VII

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- Quantos anos você tem mesmo? -pergunto ao senhor na minha frente.

- Tenho doze anos incompletos - ele respondeu quase como um sussurro, quase como um segredo.

- Aham, e onde estamos nesse momento?

- Mamãe contratou você para me fazer essas perguntas, você não é a primeira.

- Interessante, interessante... - digo anotando algo que se assemelha a uma receita médica em sua ficha.

- Ela nunca tinha contratado uma tão bonita, você é muito bonita moça.

O olho com uma expressão séria mas não consigo segurar o riso.

O homem a minha frente está em um estágio muito avançado de demência, acha que é uma criança, mas se eu não soubesse que ele está delirando diria que está falando sério. Ele me fita com um olhar de admiração.

- Acho melhor você dormir um pouco, a medicação deve estar muito alta.

Ele demostra desapontamento, mas obedece.

Uma das coisas que mais gosto em mim é meu senso de autoridade, as pessoas me obedecem, isso é muito bom.

*******************************

Minha nossa, como os cabelos crescem rápido!

Lá estava eu totalmente surpresa e admirada como se nunca o tivesse visto.

Ele deve ter uma genética muito boa, os cabelos crescem tão rápido que quando entrei pela porta do quarto e o vi, foi como vê-lo pela primeira vez.

Agora ele tem mais cabelos e barba do que tinha quando chegou e isso é estranhamente atraente. Ele é estranhamente atraente.

Eu nunca pensei que pudesse dizer isso de homens do seu perfil, mas porra, ele é bonito.

Ele é provavelmente mais alto que eu, mas acho que não muito. Ele tem sobrancelhas e cílios compridos e um nariz que eu diria que tem muita presença. Mas depois disso... depois vem os lábios e minha nossa - eu suspirei, não acredito que SUSPIREI!- são tão bonitos e parecem macios, são carnudos e praticamente tão vermelhos que eu juraria que estão inchados, e tem aquela pequena linha em volta em alto relevo os contornando, como um desenho. O que logo logo a barba cobrirá.
O pescoço é grosso e pela veia pulsante, posso presumir que os batimentos estão regulares. E então vem os ombros largos, braços compridos e bem torneados, não dá para ver o tronco por causa do lençol mas é perceptível que também é bem definido.
A última coisa visível são os tornozelos bem fortes e os pés enormes - como alguém tem pés daquele tamanho?-

É uma bela distração, e distração é uma coisa que não posso me permitir. Então volto a realidade e faço manualmente o venho fazer aqui todos os dias, checo os batimentos e dou uma olhada na nova tomografia que mostra como está seu cérebro atualmente. Qualquer que seja o acidente que ele sofreu, foi bem feio.

Esse homem na minha frente provavelmente sofreu um bocado antes de chegar aqui, o que me faz lembrar que quem o trouxe foi um policial.
Será que ele se envolveu em alguma briga?
Não seria de se admirar, e os machucados entregam que ele apanhou.

"Mas isso não é da sua conta Eva, só o que te diz respeito nesse homem é a sua saúde. Você é a médica, haja como tal."

Digo para mim mesma e saio desse quarto que me deixa tão alterada a ponto de me enfurecer.

***

Olho para o relógio e vejo que já se passaram dezesseis horas desde que acordei e comecei a trabalhar no meu quinto dia seguido aqui dentro.

Na semana que vem é a minha grande chance. Tenho que mostra que eu sou a melhor aqui dentro, a mais apta ao cargo de supervisora, é a chance da minha vida e eu não vou deixar idiotas como Steve, ou qualquer outro que tentar atravessar meu caminho, destruir isso.
É pela minha vida que estamos brigando, porque, sinceramente, quem eu sou além disso?
Isso é tudo que eu sou,  uma psiquiatra, e a melhor.

Por isso, essa semana, eu não vou fazer hora extra no sábado e domingo como sempre faço, vou descansar. E aí sim, semana que vem eu voltarei com força total para deixar meus oponentes no chinelo e quando chegar a hora da entrevista, na sexta, ser a escolhida. Ser a melhor.

A empolgação toma conta de mim enquanto termino meu plantão, me arrumo, visto um casaco (porque está frio) e saio do hospital para a rua triunfante.

Já escureceu há muito e ir para o apartamento é com certeza o que eu faria e minha primeira opção.
 
Então por que não faço? Por que não ligo meu carro e pego a saída direta para a longa estrada até o prédio?
Em vez disso me pego seguindo por um caminho mais longo ainda, e pelo qual é possível passar por uma unidade policial.

A parte consciente do meu cérebro me diz que é uma péssima ideia, quer dizer, como eu vou encontrar alguém que nem conheço? E que moral eu tenho para ir atrás desses cara? Fala sério!

Mas uma parte de mim, - a mais estúpida e abrangente, diga-se de passagem - só consegue pensar que eu preciso ajudá-lo, e que eu posso ser sua única esperança.

Aperto minhas mãos no volante e, quase que resseante, vou parando o carro, mas mais por incrível que me pareça, nem um pouco inclinada a desistir.

Saio do carro e ando até o prédio com uma confiança que não existe e quando chego no balcão e o que eu acho que seja um "policial recepcionista" me pergunta:

- Posso ajudá-la, a senhorita tem alguma queixa? - então eu respondo, quase que timidamente, desestabilizando a imagem que passei inicialmente:

- Pode me ajudar sim. É quem... Hum... Existe uma pessoa desaparecida, e ela foi vista uma última vez, com meio que... Um policial lhe prestando ajuda, e sabe, eu gostaria de saber se nessa unidade existe, por acaso, um policial que se chame Jobs, ou sei lá. - ele pareceu não entender direito.

- Então, quer relatar um desaparecimento? Como é o nome da pessoa desaparecida? Olha moça, só podemos fazer alguma coisa se já tiver passado vinte e quatro horas desde o sumiço, e se esse for o caso, vou encaminha-la a um policial especialista e... Você trouxe uma foto? - todo esse amontoado de perguntas me deixou incrívelmente sem chão. Droga! O que eu estava pensando? Ou não estava?
Enquanto o homem a minha frente fala eu vou lentamente me retraindo e andando para trás. Isso foi uma má idéia, uma péssima ideia.

- ham... Acho que me enganei, me desculpe o encômodo - saio como uma idiota o mais rápido que posso, mas não o suficiente para não escutar:

- Espera, moça! Você precisa fazer um boletim! E Jobs? Eu não conheço nenhum Jobs, mas outra pessoa pode ajudar! -  Merda! Merda! Merda! Entro no meu carro com o coração disparado de nervosismo e ligo o carro que parece precisar de uma eternidade para dar partida.
Enfim consigo sair daquele lugar e suspiro aliviada, mas logo a raiva surge e bato minhas mãos com força no volante como um louca. Mas o que mais eu sou? Quem em sã consciência faria uma estupidez dessas!? Dou um grito prolongado dentro do carro e digo para mim mesma:

- Isso foi longe demais, eu fui longe demais, não pode acontecer de novo, não posso me meter em assuntos dos pacientes! Minha nossa, eu quebrei um protocolo de conduta! Isso passou dos limites e não pode, de maneira nenhuma, acontecer de novo! - não reconheço minha própria voz dentro do carro, de tão alterada que estou. Eu não estava sã quando fiz isso, não sei o que deu em mim. Talvez seja só o cansaço e o estresse pagando seu preço.
É! Com certeza é isso!
Eu só preciso ir para casa e descansar. Tudo vai ficar bem amanhã.

O RapazOnde histórias criam vida. Descubra agora