Capítulo XXIX

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Era muito difícil para um garoto orgulhoso como Alex admitir que merecia ouvir umas boas verdades. Quando seu pai o chamou para conversar, Alex, que definitivamente não era burro, sabia o que estava por vir. Era claro que ele gostaria de explicar para o pai exatamente o que sentiu, para que não parecesse apenas o vilão da história.

Contudo Alex sabia que, antes de falar, ele iria ouvir.

"Você tem noção, Alex, do quão doloroso é para um pai ouvir da boca do próprio filho tudo aquilo que você me disse?" Harry começou, sentindo um nó formando-se no fundo de sua garganta. Maldita vontade de chorar! Mas não, não iria chorar na frente do filho, isso jamais. Poderia não ter nem um pingo de respeito por parte do garoto, mas ainda tinha dignidade. "Deus sabe que a maior dor que eu senti na minha vida foi a de ter perdido a sua mãe. Doeu demais, doeu como o inferno!" Continuou, não se importando em soltar blasfêmias em frente ao filho, ou mesmo em parecer muito duro. Parecia um sentimento extremamente infantil e egoísta, mas Harry realmente queria que Alex sentisse o peso de tudo o que disse para si. "Eu nunca imaginei que o meu filho me machucaria tanto, sabe? Eu posso não ter sido o pai mais presente, ou o mais querido, mas eu nunca negligenciei vocês, e eu jamais faria isso."

"Eu sei, você é um ótimo pai..." Alex sussurrou, com os olhos tomados por lágrimas. Harry de fato pensou em responder ao comentário, mas optou por ignorar. Alex ainda tinha muito a ouvir, e dessa vez ele não iria escapar.

"Eu amava a sua mãe, filho. Amava tanta que doía. Eu sempre a enxerguei como a mulher da minha vida, e saber que ela estava comigo me fazia o homem mais feliz da face da Terra. Todos os dias eu acordava e me sentia grato por ter ela comigo, deitada do meu lado e dizendo que me amava. Ela era completamente minha, e eu era totalmente louco por ela. Quando ela morreu, eu senti como se tivessem arrancado parte de mim, a parte mais importante. Claro, eu ainda tinha você e a sua irmã, mas, caramba, é diferente, sabe? " Harry parou por um momento quando notou seu tom de voz alterado pela extrema necessidade de chorar. Ele sempre admitiu todos aqueles sentimentos para si mesmo, contudo parecia tão doloroso dizer em voz alta. Tornava tudo aquilo muito mais real. 

"Quando ela morreu, eu me senti a pior pessoa do mundo. Eu sou oncologista, e eu sempre achei que fosse muito bom no que fazia, mas eu não enxerguei, eu simplesmente não vi ou não percebi que sua mãe estava morrendo. E eu sei que não tinha nada que eu pudesse ter feito para evitar o que aconteceu, mas demorou tanto tempo para que eu conseguisse, de fato, explicar para mim mesmo que isso não era culpa minha. Demorou tempo demais até que eu pudesse olhar para o meu reflexo no espelho e não me sentir culpado pela morte dela. É realmente muito complicado quando nos tornamos completamente dependentes daquilo que achamos que poderíamos ter feito..."

Ouvir Harry dize do aquelas palavras era simplesmente doloroso demais. Como Alex pôde ser tão egoísta? Não, pior: como pôde ser tão insensível? Desumano? Isso com seu próprio pai, que, claro, estava longe de ser perfeito (Deus sabe como Harry errara na criação de seus filhos), mas, caramba, ele estivera mal! Tudo bem, Alex havia perdido sua mãe, e essa dor somente ele conhecia, mas Harry...

Seu pai carregava um fardo muito pior: culpa. Sua cruz era muito mais pesada, e a dor de sentir-se responsável pela morte de alguém era algo inimaginável; ainda mais de alguém que se ama. Ah... e Harry amava Kendall. Alex tinha muitos defeitos, mas em uma coisa ele era bom: ler olhares. A dor do pai pela morte da esposa estava estampada em seu rosto; mas a dor pela culpa, essa era mais discreta, provavelmente internalizada demais para ser exposta com tanta clareza. Mas estava ali, e, e juntamente com o luto, tomava conta de Harry naquele momento.

"Eu nunca imaginei que pudesse ser genuinamente feliz novamente, Alex. Eu tinha você, e eu tinha sua irmã, e todas as pessoas que eu amo, mas vocês simplesmente pareciam tão distantes que eu me sentia sozinho, mesmo que todos estivessem próximos. Essa vida, esse sentimento... Isso estava me matando, mesmo que ninguém pudesse ver. Eu sofri tanto tempo com isso, Deus..." Uma lágrima solitária escorreu pelo rosto de Harry sem que ele pudesse impedir. Rapidamente ele passou a mão e limpou aquele maldito resquício de fraqueza. Mas Alex vira. O maior se sentiu exposto demais naquele momento, e também culpado ao perceber a dor no olhar do filho ao perceber que o pai estava chorando.

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