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Talvez eu tenha pensado em fazer isso algumas vezes durante o dia, talvez mais do que algumas vezes. Tudo bem, talvez eu tenha passado o dia inteiro pensando em fazer isso. Mas eu de jeito nenhum vou sair da minha casa e do conforto do meu dia de folga para procurar por um policial que eu não sei sequer o primeiro nome ou se pode me ajudar, ou melhor, ajudá-lo.

Não dá para acreditar que eu ainda estou com isso na cabeça, não é meu trabalho, não é da minha conta e não me interessa.
Tento convencer a mim mesma enquanto volto minha atenção novamente para o livro entre minhas mãos.
Nem mesmo Jorge Amado está conseguindo me distrair desses devaneios involuntários.

Decido fechar o livro e levantar, porque por mais intrigante que ele seja, não é o que eu preciso. Mas o que, de fato, eu preciso?
Chego à conclusão de que talvez seja comida, levando em conta o jeito que a minha barriga ronca, talvez muita comida!
Cozinhar nunca foi um dos meus fortes e a minha mãe sempre me lembra disso todas as vezes que pode, já que ela é uma cozinheira impecável.
Ela me lembraria com certeza que eu deveria tentar, até porque, mulheres têm sempre bastante "jeito" para essas coisas e que eu não me esforço o suficiente.

Ela provavelmente faria um discurso enorme sobre os porquês de não ser bom para minha saúde eu comprar comida por delivery do jeito que estou fazendo agora e eu diria: "mãe, eu sou médica, eu sei disso, mas eu faço o melhor que posso" e ela reviraria os olhos em resposta.
São sempre muito iguais e monótonas as conversas com ela, mas me forço a fazê-las semanalmente por telefone.

Enquanto espero minha porção de costelas ao molho barbecue olho pela janela e vejo - alem de um sol completamente escaldante lá fora - pessoas correndo no parque à direita da minha rua, o suor se fazendo presente em suas peles como uma última epiderme.
Eu provavelmente deveria estar fazendo o mesmo, já que estou prestes a comer não sei quantas mil calorias.
O novo acúmulo de gordura nas minhas coxas e bunda são um lembrete dos meus hábitos sedentários.
Mas, sabe? Se eu não saí do apartamento para resolver uma coisa que estava minimamente interessada, não vai ser por isso que vou deixá-lo.

Eu costumava gostar do sol, não sei porque parei.

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Esse dia de folga pareceu, ao mesmo tempo, longo e curto demais.
Sempre me pegava olhando o relógio e percebendo que praticamente o tempo não havia passado.
Mas quando o dia enfim acabou, a sensação foi que eu não tive tempo suficiente.
As vezes eu desejo que o dia tenha mais de vinte e quatro horas, essa foi uma dessas vezes.

Eu fiz praticamente nada o dia todo. Tentei ler, foi em vão, pensei em limpar o apartamento, mas essa tarefa exigia de mim muito mais esforço do que eu estava disposta a fazer. Até me arrisquei a cozinha, nem preciso dizer que falhei.
No fim, qualquer tarefa que eu cogitasse fazer era tirada quase que a força dos meus pensamentos pelas feições bonitas de um homem que eu sequer sei o nome (bonitas? Sério? Se concentra Eva!).

Fiquei então, o dia inteiro presa nos meus próprios pensamentos, vegetando sobre um sofá amarelo mostarda horroroso e pateticamente caro.

É melhor eu ir dormir ou vou acabar pensando demais.

O RapazOnde histórias criam vida. Descubra agora