Duelo de dragões

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Meu coração passou a bater forte, um sentimento confuso o dominava, uma sensação que entorpeceu profundamente minha existência. Por que me sentia feliz? Eu sabia que na minha frente era a morte na forma de um dragão, o denominado o imperador das montanhas, meu próprio pai. Hoje descobri seu título por meio das palavras de Mina, encolhida e tremula acima de mim.

"Se não sairmos daqui, iremos morrer". – Descendo de mim, ela caminhou respeitosamente até o alfa.

Se prostrou diante dele.

- Grande imperador, nos perdoe por invadir seu lar. Minha família está doente, eu vim por Norh.

O alfa suspirou, erguendo as essências no ar, elas iluminaram a paisagem como brilhantes vaga-lumes.

- Se nos permitir sair vivos, juro por minha vida, pelas gerações vindouras e em nome daqueles da ilha de Shinda que jamais diremos o que vimos.

Mina tentava dialogar com ele, entretanto, será que meu pai era capaz de entender suas palavras? Pela expressão dele, posso supor que não, por isso vejo que mesmo caso centenas de anos se passem, nunca entenderei a língua dos elfos. Covardemente, arrisquei movimentar meu corpo para perto dele. Eu era uma acanhada criança redescobrindo seu passado.

"O que está fazendo? Volte! Ele é o senhor dos dragões, ainda que um deles, se o irritar, tornará esse vale inteiro inimigo de todas as raças".

Mina disse, mas ignorei seu raciocinar e continuei me aproximando. O alfa ergueu seu pescoço, semelhante ao que fiz para intimidar os homens na batalha aquele dia, contudo, ele nem precisava, seu corpo três vezes maior que o meu foi o satisfatório para me fazer parar de andar. Quando numa certa distância, deslocou seu rosto rapidamente até mim, disseminando um estampido aterrorizante, duradouro e cruel. Mina gritou apavorada, mesmo eu experimentei um medo sufocante. Seu bafo abrasante aquecia meu rosto enquanto bradava ferozmente. Então me afrontou com seus olhos encarnados, os quais questionavam friamente: "Por que você voltou? ".

Ele olhou para Mina, para o estranho brilho em suas vestes, a essência cintilava em sua bolsa. Como se eu não estivesse ali, a sua frente, passou diretamente por mim, interessado na menina. Desloquei-me para o lado, observar o desfecho de sua ação. Ele levantou uma de suas garras, maiores que ela, tocando suavemente com a ponta em sua veste e delicadamente a rasgou. Mina hesitou, mas entendeu o recado, terminou de abrir seu manto, retirou a bolsa e depositou no gramado, se afastando do dragão.

"Ele não irá deixar levar a essência. É uma flor sagrada! ".

Mina desistiu de levar, era isso ou a morte. Assim, mais dragões pousaram ao nosso redor, discretamente vieram em grupo e entre eles, meus irmãos de sangue. De escamas densas e chifres pontiagudos, eles cresceram lindamente melhores do que eu. Exibiam essa verdade enquanto a saliva escorria de seus dentes famulentos que desejavam um pedaço de Mina, todos eles semelhante a lobos esfomeados a encaravam, apetecendo por sua carne.

O alfa deu as costas para nós e meus irmãos, acompanhados de outros dois dragões começaram a chegar perto dela. Antes de içar voo, meu pai voltou seus olhos para mim, olhos não mais furiosos, ao contrário, expressavam um sincero perdão. Então senti e vi naquele momento uma mensagem me dando boas-vindas ao meu lar, dizia, que eu poderia abandonar o que vivi nos últimos meses e voltar a conviver com ele e meus irmãos. De fato, me sentia sossegado nas montanhas e ponderava que era a melhor opção para mim, viver pacificamente entre os de minha raça.

Comecei a bater minhas asas por felicidade de ter recebido uma segunda chance, de estar no lugar ao qual pertenço. Minha vida de peregrinação e lutas cansativas acabariam aqui, por fim, poderia repousar pacificamente no bico de uma montanha assistindo a luz do entardecer acobertar o continente. Esse seria meu paraíso pessoal nesse novo mundo me designado a viver, sim, tinha certeza que essa era uma verdade esmagadora, um desejo meu. Então, por que sentia algo aprisionar minha alma? Correntes invisíveis trancafiavam minhas asas e pernas, impedindo-me de se afastar daquela elfa. Era culpa dela? Olhei para Mina de relance, cercada por dragões.

Mais um de seus enigmas? Claramente, não tinha outra explicação. Seu medo me acorrentava a ela, sua única esperança de viver, mas...

"Obrigada". - Mesmo com a morte iminente diante de sua face.

"Eu estou feliz que tenha encontrado sua família, senhor dragão, espero que seja feliz". – Ela sorriu alegremente para mim.

