E pra começar eu não poderia falar de mim. Se não fossem adjetivos líquidos, subliminares e vaporizados, nada sobre mim poderia lhe contar. Nada sobre nada. Se não fosse uma face desfigurada, ou um vulto no espelho e um infinito ciclo de morte, eu nada poderia ser. Tornar-me-ia cinza se falasse só das cinzas, que decerto apagariam o meu fogo. Também não desperdiçaria meu tempo e nem cansaria as articulações dos meus dedos escrevendo sobre coisas boas: na arte poética do viver morrendo o tempo inteiro, dia após dia, o bem nunca vence. Ninguém vence.Não poderia lhe dizer do que se trata ou do que me trato – afinal não tenho me tratado muito bem – se eu não falasse também do outono, da chama e das flores; da lama, do fogo e das pedras preciosas. Não haveria poeta se falassem somente d'outras inúmeras coisas, se não da transformação que é todas aquelas, e que não é, porque viver é viver morrendo. É viver nascendo e reencarnando no mesmo pedaço de carne, ora divino, ora profano; ora abandonado por Deus. E quem não abandonaria?! - Viajando na liquidez dos corações vazios, e no cruel julgar silencioso das línguas deliciosamente escandalosas da pós-modernidade, na plena certeza do incerto e cercado de idiotas... Quem eu não abandonaria?
Se não escrevesse em linhas tortas e em entrelinhas satânicas, mal escritas dentro e fora: poeta ou poema? O que eu seria agora? - Se esvaziasse meu corpo e embelezasse minha mente, do que poderia falar se não do cemitério que seria o meu espírito? Ou do infinito nada do paraíso e a intensa beleza desse inferno? Da arte lindamente mórbida do grotesco e do proibido? Ora! Eu nada seria se não a cena de um suicídio, e apenas isto. A cor do líquido escorrido pela sala seria a minha maior marca nesse mundo... Se não fosse a Arte moribunda de ser Bruxa, queimando e transcendendo eternamente na fogueira inquisitora.
"Amém!" - clamaram os pecadores! Nada seria do mundo sem o incêndio da mudança e da dor dos que sonham. E é sobre isso que escrevo.
São dos sonhos que o mundo se reconstrói - de dentro pra fora - de cada sonhador ainda vivo na Terra; mas sonhar é se matar aos poucos. É naufragar-se eternamente, e um náufrago nunca na vida poderá sentir-se em casa. É da sua profunda tristeza ilusória, da sua solidão infinita e dessa insatisfação sobre o tempo e as pessoas que a própria vida desgraçada o obriga materializar seus desejos em palavras, em arte e em poesia, como um escravista que chicoteia seus escravos indignos de escolha ou de liberdade. É doloroso expressar-se e é mortal ter um desejo sincero cravado no peito, seja ele qual for; seja um amor infantil ou um ideal altruísta. Mesmo sem nunca provar, ele sabe o quanto é gratificante viver um sonho... Mas um sonhador dificilmente vivencia os sonhos que tem. Não! Ele sonha para os outros, enquanto vive queimando como um condenado ao inferno.É cruel, mas não poderia ser diferente, pois são nas cinzas dos restos pós-modernos que encontrará a fórmula de um Novo Mundo, uma Nova Era, uma nova Æon, quase tão utópica que só permanece viva na mente dos mais fracos, os que têm sido na História os alicerces disso tudo; os guardiões da chama da mudança, aprisionados na complexidade da mente humana doentia e sã.
Eu dedicaria cada uma das letras aqui escritas não aos amigos – pois nossos laços são todos temporários – e tampouco à família – pois o sangue só é verdadeiramente belo quando jorrado forte pra fora do corpo, como tinta e água dançando numa aquarela – Não! Eu jamais os dedicaria uma só palavra minha. Cada escrito, nesta e em todas as outras obras que existem, é ou deveria ter sido dedicado exclusivamente aos loucos, às putas, aos poetas e a todos os outros suicidas desse mundo, pois não há sentido em laços, em sangue ou em aquarelas sem a força ideal de um sonho quase morto, de um fruto quase podre, de um mundo quase inexistente e de uma vida quase acabada.
A eles eu dedicaria tudo:
Eu dedicaria o mundo aos suicidas;
Porque, afinal, ele já é nosso.
Lucas Häkkan.
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O Mundo dos Suicidas
Poesia"O Mundo dos Suicidas" é uma obra poética que tem como principal objetivo a reflexão acerca do tema 'contemporaneidade', de pontos de vista sociais, políticos, religiosos e filosóficos. Dividido em 10 partes independentes entre si, a obra pode ser l...