Capitulo 10

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Capítulo 10




Uma dor lancinante dominou minha cabeça por completo quando meu cérebro finalmente se deu conta de que meus olhos estavam abertos. Voltei a fechá-los com força, tentando fazer com que aquela dor passasse ou pelo menos diminuísse, mas parecia que só alguns comprimidos e o tempo a fariam regredir até sumir completamente. Maldita tequila. 
Me sentei na cama, com uma mão do lado esquerdo da cabeça, sentindo meus cabelos levemente úmidos, e abri o olho direito para me localizar. Definitivamente eu nunca estive naquele lugar antes, nunca tinha visto aquelas paredes e móveis brancos, muito menos um quarto tão grande como o qual eu estava agora. Aquele cômodo sozinho equivalia à metade da minha casa, e pelo extenso corredor que a porta aberta revelava, o resto do apartamento era ainda maior. 
E foi só então que eu vi a pessoa que havia me cumprimentado quando acordei. Apesar de estar sentada na ponta da cama gigante e bem no meio do meu campo de visão, eu demorei alguns segundos pra vê-la, e mais alguns pra finalmente reconhecê-la. Os mesmos olhos que ontem me passavam segurança, hoje pareciam cansados, sonolentos, e ostentavam leves olheiras arroxeadas de quem tinha passado quase a noite toda em claro. 
Abri o outro olho, já mais acostumada à claridade, e o encarei, tentando organizar minha mente. O que eu estava fazendo naquele lugar estranho? Por que ele estava ali? 
- Pensei que não fosse acordar mais – Louis murmurou com a voz reservada, piscando lentamente e desviando seu olhar do meu. 
- Que lugar é esse? – gaguejei com a testa franzida, sentindo minha voz falhar em algumas sílabas – Você disse que ia me levar pra minha casa. 
- E eu ia – ele confirmou, enquanto olhava na direção da janela, e um leve sorriso divertido surgiu em seus lábios – Mas você dormiu antes de me dizer o endereço. 
Me lembrei rapidamente de alguns momentos da noite anterior. A festa de Kelly, as doses de tequila, a brutalidade de Paul, a conversa com Louis no carro... Tudo parecia tão vago, tão distante, como se tivesse sido apenas um sonho muito real, que eu me sentia estranha por ter passado por aqueles momentos de verdade. 
- Então por que não me acordou? – perguntei, com a testa levemente franzida em um tom defensivo – Por que me deixou dormir? E que lugar é esse afinal? 
- Você sempre acorda assim, disparando perguntas? – ele resmungou, fechando pesadamente os olhos e mantendo um esboço de sorriso no rosto. Ele podia estar achando graça, mas eu não. 
- Não, porque não costumo acordar num lugar totalmente estranho com uma pessoa estranha me observando! – retruquei, irritada, e ele voltou a me encarar, novamente daquele jeito firme apesar do cansaço aparente. 
- Ontem você acabou dormindo no carro, e eu não consegui te acordar de jeito nenhum... E acredite, eu tentei de todas as maneiras que conheço – Louis respondeu, com um pouco de rispidez na voz - Como não sabia seu endereço, resolvi te trazer pra minha casa, mas tô vendo que devia ter te deixado na rua mesmo. 
Meus olhos passaram rapidamente pelo quarto, analisando novamente todos os detalhes e ignorando sua brutalidade. Então aquele era o apartamento dele. Olhei pra baixo, e me vi enroscada num lençol, com roupas diferentes das que eu vestia ontem. Quando finalmente a ficha caiu, soltei um grito horrorizado e me enrolei nas cobertas, me cobrindo até o pescoço. 
Eu estava de roupas íntimas. Na casa do professor Tomlinson. 
- O QUE É ISSO? – berrei, em pânico, e vi que Louis estava com os olhos arregalados e um pouco encolhido de susto – POR QUE EU NÃO ESTOU VESTIDA? 
- Tá, agora você tem motivos pra disparar perguntas – ele respondeu, se endireitando novamente, meio sem jeito – Essa parte da história foi culpa minha. 
- COMO É QUE É? – gritei, me abraçando firmemente – VOCÊ TIROU MINHA ROUPA ENQUANTO EU TAVA DORMINDO? 
