Entre a vida e a morte

355 43 6
                                    


Que vida curta, novamente encarando os globos oculares da morte sem ter o que fazer para evitá-la. Eu já morri uma vez no meu velho mundo, não é nada agradável e adoraria evitar uma segunda oportunidade. Mas também não quero desistir, principalmente porque não estou sozinho. Olhei para Mina, desacordada perto de mim. Sei que se a deixasse poderia escapar com vida, a proteger não é fácil, me feri tentando.

Eu também era tão fraco assim quando humano? Pode ser que todos nós sejamos. Humanos, elfos ou monstros, diante da verdadeira força sempre somos esmagados facilmente. Porém, Mina foi uma frágil flor que conheci no mar, não posso esquecer de sua coragem ao mergulhar nas profundezas para me salvar. A atual situação não é diferente, se não puder salvá-la que dragão patético seria, deixando uma elfa ser mais corajosa do que eu?

Quando os outros vieram, eu lutei contra eles. Ainda que suas garras me cortassem e que meu sangue pintasse o terreno abaixo de meus pés, recusei a me afastar dela. Eu lutei, até minha vista não mais distinguir o cenário ao meu redor, lutei, até que meus olhos fragilizados, outra vez, se tingissem de vermelho com os ferimentos de meu corpo. E no fim, olhei para meu pai com o espírito berrante de minha alma e disse o confrontando: "Eu ainda estou vivo". Suas narinas atearam o ar quente de seus pulmões. Minha visão lentamente nublava já não mais aguentava ficar de pé. Entregava-me ao terreno com a fraqueza desgastando o restante da minha força, observando os olhos de desprezo do alfa, me encarando pela última vez...

Um som ecoava, brando, constante.

"Acorde, por favor... Acorde! ".

Um grito angustiado penetrou meus pensamentos, fazendo meus olhos entorpecidos se abrirem. O sol brilhava, a tempestade não mais ofuscava sua luz. Anêmico, eu permanecia caído no terreno. Mas nem tudo me desanimou, pensei ser um milagre e mesmo que ferido meu coração pulsou forte. Mina orava ajoelhada a minha frente, com dúzias de lágrimas em seus olhos.

"Você está vivo! ".

Ela envolveu minha cabeça em seus acanhados braços, não tendo nenhum ferimento profundo em seu corpo.

"Ainda bem... Eu pensei que estivesse morto".

O sorriso de felicidade em sua face pálida se fechou, como também seus olhos no tempo em que seu corpo caía de encontro a terra, mas nada consegui fazer para impedir. Com o tempo, recuperei um pouco da minha força, embora os ferimentos em meu corpo continuassem expostos, dificilmente se curariam com facilidade, eu fui redondamente derrotado por meus irmãos. Naquele momento, antes de meus olhos sucumbirem de uma vez, lembro do rosto do alfa me encarando sem qualquer traço de piedade.

Quanto tempo passou?

A dor me mostrou não ser um sonho, eu ainda vivia e de medo, tudo o que queria fazer era sair voando daquele lugar, para nunca mais voltar. Depois de a segurar com minhas garras, alcei voo daquela região amaldiçoada. Por sorte não via nenhum sinal de meu pai ou de meus irmãos. Eu cambaleava no ar, sem muita força para adejar, porém, tinha a missão de voltar até o navio. Precisava que Mina vivesse já que jurei a mim mesmo a proteger e essa promessa, foi meu combustível para continuar seguindo em frente.

Com as horas, uma de minhas asas queria ceder ao cansaço. Se este não fosse o corpo de um dragão, eu já teria morrido dez vezes com a dor extenuante que pouco a pouco me consumia. E a cada bater delas sentia que se quebrariam com o vento. Tentava ignorar, mas minha mente desconhecia essa vontade de esquecer a questão que insistentemente vagava por meus pensamentos: por que permanecia vivo? Essa pergunta me trouxe múltiplas emoções, sentimentos que se combinavam formando um pandemônio obscuro no meu coração. Eu jamais pensei que um dia, experimentaria da raiva e da angústia, por continuar a viver.

Quando finalmente voltei para o navio, Seylas despejou lágrimas com Mina em seus braços. A ver, me consternou profundamente, por saber ser culpa dessa minha fraqueza. Como de costume não sabia o que pensar, ou soubesse e estivesse mentindo para mim mesmo, a ver chorar me fez entender o quanto continuo sendo um inútil. Ainda que tenha recebido uma oportunidade de fazer tudo certo, continuava errando sem nunca aprender o porquê. Se me vejo incapaz de proteger alguém nessa vida, de que modo esperava cuidar de Liz na passada?

