O que habita em mim

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Eles começam a atacar novamente, tenho ciência que preciso agir sem me esquecer do dever principal de proteger Mina, o objetivo dessa batalha. Aproveito que ela ainda está por perto, seguro com afabilidade a flecha em seu ombro e a quebro pela metade, mitigando o peso exercido sobre sua ferida. Poderia a remover por inteiro de seu corpo, mas o ferimento é fundo e a ponta parece ter ido longe em sua carne, poderia até mesmo ficar presa. Então não conseguiria fazer isso sabendo que na tentativa de a extrair sem as devidas preparações, poderia acabar a ocasionando uma vasta dor.

- Esconda-se e cuide de seu ferimento, vamos precisar de sua ajuda mais tarde.

- Espere! – Mina diz assim que me precipito um passo. – Elfos supremos podem usar magias poderosas graças a nossa ligação com a natureza. Meu pai pode estar velho, mas também ascende dessa linhagem, não o subestime.

Gesticulo com a cabeça, ilustrando ter entendido seu aviso e avanço para onde Seylas lutava. Mas quando chego no local, tudo o que vejo são dezenas de elfos caídos, porque diante da voracidade dela, a chama da vida se extinguira em cada um deles.

- Que mirabolante! – Mazael, sossegado diante daquela cena, passa a bater palmas. - Não é à toa que ficou conhecida como a elfa sanguinária. Não me restam escolhas senão a enfrentar pessoalmente.

- Cuide bem dela. – O rei diz e me olha. – Ficarei responsável em dar as boas-vindas ao nosso convidado. E depois de trazermos a antiga glória ao reino élfico com Seylas como rainha, poderei descansar ao lado de Talkien.

- Sim. Seylas, nós devemos ir a outro lugar, não quero atrapalhar a dança de sua majestade. – Mazael cordialmente solicita.

- Eu não sei qual é o seu nome, mas conto com você. – Seylas diz ao focar seus olhos em mim.

Junto à Mazael, ela desaparece em saltos por entre as árvores, ficando somente o rei e eu a nos afrontar. Mina aproveitou a deixa para se afugentar de nossas vistas e se curar sem demais interrupções. Novamente o clima na floresta muda com a ausência da Seylas. Um silencio penetra e paira sobre o ar, uma quietude capaz de fazer o sangue em minhas veias tremular. A explicação era razoável, a verdade é que não fui capaz de perceber até estar diante da atual situação, mas olhar para o pai dela é aterrorizante, os pelos dos meus braços sobressaltaram por inteiro com o terror refletido em seus olhos glaciais. Essa é a verdadeira presença de um elfo supremo? Ele dá um passo à frente e meu instinto me diz para fugir enquanto há tempo, não conheço esse mundo e as monstruosidades que residem em seus afins, mas posso dizer confiantemente que ele é uma delas.

- Eu gostaria de fazer uma pergunta.

Conservo-me calado.

- Donde conhece minha filha? É estranho. Seria você... O dragão daquele dia?

Meu coração dispara, mas continuo sem me impor.

- Eu vivi por centenas de anos, presenciei a truculência e a cor do sangue, patenteei os mistérios do mundo. Pode se esconder por trás de suas vestes, mas sinto o fedor de sua existência, o mesmo odor do assassino da minha falecida esposa.

- Você não sabe nada de mim, velho, não aja como se conhecesse meu passado. Mina lutou para chegar até aqui e minha única certeza é que vou a proteger de você. Uma escória capaz de matar a própria filha não merece continuar existindo, vou garantir que fique longe dela.

- Entendo. Essa é a sua opinião sobre mim, mas não se pode alcançar a vitória sem sacrifícios. Um pai que coloca a própria filha na guilhotina pelo bem de seus semelhantes, onde mais poderá encontrar essa coragem?

- Desculpas sobre desculpas, sacrifício é o ideal dos tolos, não se pode alcançar a paz pisando em cadáveres! Esse é só mais um pretexto para ofuscar o medo de sua incompetência como rei, e da sua inabilidade em proteger aqueles que você ama.

O renascer - Aprendendo a viver.Onde histórias criam vida. Descubra agora