- Eu disse que tentei de várias maneiras te acordar ontem, e uma das minhas tentativas foi te colocar debaixo do chuveiro gelado... O que não funcionou, pelo que você pode perceber – ele explicou, um tanto encabulado – E pra isso, eu achei... Conveniente tirar seu vestido. 
- CONVENIENTE? COMO VOCÊ TIRA MEU VESTIDO SEM O MEU CONSENTIMENTO E TEM A CORAGEM DE DIZER QUE ACHOU CONVENIENTE? – exclamei, sentindo a dor de cabeça quase explodir meus miolos, mas com raiva demais pra me acalmar. 
- Dá pra você falar baixo, por favor? – Louis pediu, com a voz elevada e os olhos fechados, acompanhados pela testa franzida de irritação – Se você tentasse ignorar sua opinião sobre mim e não tirasse conclusões precipitadas sobre o que aconteceu antes de me ouvir, as coisas seriam bem mais simples. 
Fiquei em silêncio, mas não porque ele pediu, mas pelo choque de estar nas minhas condições físicas atuais. Ainda me abraçando, com os músculos tensos, eu esperei até que ele voltasse a falar, encarando-o com raiva. 
- Não vou dizer que não foi difícil pra mim resistir, porque foi. Eu sou homem, não consigo evitar esse tipo de pensamento. Mas eu não fiz nada, acredite você ou não. Acha que eu queria que você dormisse aqui? Acha que eu planejei isso, que eu fiz de propósito pra poder dormir com você? Eu não sou santo, mas não me aproveito de mulheres inconscientes pra conseguir o que quero. Não preciso disso. 
- Você não espera que eu acredite nessa sua versão fajuta dos fatos, espera? Porque sinceramente, eu não engoli uma palavra do que você disse – rosnei, com vontade de sair correndo dali, mas pra isso, eu precisava do meu vestido – Eu jamais devia ter aceitado entrar num carro com você, onde eu estava com a cabeça? 
Louis desviou seu olhar do meu, olhando novamente pela janela com a expressão derrotada. Ontem ele quase conseguiu me amolecer com sua atitude politicamente correta, mas se agora ele queria o mesmo efeito, teria que ir muito mais além daquela carinha de cachorro sem dono. 
- Nada do que eu diga ou faça vai te fazer mudar de idéia, não é? – ele murmurou, com os olhos cerrados pela claridade e a testa pesadamente franzida sobre eles – Eu devia ter feito tudo errado, só pra poder me sentir devidamente culpado pelas suas acusações. 
Sua voz estava carregada de frustração, demonstrando que ele estava num dos seus raros momentos de sinceridade. Seus lábios estavam contraídos, seu maxilar estava tenso, seus olhos estavam fixos em algum ponto lá fora, mas ainda assim eu podia enxergar ressentimento neles. E se ele realmente estivesse dizendo a verdade? Se ele tinha sido capaz de fazer boas ações por mim, porque não acreditar em sua versão, já que eu não estava consciente pra comprovar a minha? 
- Onde está meu vestido? – falei baixo algum tempo depois, sem conseguir esconder meus pensamentos conflituosos na voz e na expressão confusas. Louis se levantou, sem olhar pra mim, e novamente eu senti falta de seu contato visual. Ele era uma pessoa muito misteriosa pra mim, e sempre que ele me olhava, era como se eu pudesse lê-lo, decifrá-lo, entender o que ele estava pensando. Quando ele não me olhava, eu ficava no escuro, sem saber onde estava pisando. Ele caminhou pra fora do quarto e sumiu de vista por alguns segundos, até surgir novamente com meu vestido nas mãos. Sem nem se aproximar muito e ainda evitando meu olhar, ele o deixou sobre a beira da cama e saiu, fechando a porta atrás de si pra que eu me trocasse. Como se ele já não tivesse me visto de calcinha e sutiã. 
Continuei sentada por alguns minutos, encarando os lençóis bagunçados ao meu redor. Meus sentimentos estavam remexidos, misturados, fundidos numa grande bola de neve. Ainda meio em transe, fiquei de pé e peguei meu vestido, colocando-o facilmente. Assim que o tecido deslizou pelo meu rosto, pude sentir o perfume masculino dele impregnado na roupa. Provavelmente ele tinha ido parar ali quando Louis me carregou até o apartamento ontem. 