"Recorde-se Ethan", dizia a mim mesmo.

Por que comemorei ao me tornar um dragão? Essa felicidade inocente que senti, não foi uma benção e sim uma maldição, um castigo por nunca ter me importado com as pessoas ao meu redor, por ter sempre ignorado os cumprimentos alheios, eu não servia mais para ser humano. Eu era um cara antissocial e desinteressado no mundo, sabendo que tudo o que precisava já estava ao meu alcance. Então não queria nada ou mais ninguém, o futuro que sonhei me cortejava todos os dias durante as aulas, na forma de uma adorável garota chamada Liz. Sim, estava apaixonado por um anjo, tudo nela me fascinava, até mesmo o jeito doce que me narrava suas histórias enquanto sorria festivamente com os olhos. Eu amava rir de suas piadas, por mais toscas que essas fossem. Ouvir de suas canções, ainda que errasse toda a letra, ela me prendeu ao seu jeito encantador de ser e mergulhei cegamente, dentro daquele mar de felicidade que era a Liz.

Apesar disso, fui egoísta a ponto de esquecer seus sentimentos, de esquecer, de nossa amizade que perdurava por longos anos, pensando somente nesse amor doentio dentro do meu coração. Agora entendo, nessa ou em outra vida, mesmo numa conseguinte, pouco importa onde ou como, eu jamais vou mudar. Abandonei minha vontade de viver quando a perdi de vista, crescendo nesse novo mundo, distante de tudo e todos. Não estava sendo cauteloso quanto a encontrar humanos, estava apenas fugindo de mim mesmo. Se não mais tivesse Liz ao meu alcance, o resto não me importava, mas em algum momento por conviver com Mina, descobri que a usava para preencher esse vazio. Se eu me afastasse, talvez não destruísse o mundo delas, como fiz com o de Liz.

"Ela vai morrer". – Escutei uma voz em meus pensamentos.

"Se você não ajudar... Mina vai morrer! ". – Desacreditado, vislumbrei a face enraivecida de Seylas e seus olhos brilhantes, de uma cor escura, um brilho forjado em rancor.

"Seus ferimentos estão melhores? ". – Perguntou a mim. – "Por sua causa... Mina novamente usou magia".

Eu continuei sem esboçar reação. Seylas falava comigo fluentemente, uma coisa que só Mina deveria conseguir.

"Mesmo eu dizendo para ela não ir, veja o que aconteceu! É sua culpa, demônio, por que você entrou em nossas vidas? Por que não desapareceu naquela montanha, junto aos de sua raça? Estávamos tão bem sozinhas até você aparecer! Assuma a responsabilidade por sua incompetência, faça algo... Salve-a! ". – As lágrimas voavam de seus olhos furibundos. Ela apanhou um punhal de sua cintura, rabiscando velozmente o chão de madeira do navio em um pentagrama e segurando o corpo de Mina com afabilidade, a repousou em uma das duas marcações esquematizadas.

"Se existe alguma vantagem nessa sua vida inútil é hora de me mostrar. Eu não me orgulho do que estou pedindo, mas só com sua ajuda posso evitar que ela morra. Se alguma vez se importou com ela, entre no outro círculo".

Eu era esmagado por sua raiva, de coração odiava essa elfa.

"Rápido! ".Vociferou, com a faca cortou um dos pulsos de Mina, deixando seu sangue fluir pelos riscos na madeira. Ele tingiu a metade do círculo com sua cor rubra, deixando a outra ilesa.

"Preenche o restante com o seu sangue e ela estará a salvo! ".

Eu não tinha ideia de como terminaria, falhei duas vezes, uma com Liz e a outra em proteger Mina, não pretendia uma terceira.

Adentrei o círculo e com minha cauda, atingi meu próprio corpo, visto os ferimentos anteriores não mais sangrarem. O líquido esverdeado escorreu de dentro de mim até minhas patas e por fim, nas linhas, aperfeiçoando a outra metade do desenho com sua cor. A partir do instante em que nossos sangues se encontraram foi quando tudo aconteceu, e dali em diante, mal esperava que minha vida fosse mudar de uma maneira tão drástica.

O renascer - Aprendendo a viver.Onde histórias criam vida. Descubra agora