Sem Alma

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Este sopro de vida, que me agita,

E tem feito girar, maquinalmente,

É qualquer abstracta, que não grita:

Desisti de pensar que já fui gente...

Nasci sem culpas;

quis viver num mundo,

Que só me apedrejou, desde criança!

Lançou-me num abismo tão profundo,

Onde não entra a luz da confiança.

Atacaram-me vermes, com furor;

Ai, tantos! Nem sei qual o mais temível!

Acabou por ser vão o meu vigor.

E reagir, sem ele, é-me impossível...

Viver sem ilusões, é não ter nada

Que justifique a roupa e o alimento!

Carece de razoes esta jornada,

Que pesa tanto, como o meu tormento.

Tendo regularmente algum salário,

Fazem-me as aparências refilão.

Que me importa cumprir um eterno horário,

Se em troca do trabalho há menos pão!?

Qual manequim andante, sem vontade,

Acompanho os demais, no dia a dia.

Em nada tenho fé, nem ansiedade:

Envolve-me cruel anestesia...

Julgo que infelizmente esta doença,

Ai ponto que chegou, não tem mais cura!

Companheiro fiel, desde a nascença,

Nem me abandonará, na sepultura...

Fui-me sentindo aos poucos mutilado:

O vírus do fracasso, o meu algoz!

Absurdo era lutar, amordaçado,

Pois ninguém ouviria a minha voz!

Num colete-de-forças me envolveram,

Destruindo o melhor que havia em mim.

Fôlego e coração me mantiveram,

Para o martírio ser maior, assim...

O cérebro não sabe reagir:

Impedem-no de tal as decepções.

Todas as noites, sem poder dormir,

Desespero, no leito, em convulsões...

Inconcebível, um jardim, sem flores;

Um corpo já sem alma, como o meu!

Rude apatia congelou-me as dores,

E apenas o desdém sobreviveu...

Efeitos dum lutar quotidiano,

Com toda a gama de dificuldades.

Sou hoje um corpo amorfo;

O ser humano Sucumbiu, sem talvez deixar saudades...

Encerrei-me em mim próprio, avaramente:

Quase desconheci todos...

Revoltado, fugi de toda a gente;

Adeus, pura amizade;

não me sigas...

Deixa-me só;

não vou ser egoísta:

Não te quero arrastar à perdição!

Não há boa vontade que resista

Ao peso de tamanha frustração!

Não há ingratidão;

porém, nobreza,

No derrotismo deste vacilar!

Triste conformação, mais que incerteza:

Sendo estátua, não vou raciocinar...

Alegria ou furor, já nada existe:

Sou massa óssea, mas sem reacção!

O maquinismo humano, que persiste,

Manobra tudo;

Sentimentos, não!

Ouço pregar a paz, fazendo a guerra;

Falam mais da moral os opressores.

E quem mais desrespeita as leis, na terra,

São, por descuido, os bons legisladores...

A revolta dum ser inanimado

É fraca; não detém o cataclismo...

Oh, raça humana, não terás pensado

Que quem te via matar, é o teu medo?

O Anjo Sem AlmaOnde histórias criam vida. Descubra agora