PRIMEIRA PARTE
2012
Eva estava preguiçosamente deitada na cama de rede a ler enquanto Sasha, a sua cadela labrador de pelo castanho cor de chocolate, ressonava por baixo de si. Apesar de ainda ser início de abril, o calor começava a fazer-se sentir e naquela tarde, depois de um dia atribulado no gabinete de arquitetura de fazer arrancar cabelos a qualquer um, nada lhe apetecia mais do que chegar a casa, trocar de roupa e descansar um par de horas.
De repente ouviu qualquer coisa a restolhar na garagem. Pousou o livro e ficou alerta, mas o barulho que a despertara da leitura cessara.
- Deve ser algum gato vadio. – Disse para Sasha, mas esta nem se incomodou a abrir os olhos, quanto mais levantar as orelhas. A cadela era meiga com quem confiava, boa com os outros animais da quinta, mas como cão de guarda não servia para nada.
A rapariga retomou a leitura, mas de novo ouviu o mesmo barulho. Sem dúvida que alguém andava na garagem a remexer fosse no que fosse. Saltou da cama de rede num ápice, acordando Sasha. Primeiro correu, depois atrasou o passo, evitando fazer barulho. Se fosse algum ladrão estava tramada. De que lhe valeria o cabo da vassoura que levava nas mãos em posição de ataque?
Entrou na garagem e quase morreu de susto ao ver uma figura masculina.
- Pedro! Que estás aqui a fazer? Não estavas na escola?
- Bolas! A sério? Passei por ti e nem deste por mim? Realmente quando entras no mundo dos livros perdes a noção de tudo. – Resmungou ele. – Baixa lá essa vassoura.
Eva encostou a vassoura à parede, ainda a tentar refazer-se do susto que apanhara por causa do irmão.
-Não te baldaste às aulas, pois não? – Quis saber, colocando as mãos na cintura.
Pedro revirou os olhos.
- Maninha. – Pegou-lhe no pulso onde ela trazia o relógio. – São quase seis horas, as minhas aulas acabaram às quatro. Ok? - Olhou seriamente para a irmã. – Sabes que não me baldo às aulas desde o ensino básico. Este ano faço 16 anos, sou um homem agora! E responsável.
Eva riu.
- Pedro, ainda estás a uns meses de fazer anos, tens muito que crescer. – Beliscou-lhe a bochecha. Mas era verdade, Pedro crescera nos últimos meses, tornando-se um jovem que aparentava ter mais de 15 anos, sobretudo dada a sua inteligência e perspicácia, pena que nem sempre se fazia valer disso.
- Que seja. – Contrafeito, voltou as costas à irmã e retomou as suas buscas, revirando tudo e mais alguma coisa.
- Onde está a Su? Não devia de ter vindo contigo? – Perguntou Eva, referindo-se à irmã mais nova.
- Ficou a terminar um trabalho da escola, vem com a mãe. – Respondeu Pedro, distraído.
- Que estás a fazer? Se o pai sonha que estás a mexer na tralha de pesca dele é bem capaz de te arrancar as orelhas da cabeça!
O material de pesca do pai era sagrado, só ele lhe podia tocar. Tal como a mota de cross de Pedro era sagrada para ele. Tinha sido uma invenção do pai deles, que juntamente com o rapaz, criou e montou uma pequena mota de cross com peças de outras motas velhas. Teria sido a forma de os pais o calarem com aquele assunto, sem gastarem uma fortuna numa coisa que ele acabaria por estragar.
Inicialmente, a mãe não achara qualquer piada ao assunto, desagradava-lhe completamente a ideia de ver o filho em cima de uma mota daquelas. Tanto ele a importunou que acabou por ceder, quando lhe prometera não sair da propriedade, que seria apenas para brincar. A verdade é que o rapaz ganhou um amor por aquela motoreta que ninguém esperava. Era limpa cerca de duas vezes por mês, posta a brilhar e mesmo sem grande queda para a escola, – ou melhor, inteligente era ele, mas sempre preferia deixar tudo para a última da hora por ser tão preguiçoso. - Pedro ajeitava-se para a mecânica.
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Quando o Coração Não Perdoa
Non-FictionEm criança, Eva tinha um desejo; não ser filha única. Queria um irmão ou uma irmã com quem brincar. Na verdade, Eva implorava aos pais - em palavras dela - "Eu quero um mano nem que seja de barro ou da loja dos trezentos!" Durante anos, era tudo o...