Recostado numa árvore, com os pés enterrados na areia fria, John, o Catalogador, se deixava levar pelo fluxo de suas orações matinais. Diante dele, o oceano ondulante se estendia até desaparecer no horizonte, mesclando-se ao céu límpido, cor de cobalto. De repente, a fragrância salgada do mar foi substituída pelo cheiro de eucalipto, mirra e flores silvestres. John sorriu. Ela sempre fazia isso ao chegar. Resistindo à tentação de correr para os seus braços, ele apenas baixou a cabeça e respirou fundo.
Havia tempos que não se encontravam.
A mulher negra, magra e alta aceitou o convite silencioso e sentou-se ao lado dele, despenteando com a mão os cabelos grisalhos do homem com a ternura que uma mãe dedicaria ao filho. O toque brincalhão espalhou uma sensação de paz pelos seus ombros, aliviando o peso do fardo que ele carregava sem perceber.
John poderia ficar assim por um bom tempo, mas aprendera que as visitas dela tinham sempre um propósito. Durante alguns instantes, ele conteve a própria curiosidade e simplesmente ficou ali, aproveitando o prazer sereno da companhia dela.
– Mãe Eva?
– John.
Mesmo sem olhar, John soube que ela estava sorrindo. Ancestral e poderosa, aquela mulher irradiava uma alegria quase infantil. Com um dos braços, ela o puxou para si e deu um beijo delicado em sua testa.
– Você está aqui há... – começou ela.
– Cem anos, hoje – concluiu John. – Se esse é o motivo da sua vinda, fico grato.
– Em parte, sim – disse Eva. – Cem anos é sempre motivo de comemoração.
Ele se pôs de pé e limpou a areia do corpo antes de ajudar Eva a se levantar também. Ela agradeceu com educação, embora não fosse necessário. Seus cabelos brancos e crespos se entrelaçavam como uma coroa em volta do rosto repleto de vincos deixados pelos incontáveis anos.
As perguntas de John ameaçaram se espalhar por todas as direções, mas antes que ele pudesse dizer qualquer coisa, ela ergueu a mão para detê-lo.
– John, uma boa pergunta vale mais do que mil respostas – disse ela. – Escolha com sabedoria.
Ele precisou de apenas um instante para formulá-la.
– Quanto tempo mais? – perguntou, em tom grave. – Por quanto tempo mais precisaremos esperar até o fim, até que nossa cura esteja finalmente concluída?
– Muito menos do que quando eu mesma fiz essa pergunta pela primeira vez. John respirou fundo e assentiu, fitando seus olhos faiscantes.
– Vim aqui para lhe falar sobre hoje, John. Hoje minha criança vai nascer no seu mundo.
John franziu as sobrancelhas, confuso.
– Sua criança? Mas, Mãe Eva, não somos todos seus filhos?
– Sim, são – afirmou ela. – Mas há três em especial que se erguerão para representar a todos nós: aquela que recebeu a promessa da semente, aquela cuja semente esmagará a cabeça da serpente, e aquela à qual a semente se unirá para sempre. A Mãe, a Filha e a Noiva. A chegada desta menina marcará o início do fim. Ele ficou tão surpreso que mal notou quando Eva apanhou uma pedra e começou a caminhar em direção à beira da água. John se pôs a segui-la, ainda desnorteado. Ela lançou a pedra bem alto no ar e os dois a observaram cair no mar quase sem fazer barulho.
– John – disse Eva –, a ondulação causada por uma única pedra é capaz de mudar o oceano do Universo para sempre.
John deixou que as pequenas ondas lambessem seus pés e puxassem a areia debaixo deles. Estar perto de Eva era ao mesmo tempo revigorante e perturbador.
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EVA - William P. Young
General FictionEm algum um lugar entre mundos um "Catalogador" recebe uma missão, verificar e catalogar o que chegou pelo mar. Um contêiner com 12 corpos, 11 meninas e 1 homem. O que aconteceu com eles ninguém sabe. Mas John percebe algo estranho entre os pertence...