Então senti uma pontada, entendi a verdade que circundava meu coração. Minha mente conturbada não queria ou só demorava a crer que as correntes que me aprisionavam não eram obra dela. Os dragões avançaram até ela, seu sorriso sumia na imensidão de seus corpos. Até um segundo rugido ecoar, não do alfa, muito menos de meus irmãos, mas um originado do fundo da minha alma! Quando minha boca novamente se abriu, as palavras que saíram dela alcançaram o alfa no céu, acendendo seus olhos entorpecidos.

Afastem-se dela! - Vociferei em forma de rugido. Voando até eles, mergulhei em seus meios, a protegendo abaixo de minhas garras. E abrindo impetuosamente minhas asas os empurrei para longe, usando minha cauda de escudo para me defender de suas retaliações. Agora sei que aquelas correntes não eram culpa dela e sim, dos meus próprios sentimentos.

"O que você fez? Agora mesmo nossas mortes não irão remediar a situação com o imperador. Os dragões destruirão nossas terras! ".

O alfa desceu dos céus, com a grandiosidade explanada em suas enormes asas, enraizadas, jogando poeira ao vento como também o restante das essências. No total, um grupo de cinco dragões me cercavam e três deles eram meus irmãos. É engraçado se paro para pensar, eu sei que mal daria conta deles, agora que desafiei o alfa extingui de vez as chances de sairmos vivos. Ela vale tanto a pena? Para arriscar a minha vida pela sua? Meu pai pode ter demonstrado clemência mais cedo, mas desta vez, nós iriamos morrer.

Será que o destino me daria uma terceira chance? Arrazoei, desistindo de resistir a eles. Quando o alfa investiu contra mim, fechei meus olhos esperando por seu golpe. Entretanto, de último momento, uma vontade pela vida cresceu, não pela minha. Bati as asas em um recuo, apanhando Mina com minhas garras. Eu podia ter desistido da minha vida, mas estava disposto a lutar pela dela. Sentia que esse era um propósito do qual não queria abrir mão e que poderia uma vez em duas vidas, fazer o que era certo.

Seria um ato heroico se tudo acabasse por aí, mas minha velocidade não se equiparava a de meu pai. No curto espaço de tempo em que resolvi reagir, suas garras já estavam a caminho de minha couraça. Era nosso fim, até que o corpo dele foi forçado contra o terreno, sobrepujado por uma criatura alheia, originando uma explosão de poeira. Quando tudo se acalmou, acima dele, o arrostando veementemente jazia outro dragão, mas não um macho, o que vi na criatura foi a face da minha própria mãe. Irritado com a intervenção repentina, o alfa reagiu e dois titãs começaram a brigar na minha frente, o som ensurdecedor de seus rugidos me enlouquecia. Ambos saíram voando descontroladamente, batendo nas montanhas, derrubando rochas.

Era a chance perfeita de escapar e salvar a vida de Mina, depois voltaria a ajudar minha mãe. Mas me vi encurralado por meus irmãos, não vi escolhas a não ser batalhar contra eles. Eu não era páreo, sentia suas unhas rasgarem minha couraça, mas focava em tentar proteger a garota. Sangue escorria de meu corpo ferido, apanhei Mina e sai voando por entre montanhas, precisava fugir enquanto era tempo. Eles me seguiam sem descanso, enquanto acima de nossas cabeças, nossos pais dilaceravam montanhas.

Um clarão vermelho iluminou os céus, não era proveniente de um raio, mas de uma chuva de fogo expelida pelo alfa que coruscava na noite iluminando as montanhas. Suas chamas recaíram sobre mim, queimando meu corpo e minhas asas que usei para acobertar Mina. Com o ardor das feridas e muito frágil, desabei de encontro ao terreno batendo minhas costas contra a terra. A menina fora arremessada para longe de mim.

Um dos dragões ceifaria a vida dela se meu corpo não se movesse, ele arremetia para estraçalhar sua carne. Eu temia não conseguir a tempo. Talvez tenha chegado a hora de mostrar que também sou um deles, que também, sou filho do alfa. Apenas movimentando minha cabeça, mirei em sua direção, o olhando se deslocar no ar. Suguei o ar para dentro dos meus pulmões até sentir meu corpo aquecer e ficar a ponto de entrar em erupção. Estava na hora! Cuspi a onda de chamas de dentro do meu âmago, ela queimou a terra barrenta abaixo de mim em um disparo certeiro que derrubou o dragão. Recuperei-me da queda antes que os restantes chegassem. Voei até Mina a apanhando, ela tinha desmaiado, não me seria útil em nada. Aquele dragão não demoraria acordar, precisava fugir não importando o que estivesse em meu caminho ou seria o fim para nós dois. Mas quando decolei em direção ao mar, pousei outra vez na terra, porque a minha frente de olhos sedentos se colocou o dragão alfa, evidenciando que minha mãe perdera a batalha e que pelo visto, era a minha vez.

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