VIII

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O final de semana correu como qualquer outro em que eu estivesse de folga. Quer dizer que eu não sai de casa. Mas dessa vez, eu tinha uma desculpa mais plausível para isso: choveu o tempo inteiro.

Dois dias e duas noites. E nos pequenos intervalos entre um temporal e outro, fazia tanto frio e o céu ficava tão nublado - de uma maneira quase assustadora a ponto de esconder por quarenta e oito horas, o sol da terra - que ninguém se atrevia a sair de casa, muito menos eu.

O verão aqui é, devo dizer, o mais lindo que um verão pode ser.
O calor do sol quando em contato com a pele, produz uma sensação de bem estar inexplicável, e é como se o seu corpo inteiro corasse em aprovação. É o aconchego de estar quente.

O inverno é a reação oposta de mesma intensidade.
Por isso, o mesmo oceano que traz a brisa veranil, traz também os tornados mais avassaladores do inverno.

Ultimamente, tem parecido que o verão foi à muito tempo, e que eu tenho vivido um inverno longo demais. Mas ao mesmo tempo, é como se tudo fosse muito rápido para que eu tivesse tempo de perceber ou se quer me importar.

Tento me convencer de que foi sempre assim, mas acho que no fundo eu sei que já ouveram tempos melhores.

Tempos onde eu ainda usava maria chiquinhas e o meu pai me colocava nos ombros e corria ou dançava comigo no quintal daquela casa velha bem embaixo do sol, fazendo com que ambos ficássemos suados, felizes e corados.

Mas esses bons tempos foram a alguns longos anos e as coisas mudaram.

Acho que o meu fim de semana foi, sobre tudo, triste e melancólico, com o tempo lá fora correspondendo exatamente ao que se passava dentro de mim.

Por isso eu gosto de trabalhar. Gosto de ocupar minha mente a um ponto em que não consigo pensar em mais nada que não seja estritamente profissional. E se não penso, não fico triste como estava.

Então o meu fim de semana foi interminavelmente curto - se é que isso é possível - , e num piscar de olhos que pareceu um longo cochilo cheio de pesadelos, eu estava de volta no hospital.

Era segunda e também o primeiro dia da minha nova vida baseada na meta de ser a melhor.

Era segunda e as coisas tinham que acontecer com eu tinha planejado.
Eu estava lá para ser excepcional, então isso iria requirir todo o esforço e dedicação com que eu já trabalhava, só que em dobro.

Eu tinha que ser perfeita e para isso, tinha que ter zero problemas pessoais e distrações.

Por isso, com muita força de vontade e esforço - o que não era para ser necessário já que eu sou profissional - eu decidi não acompanhar mais o meu rapaz do quarto 56.

Eu não sei como isso aconteceu ou quando começou, mas de alguma maneira ele virou uma distração.

Eu sei que estive com ele poucos momentos e que em todos ele estava inconciênte, mas essa visitas me afetaram de uma maneira assustadora.

Primeiro eu fiquei nervosa com um paciente pela primeira vez, depois o meu corpo produziu reações semelhantes as de uma doença, e aí eu fique curiosa, fiquei interessada em saber algo sobre ele; num piscar de olhos eu estava ansiosa para vê-lo de novo, e agora parecia que a única coisa que me motivava era saber que eu o encontraria novamente.

Não me julgue por estar me afastando. Isso tudo se assemelha assustadoramente a um tipo de vício, e eu não preciso de vícios se quero ser
Supervisora.

Eu preciso mesmo é trabalhar e não pensar mais em um homem que eu não conheço.

E é isso que eu vou fazer: trabalhar para um caralho e esquecer a vida fora desse hospital.

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⏰ Última atualização: Apr 25, 2020 ⏰

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