Por um segundo, imaginei como teria sido pra ele ter me visto daquele jeito. Vulnerável, indefesa, desmaiada, totalmente sob o comando dele. Me lembrei do que ele tinha dito sobre resistir àquela situação, e estremeci de medo. Estranhamente, não de medo dele, e sim pelo fato de não estar consciente e não ter noção do que se passava ao meu redor. Eu odiava essa sensação. E por pior que aquilo pudesse parecer, eu tive a intuição de que ele não tinha me feito nada de mal. Se tivesse, estaria jogando na minha cara que conseguiu o que tanto queria, e não o contrário. Me sentei novamente na beirada da cama e calcei meus tênis que estavam ao lado da cama, ainda pensativa. Peguei minha bolsa, que estava sobre o criado-mudo, e após verificar rapidamente se tudo estava em seu devido lugar dentro dela, deixei o quarto, procurando por Louis, encontrando-o no cômodo ao lado. 
Parei à porta aberta, me deparando com uma única parede azul em meio às outras três brancas, uma cama tão grande quanto a que eu tinha dormido, já arrumada, e um par de ombros nus e muito bem definidos. Sem querer, meu olhar se demorou nessa última parte em especial. Louis, que estava virado de costas pra mim enquanto desvirava sua blusa do avesso, virou apenas a cabeça na minha direção, e encarou meus olhos confusos com uma certa indiferença. 
- Se sente melhor agora que está vestida? – ele perguntou secamente, voltando sua atenção pra blusa em suas mãos e vestindo-a num segundo. Por um momento eu quis responder que preferia estar de roupas íntimas, desde que ele também estivesse. 
- Sim, muito – respondi enfatizando a última palavra, abafando a onda de calor que subitamente percorreu meu corpo e tentando ignorar o fato de que meu vestido cheirava maravilhosamente bem devido ao seu perfume e fazia questão de me lembrar disso cada vez que eu respirava. 
- Ótimo – Louis acrescentou com a mesma indiferença de antes, ficando de frente pra mim – Então vamos. 
Franzi a testa quando ele caminhou na minha direção, bagunçando de leve os cabelos com as pontas dos dedos e novamente evitando meu olhar, e eu preferi não continuar olhando-o e acabar demonstrando minha súbita hipnose na expressão. 
- Vamos? Pra onde? – questionei, enquanto ele passava por mim, aproximando perigosamente seu abdômen sarado de meu corpo. 
- Eu vou te levar até a sua casa – ele respondeu, ainda daquele jeito duro, como se o que ele dizia fosse totalmente óbvio - Pelo que sua mãe me explicou, você mora um pouco longe daqui, então eu pensei que uma carona de carro seria útil. 
Arregalei meus olhos, sentindo minha garganta secar. Ele tinha falado com a minha mãe? Como? Quando? Onde? 
- Antes que você comece com as suas perguntas, sim, eu falei com ela – ele leu minha mente, parecendo impaciente ao ver o choque em minha expressão – Não ia deixá-la preocupada com o seu paradeiro, ela não parava de ligar pro seu celular e eu resolvi atender. Mas fique tranqüila, eu expliquei tudo o que aconteceu e ela acreditou na minha versão da história. Ficou bem mais calma sabendo que você está em boas mãos. 
Continuei encarando-o, sem saber o que pensar. Que versão da história seria aquela que faria minha mãe se acalmar diante de meu sumiço? Se antes eu estava confusa, agora meus neurônios pareciam ter dado vários nós cegos entre si. Louis Tomlinson falando com a minha mãe... Dói só de tentar imaginar uma cena tão estranha. E desde quando as mãos dele eram boas mãos? Minha mãe realmente não tinha noção dos horrores que dizia. 
- Eu devo estar dentro de um sonho muito esquisito – falei, rindo da minha própria bagunça mental – Não é possível que da noite pro dia tudo isso tenha acontecido, que todas essas loucuras tenham se tornado realidade. 
- Desculpe te informar, mas essa é a mais pura verdade – Louis disse, entediado – Podemos ir agora? Eu ainda tenho muita coisa pra fazer hoje. 
