Capítulo 3 : Lilly e a serpente

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Aproximando-se da superfície da Terra, a menina desceu até pousar em uma pequena colina deserta, que ficava à beira de uma planície sinuosa salpicada de árvores. Depois delas, fileiras e mais fileiras de colinas maiores compunham a paisagem distante. Mais além, via-se a silhueta de uma cadeia de montanhas.

A menina mal pôde notar todo esse esplendor, pois sua atenção foi atraída pelo que havia atrás dela. Virando-se, ela se espantou e instintivamente deu um passo para trás. Uma colossal cortina d'água se estendia do solo até o céu e para as duas laterais infinitamente. Pulsava como se tivesse vida, irradiando luz e calor que penetravam em cada célula de seu corpo.

– Nunca deixo de me maravilhar com essa visão – disse uma voz ao seu lado.

Lutando para conseguir afastar os olhos da barreira de água, a menina virou-se para a mulher alta de ossos finos parada ao seu lado.

– Você é aquela que se chama de Mãe – disse ela. – Você não é minha mãe.

A presença daquela mulher era mais poderosa do que a muralha líquida. Sua postura exalava nobreza e era mais bela e arrebatadora do que a menina havia percebido da primeira vez. As maçãs do rosto eram salientes, anunciando olhos castanho-escuros penetrantes que brilhavam como ouro. Os cabelos brancos estavam trançados com firmeza, as pontas caindo de forma suave sobre os ombros. Sua túnica resplandecente, majestosa e colorida ondulava como se animada por cada pensamento e gesto seu.

A mulher sorriu e se inclinou até as testas das duas se tocarem.

– Sim, sou sua Mãe, Lilly – sussurrou ela.

– Lilly? – Ouvir aquele nome surpreendeu a menina, mas ela o reconheceu de imediato. – Oh, meu Deus! Agora me lembro. Meu nome é Lilly! Lilly Fields!

No mesmo instante, ela se deu conta de outra coisa.

– E você é minha mãe? Como pode ser? Você é...

– Negra? – Eva deu uma risada tão límpida que Lilly não pôde deixar de fazer o mesmo, embora ainda estivesse totalmente perplexa.

–Ainda não sei quem você é. Como se chama?

– Eva.

– Você é a Eva? De Adão e Eva?

– Sim, minha filha. Sou Eva, a Mãe dos Vivos. Onde você pensa que nós estamos, Lilly?

– Não sei – disse ela, insegura. – Perdidas em algum sonho, numa alucinação causada pelos medicamentos ou em algum tipo de viagem mental catastrófica? – Ela hesitou, depois falou abruptamente: – Ou será que estou ficando louca?

Lilly baixou a cabeça e olhou para o chão, como se isso pudesse ajudá-la a organizar seus pensamentos. Foi com surpresa que percebeu que também usava uma túnica de luz oscilante – perfeita, pura e protetora. Por mais que tivesse a sensação familiar de estar exposta, ao mesmo tempo sentia-se estranhamente segura. Aquela contradição não podia ser real.

– Bem, se você me conhecesse de verdade – balbuciou ela –, saberia que eu não pertenço a este lugar.

– Minha querida – retrucou Eva –, alguém por acaso é capaz de conhecer a si mesmo? – De repente a voz de Eva mudou, suas palavras soando ao mesmo tempo como uma declaração e uma ordem: – Sinto a presença de uma acusação. Revele-se para mim!

Enquanto Eva falava, Lilly ouviu um farfalhar na vegetação rasteira, de onde surgiu uma víbora de aparência robusta. A serpente ignorou a presença de Eva e ergueu-se diante da menina. A serpente fitou dentro dos olhos dela, a língua entrando e saindo da boca, saboreando o ar. Eva apenas observava a cena, com o rosto inexpressivo e os braços cruzados.

EVA - William P. YoungOnde histórias criam vida. Descubra agora