Tenho certeza que se eu fosse um livro
muitas pessoas ler-me-iam sem saber.
Então, sem entender um sequer dos escritos
queimar-me-iam como queimaram as bruxas.
"A morte e o fogo sempre viveram juntos"
disse-me certa Criança - meio esquisita -
"tudo o que toca a chama, é transmutado;
tudo o que toca a morte é transformado."
O ápice de qualquer vida que exista -
e o início de qualquer coisa - é seu fim.
"Nunca se perguntou, nem uma vez na vida,
por que as pessoas têm medo de morrer?"
Enquanto fazia o caminho de volta
perguntei-me várias e várias vezes isso;
meus olhos voavam nos telhados das casas,
e na simetria ridícula das placas,
e na horrorosa perfeição das distâncias
entre postes que iluminavam as ruas:
desde a minha infância nada mudou.
Nós temos tido muito medo de mudar.
Nós temos tido muito medo de morrer.
A Criança continuava tagarelando,
claro, isso porque não queria ouvi-La,
disse-me que lá da terra de onde vinha
as coisas não eram assim tão bem malfeitas:
os telhados ficavam por baixo das casas,
placas voavam no ar, e de vez em quando,
acertavam com força a cabeça de alguém.
Postes não existiam, tudo era luz.
Na terra de onde ele vinha, ele disse,
nem terra havia. Então as flores morriam.
Dissera-me, triste, que havia fugido.
Perguntei-lhe curioso, depois de ouvi-lo:
"Por que fugiu de lá então, meu pequenino?"
- "As pessoas que lá buscavam abrigar-se
eram loucas, mentirosas e cheias de ódio.
Sentiam-se tão majestosas e perfeitas
quanto ao prefeito que a Terra governava,
sem saber que sequer havia um prefeito.
Queimaram, enraivecidos, todas as casas;
e cuspiram nos rostos das doces mulheres
e diziam que trabalhavam pro Governo.
Diziam que todos iriam pro inferno."
Nós temos tido muito medo de morrer
Nós temos tido muito medo de mudar.
Temos pesadelos sobre estarmos sozinhos;
Preocupamo-nos demais com a solidão
e porque nos preocupamos tanto, então
temos, neste mundo, somente a nós mesmos
porque os outros cansaram de se preocupar.
Passamos tanto tempo inquietos conosco
que acabamos nos esquecendo de amar.
Não queremos mais ser a Criança sem casa
porque ela é burra porque morreu de amar.
Só que engana a si próprio a todo tempo
quem pensa ser capaz de amar a si mesmo
enquanto vivemos correndo e temendo;
beijando e comendo nós vivemos a esmo.
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O Mundo dos Suicidas
Poetry"O Mundo dos Suicidas" é uma obra poética que tem como principal objetivo a reflexão acerca do tema 'contemporaneidade', de pontos de vista sociais, políticos, religiosos e filosóficos. Dividido em 10 partes independentes entre si, a obra pode ser l...