxima audiência para daqui um mês, nem sei o que fazer até lá. Estou tão cheio.

— Vai tomar um banho. Vou preparar alguma coisa para a gente comer. Você está muito abalado, talvez isso melhore as coisas.

Dei um beijo na testa do meu filho e subi as escadas, atônito. Eu estava abalado mesmo. E infelizmente acho difícil alguém ou alguma coisa tirar esses meus pensamentos agora.

Depois que saí do banho e me troquei, desci as escadas mais relaxado, como Sarah havia dito. Senti cheiro de bife acebolado, o que me guiou sem medo até a cozinha.

— Humm, que cheiro bom.

— Ser melhor amiga de uma chefe de cozinha tem suas vantagens — risos.

— E que cozinheira essa aqui, hein — agarro ela por trás e vou depositando vários beijos lentos e molhados em seu pescoço, lhe causando arrepios.

— Ok, chega, antes que a próxima casa a pegar fogo seja a nossa — ela ri.

Seu celular toca, mas estava longe do seu campo de visão. Ajudei a procurar enquanto ela fritava a carne. Ao ver o celular em cima da bancada, o nome da Beatrice me despertou curiosidade e espanto.

— Por que você tem o número dela? — A encaro, segurando o celular na mão.

Sua expressão mudou de repente. Seu rosto ficou pálido, seus lábios sem cor. Ela estava surpresa.

— Eu... eu não sei. Deve ser para... acho que encher meu saco sobre você, com certeza.

— E por que tem o número salvo? Já conversou com ela mais vezes? Me fala, Sarah. Está me escondendo alguma coisa? Tem algo que eu precise saber?

Ela desligou o fogo e tampou a frigideira. Com o olhar caído e a cabeça baixa, veio até mim. Sarah pegou o celular e deslizou o botão vermelho da ligação, ignorando a chamada. Deixou o aparelho em cima da mesa, segurou em minhas mãos e olhou nos meus olhos.

— Confia em mim, não tenho o que esconder de você.

— O que é, ela está te ameaçando? Me fale, eu sou policial, posso...

— Não, não está. Fica tranquilo, se eu precisasse de você eu falaria.

— Por que não atendeu?

— Porque agora eu vou jantar com o meu marido — sorriu de canto.

Eu estava muito indignado. Queria respostas. Queria saber desde quando ela mantém o contato de Beatrice salvo. Como elas se conheciam. Quando começaram a se falar. Mas não adianta, Sarah não vai me falar. Não por agora. Eu preciso descobrir o que está acontecendo. Só assim eu ficarei em paz. Estava começando com uma dor de cabeça, eu estava me entregando demais para tudo em minha vida. Isso estava me cansando. Queria acabar com tudo isso. Congelar o tempo e descansar.

— Cadu? — Me chama ao me ver terminar antes que ela. — Olha para mim, por favor.

— Eu só... quero descansar. Isso tudo está acabando comigo.

Deixei o prato na pia e, ao sair da cozinha, subo direto para o quarto com Miguel nos braços. As lágrimas já estavam caindo sem que eu percebesse. Antes que minha visão ficasse totalmente turva devido às lágrimas, me sento com Miguel na poltrona do quarto de Maia. Eu somente chorava, abraçando seu corpo pequeno. Parecia até que tinham tirado sua vida, de tanto que eu soluçava. O fato de a qualquer hora ele não poder mais frequentar essa casa ou me ver, me deixava louco. Devo ter passado mais de vinte minutos ali, chorando, junto a ele. Por mais que eu soluçasse, o choro ainda era silencioso fora isso. Miguel continuava dormindo, deveria estar cansado. Se ele soubesse pelo menos um por cento do meu amor por ele...

Ouvi passos no corredor e uma movimentação diferente. Som de rodinhas. Estranho. Vou até o corredor ainda com meu filho nos braços e...

— Por que essas malas? Para onde está indo?

— Cadu, eu... eu fiz algo muito errado e, bom, eu vou para algum lugar ainda hoje. Não me procure, por favor.

Volto ao quarto, deixo Miguel no colchão e novamente eu estava no corredor.

— Você pode me explicar o que de tão errado você fez? Sarah, a semanas você vem me deixando com dúvidas em muitas coisas. Essas ligações estranhas, acordar no meio da noite nervosa, acordar e dormir de olho nesses seus casos... já nem temos tempo um para o outro mais. Agora vem essa de número da Beatrice, ela te ligando... Por favor, só me conta o que está escondendo.

— Eu te amo, mas não posso — seus olhos marejavam.

— Pode sim — os meus olhos já estavam uma piscina de novo. — Se for ameaças, se alguém estiver te fazendo mal, me fale, eu te ajudo, nós juntos somos mais fortes.

— Não, Cadu. Você não pode se envolver nisso mais do já se envolveu. Eu estaria colocando você e sua família em perigo. Eu te imploro, não me faça ter que explicar. Eu não posso — sua voz era falha. Seus olhinhos redondos já nem estavam tão abertos, de tantas lágrimas que ali apareceram. Seu rosto estava vermelho e inchado de tanto chorar.

— Sarah, essa casa é nossa! Nós conquistamos. Juntos! Já passamos por tantos mal bocados, como agora. O que é uma pedra no caminho perto de tudo que já vivemos? Você sempre me apoia, posso te apoiar também, é isso que casais fazem. Eu prometo ajudar, só me fale.

Ela só começa a descer as escadas, balançando a cabeça negativamente, chorando. Vi ela indo lá para fora, talvez colocando as coisas no carro. Ao todo eram três malas médias e uma grande. Esperei a mesma voltar, ela com certeza mudaria de ideia. Ela voltou, mas...

— Sarah! Olha aqui, Sarah!

Ela me ignorou, ainda escorrendo lágrimas pelo rosto, pegou o bebê conforto de Maia, que dormia feito um anjinho, e ia em direção a porta.

— Sarah, se você sair dessa porta...

— Adeus, Cadu. Não me procure mais.

Ela não queria dizer aquelas palavras. Eu sabia que não. Era da boca pra fora. Alguém estava manipulando ela, só pode.

Ao ouvir o portão fechando após seu carro sair, não consigo nem explicar. Me senti vazio. Me senti vulnerável, perdedor...

Meu Caveira - A Vingança (Concluído)Onde histórias criam vida. Descubra agora