Cartas

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Setembro de 2018

Carta para a minha irmã

Minha querida irmã,

Espero que de onde quer que me estejas a ver, estejas bem, como eu acredito que estás. Aposto que estás bem acompanhada pelo nosso avô e acredito que ele tenha adorado conhecer-te. Serias mais uma menina para ele mimar, para ele brincar e para tu abusares da sua paciência de santo como eu fiz. Ele era um bom homem, como já não existem muitos. Espero que saibas disso e aprecies a sua companhia, acredita que ele me faz bastante falta com as suas histórias de tempos antigos, cheias de sabedoria. Mas vou-me deixar de conversas. Tenho algo para te dizer...

Durante anos eu massacrei os nossos pais com o meu insistente pedido para me darem um irmão ou uma irmã, uma companhia para eu brincar. Todos os meus amigos da escola tinham irmãos pequenos e eu também queria ter. Pedi tanto, tanto que desesperava. Os pais lá tentaram até que conseguiram, mas Deus tinha outros planos para ti. Não tenho grandes memórias desses tempos, mas sei que depois de ver a mãe naquele estado e de quase a perder, nunca mais na vida pedi um irmão. Se gostava? Claro que sim. E secretamente sempre desejei isso, sempre esperei por essa novidade, mas como nunca mais voltou a acontecer, então eu apenas deixei de falar nisso.

Inicialmente pensávamos que serias um menino. Não sei porquê, sempre tivemos essa sensação, talvez por eu ter preferido ter um irmão, visto que eu era uma autêntica maria-rapaz, louca por motas, carrinhos telecomandados e tratores de andar pelos montes de terra. Desculpa não ter colocado em hipótese seres uma menina, mais uma menina para a família. Mesmo assim, quero que saibas que sempre te amei mesmo sem nunca te conhecer e amei-te ainda mais quando viemos a saber mais tarde que serias a nossa Susana.

A partir daí comecei a sonhar muito contigo, a imaginar-te, a dar-te um rosto e uma personalidade. A partir daquele momento comecei a pensar ainda mais em ti e em como seria a nossa vida se Deus te tivesse poupado. E sabes? Seria incrível! Serias a minha melhor amiga, a minha irmãzinha, serias a minha confidente... serias tudo para mim.

Quando penso em ti já não sinto aquela mágoa que dantes sentia, pelo contrário, quando penso em ti sinto um conforto enorme porque sei que de alguma forma estás comigo, estás a cuidar de mim como eu devia cuidar de ti. Sei que não me abandonas mesmo quando carrego o mundo às costas, quando me apetece mandar tudo ao ar e gritar um grande que se f*da!

Se aqui estivesses sei que me acalmavas nesses momentos, me chamavas à razão e me davas um par de estalos se fosse preciso. É assim que eu nos imagino; unidas, amigas e presentes na vida uma da outra. E sabes? Quando o Coração Não Perdoa, a mente também não perdoa, mas de alguma forma foi contigo que aprendi a perdoar. Não consigo perdoar tudo, mas aprendi a perdoar Deus pelo que ele me tirou e a dar-lhe graças pelo que me deu ao longo da vida para me compensar, só que nada compensa a tua ausência nas nossas vidas. Estarás sempre presente no nosso pensamento e nos nossos corações, passe o tempo que passar.

Segui os teus conselhos que me foste dando sorrateiramente, sem eu dar por isso, e descobri um novo amor. Valha-me Deus, podias ter avisado que não seria assim tão fácil, que tem dias que não sabemos o que fazemos juntos, mas confesso que mesmo assim tem valido a pena cada dia que passo ao seu lado. Sei que ainda nos estamos a adaptar um ao outro e tenho esperança que tenhas razão quando dizias que seria amor para toda a vida.

Reencontrei também a Filipa, desta vez não desisti. Tu bem me indicavas o caminho a seguir, discretamente, e então encontrei-a quando menos esperava, mas sem dúvida quando mais precisava.

Prometo que desta vez farei a coisa certa. Devo-lhe isso e tu, tal como eu, sabes que é verdade. Desisti uma vez da minha melhor amiga, não o farei uma segunda vez, prometo. Tal como sabes, ela sempre foi o mais próximo que eu tive de uma irmã e a sua amizade conforta-me e ajuda-me muito, tal como uma verdadeira irmã. Como bónus ganhei uma sobrinha emprestada, reguila e cheia de vida. Que podia eu pedir mais?

Se eu pudesse pedir qualquer coisa pedia-te a ti, aqui ao meu lado, ao lado dos nossos pais. Mas não é possível, por isso peço apenas que continues a acompanhar-nos, a vir-nos visitar de vez em quando, a confortar-nos e peço ainda que nunca nos abandones. Cuida de mim, irmãzinha, e cuida dos nossos pais como eu sei que tens feito. Como seria possível que o nosso pai caísse de uma altura de praticamente quatro metros, num mergulho certeiro, esfolando apenas um cotovelo? Continuo a considerar isso um milagre. Sei que estavas lá, confio em ti, minha menina.

Obrigada por tudo, obrigada por, - ainda que espiritualmente, -fazeres parte das nossas vidas. Daqui a muitos anos iremos conhecer-nos finalmente. Espera por mim e enquanto isso vou fazer o que me pediste e vou viver a minha vida, fazer tudo o que ainda tenho para fazer, lutar pelos meus sonhos, vou levar a nossa história a muitos corações e vou tentar ser mais feliz por nós as duas.

Estás sempre no meu coração e no meu pensamento, sempre.

Um beijinho e um abraço apertadinho cheio de amor,

Da tua irmã mais velha,

Ana Rita

"Eva"

***

Setembro de 2018

Carta a um anjo-da-guarda

Querida filha Susana – seria este o teu nome -, como tudo seria diferente se em vez de teres partido tu tivesses nascido, seria lindo, eu e o pai passaríamos a ter duas meninas reguilas porque era assim que ia ser certamente, tu, com diferença de seis anos da mana, deviam ser frescas!

Imagino muitas vezes como seria a tua relação com a tua irmã, até o pai por vezes diz "Se não tivéssemos perdido aquele bebé agora estava aqui sentado, ou fazia isto ou aquilo". A nossa vida mudava radicalmente e em vez de três passaríamos a ser quatro. Eu tinha mais trabalho, mas nunca me importaria, queria mesmo era que estivesses aqui connosco, eu sei que estás, mas queria-te fisicamente para te poder ver, abraçar, acarinhar, beijar, dar todo o amor de mãe que dei à tua irmã Rita. Queria muito ter-te conhecido. Imagino-te parecida com ela, meiga, carinhosa, mas ao mesmo tempo, espontânea.

Hoje, passados 19 anos, já me habituei, mas ao mesmo tempo sinto-me incompleta porque gostava muito de ter mais filhos, mas depois de te ter perdido já não houve mais esse desejo de engravidar e quando veio de novo essa vontade, já não aconteceu.

Por isso, querida filha, estejas onde estiveres, sabes que te amo como se estivesses comigo e por favor, quando me vieres visitar, chama sempre pela mãe, porque assim sei que estás comigo e para mim é um grande consolo.

Um grande beijo da mãe que te ama mesmo sem te ter conhecido.

***

E se a vida lhe desse uma segunda chance?


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Quando o Coração Não PerdoaOnde histórias criam vida. Descubra agora