Capítulo 8: Intenções espelhadas

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No início da manhã seguinte, quando a luz do sol começava a substituir as sombras da noite, Lilly escreveu pela primeira vez no diário que John lhe dera. Convidada pela página em branco, ela se lançou à escrita como uma águia mergulhando das alturas, rumo a uma honestidade que nunca havia explorado intencionalmente.

Apesar do que disse John, não acho que eu seja uma escritora. Aliás, não sei por que estou tentando me justificar, já que serei a única a ler estas palavras.

Não sei o que sou nem o que é real. Passo metade do tempo achando que estou louca e cercada por loucos, e a outra metade apenas confusa, com raiva, sufocada por emoções horríveis.

Às vezes, minha única vontade é gritar até não poder mais. Não quero que ninguém se preocupe comigo, mas logo depois quero, e quando isso acontece fico irritada e tenho vontade de morrer.

De todas as pessoas que conheci aqui, é de John que mais gosto, mas estou muito intrigada com esse novo cara que apareceu, um dos Três Reis Magos (acho que era assim que eles eram chamados nas histórias que contavam na escola dominical, embora eu não seja o bebê Jesus que eles estão procurando). O nome dele é Simon. Ele é mais velho do que eu, mas, de todos, é o que está mais próximo da minha idade. Anita e Gerald me deram uma chave e um anel, e Simon disse que me entregaria o seu presente mais tarde. Acho que ele queria apenas conversar comigo a sós. Não consigo parar de pensar nele. É como se ele fosse perigoso, mas em um bom sentido.

Ontem foi uma loucura. Tanta coisa aconteceu que nem sei por onde começar. Eva me levou para ver Adão (só de escrever isso pareço maluca), mas acabamos encontrando uma serpente falante que quase me matou de medo. Os Reis Magos apareceram e eu vi Letty pela primeira vez. Ainda não sei por que ela está sempre sussurrando algo. Eles disseram que eu sou uma Testemunha dos Inícios. Não contei a ninguém que Eva já havia me dito isso.

Tenho olhado bastante para os meus braços. Acho que, na minha outra vida, eu costumava me cortar. Isso também me assusta muito. Talvez seja melhor não lembrar, mas não consigo evitar os flashbacks e as alucinações.

Fico olhando para as ondas do mar... O ir e vir da maré é mais ou menos como a minha vontade de viver e morrer ao mesmo tempo. Quase sempre, tudo o que consigo ver são as ondas, e não sei dizer se a maré está alta ou baixa. Será que Simon virá hoje? Provavelmente não.

Lilly puxou as cobertas para dar uma olhada no pé que não era dela. Perguntou- se quem teria sido sua dona original. Ele parecia completamente funcional, embora muito mais branco e sardento que seu pé direito.

Mulheres vestidas como se pertencessem a algum tipo de ordem religiosa apareceram para ajudá-la com seus rituais matinais. Não falavam nada, mas eram gentis e sorridentes. A presença delas era bem-vinda e reconfortante. John chegou com o café da manhã, a primeira comida de verdade que recebia depois daquela deliciosa sopa. Quando terminaram de comer, ele se afastou e deixou-a olhando para a magnífica vista do oceano lá embaixo.

Lilly cumpriu sua rotina de exercícios, contraindo e relaxando cada um de seus músculos, começando pelos dedos dos pés e subindo por todo o corpo até o nariz. Repetia esse processo seis vezes por dia, da hora que acordava até a hora de dormir. Bastava pressionar um botão para transformar sua cama em cadeira de rodas, e ela precisou se esforçar para resistir à tentação de se levantar e ficar de pé por conta própria. Aparentemente, sua total recuperação era apenas uma questão de tempo.

Mais tarde, John voltou com uma surpresa para ela: inclinou um pouco mais a cadeira e levou-a até um pátio aberto, que ficava em cima dos aposentos onde ela estava se recuperando. Pela primeira vez, Lilly pôde sentir o abraço do vento e do sol sem nenhuma barreira entre eles. O lugar era pequeno, mas era como um ninho de pássaro no topo de um mastro, e oferecia uma vista panorâmica estonteante. Ele a deixou ali e foi cuidar de outros assuntos.

EVA - William P. YoungOnde histórias criam vida. Descubra agora