IV

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Tudo impecável, tudo limpo, no seu lugar, quieto e completamente impecável. Foi a primeira coisa que me veio ao pensamento quando entrei no apartamento. A segunda coisa foi que estou vivendo nesse lugar esterelizado a quase cinco anos e nunca o chamei de casa. Olho de novo o recinto, frio e estéril, como um quarto de hospital, como as mãos frias de um médico.
Por fim, antes de entrar completamente, penso em não o fazer e depois penso em voz alta:
- Jobs, oficial Jobs.

Adentro a sala sem questionar o porquê desse pensamento e faço algo que parece automático, pesquiso no Google: "unidades da polícia civil de Richmond Virgínia".
Uma pesquisa incrívelmente específica para um resultado específico.
Abro o Google maps e vejo quais unidades estão próximas ao hospital.

Aqui estou eu, pesquisando no Google uma coisa incrívelmente específica para ajudar um paciente, sou realmente uma profissional exemplar.
Me lembro então, da figura deitada sobre a cama de hospital, da feição serena de quando se está dormindo, e me pego imaginando como seria se não estivesse tão sereno, se alguma coisa o estivesse incomodando, será que alguma ruga se faria em seu rosto?
Sinto novamente a sensação que me atormentou quando estive em sua presença, só que dessa vez numa onda menor. Eu não gosto, é quase um conflito interno que está ali sem o meu consentimento.
Numa necessidade enorme de interromper essa linha de pensamento, fecho o computador, guardo as anotações que fiz e tomo o rumo do banheiro. Preparo um banho merecido e tento relaxar na banheira, submersa pela água morna e pela espuma.

Nada. Nada de relaxamento. A tensão nos meus ombros e na base da coluna não quer ir embora, permanece ali como se já fizesse parte de mim, como se ignorasse e risse das minhas tentativas de manda-la embora.
Tento massagear os ombros numa tentativa desajeitada e falha de acabar com a tensão, mas só o que consigo é um apertão doloroso.
É assim que termina o que era para ser um banho relaxante, comigo enrolada em um roupão branco perfeitamente limpo e a frustração se fazendo presente em pontadas na base do minha coluna.

Quando chego no meu quarto penso em me deitar na cama de roupão e tudo, com os cabelos molhados e sem nenhuma roupa por baixo. Mas reconsidero. Por mais cansada que esteja, não seria certo.
Seco meu corpo e cabelo, visto uma roupa leve e tomo um comprimido para tensão muscular.

Não sabia que estava tão ansiosa para me deitar até deitar de fato. Um suspiro de alívio sai dos meus lábios e eu estou pronta pra dormir o máximo que esse dia de folga me permitir. Mas a minha mente está acordada. Meu corpo está exausto mas o cérebro completamente ligado. Eu trocaria de posição na cama se meu corpo me permitisse, mas acho que não tenho forças.
Por que isso agora? Por que simplesmente não consigo dormir e deixar esse dia acabar? Por que estou pensando no homem deitado sobre a cama do maldito quarto? E por que não posso parar de pensar tanto?
A verdade é que as perguntas mais simples, essas que não caem em testes padronizados, são incógnitas indecifráveis e a verdade, é que eu pensei nele e em como posso ajudá-lo até dormir de exaustão, porque eu dormi sim.
A última verdade é que por mais que a mente esteja louca para te fazer devanear insanamente, o corpo sempre ganha, porque ele é a maioria, e a maioria vence.

O RapazOnde histórias criam vida. Descubra agora