Suspirei, derrotada e com uma pontinha de irritação, e apenas assenti. Já que a casa dele era realmente longe da minha, uma carona seria o mínimo que ele podia fazer por mim depois de todos os misteriosos acontecimentos da noite anterior. Ele caminhou em direção à porta, e eu apenas o segui, sem dizer uma palavra sequer e observando discretamente a imensidão daquele apartamento. Descemos pelo elevador, e vinte e três andares depois, estávamos na garagem. Todos os carros estacionados ali eram incrivelmente lindos e caros, o que me fez pensar de que mundo ele vinha. O carro mais barato ali era provavelmente a BMW preta de Louis, que não estava sozinha nas três vagas reservadas para seu apartamento. Uma Ferrari vermelha e sua familiar moto amarela de todo dia ocupavam os outros dois espaços, o que só me fez ficar ainda mais perdida. 
- Esses carros... São seus? – perguntei, apontando pra BMW e depois pra Ferrari, com uma cara impagável de perplexidade. 
- São – Louis respondeu, com uma normalidade deprimente – Pensei que já conhecesse a Ferrari. 
Virei minha cabeça devagar em sua direção até meus olhos incrédulos encontrarem os dele, fingindo que eu não existia. É agora que eu descubro as câmeras ou isso realmente não era uma pegadinha? 
Louis tirou uma chave de carro do bolso, caminhando até um dos veículos. Apertou o botão do alarme e se dirigiu à BMW, abrindo a porta do motorista e voltando a me olhar ao perceber que eu ainda estava imóvel. Ainda sem acreditar naquilo, caminhei lentamente até a porta do carona, e entrei no carro em silêncio. Olhei pelo vidro para a Ferrari estacionada ao meu lado e reconheci seu interior, me amaldiçoando mentalmente por estar tão transtornada na noite anterior a ponto de entrar num carro daqueles e não me lembrar disso. 
Louis deu ré e seguiu em direção à saída do estacionamento subterrâneo, logo fazendo com que o forte sol invadisse as janelas sem piedade de meus globos oculares. Cerrei meus olhos, incomodada, e ele estendeu uma mão até o porta-luvas, tirando lindos e visivelmente caríssimos óculos escuros de lá. Me senti tão insignificante quanto o estofado do assento quando ele colocou os óculos, que se ajustavam perfeitamente ao formato de seu rosto. 
- Onde mais você trabalha pra conseguir essas coisas todas? – perguntei, finalmente falando após o que me pareceu uma eternidade de mudez, com a expressão desconfiada. Foi bom saber que eu ainda não tinha me esquecido de como falar, eram tantos acontecimentos inacreditáveis que eu provavelmente estava entrando em estado de choque. Louis não pareceu me ouvir, abrindo os vidros e deixando que o vento bagunçasse nossos cabelos. 
- Sabia que gigolôs ganham muito bem por aqui? – ele respondeu, sem expressão enquanto olhava pra frente, e eu gelei. Provavelmente vendo minha cara horrorizada, já que eu não podia confirmar isso por causa de seus óculos, eu vi um teimoso sorrisinho de canto surgir em seu rosto. 
- O patrimônio de minha família me permite “conseguir essas coisas todas” – ele disse, sendo sincero agora, e eu senti meus ombros relaxarem imediatamente com a resposta aceitável – Sua cara de choque valeu meu dia. 
-Idiota – murmurei, revirando discretamente os olhos e virando meu rosto pra janela ao meu lado. 
-Se você quase acreditou que eu era um gigolô, é porque eu sou muito pior que um idiota pra você – ele falou, com um senso de humor mórbido na voz enquanto parava num sinal vermelho. 
- Você nem imagina o quanto – rosnei, ficando mais irritada a cada segundo. Não saber definir as pessoas era algo que me deixava profundamente incomodada, e Louis era exatamente o tipo de pessoa indefinível o suficiente pra me enfurecer. Ele tinha várias faces, uma completamente diferente da outra, como se fossem várias personalidades dentro de uma pessoa só. Eu conhecia bem seu jeito sujo e desonesto, mas por vezes ele se mostrava alguém completamente oposto... Alguém bom. Preferia me manter distante daquela encrenca, obrigada. 
- Eu até imagino – ele retrucou, hostil – Mas prefiro ouvir da sua boca. 
Olhei pra ele com a testa franzida de deboche, e vi que ele também me encarava, novamente com os lábios contraídos de raiva. Agora eu conseguia ver seus olhos pelo ângulo em que a luz do sol batia nas lentes dos óculos, e vi que eles me fitavam desafiadoramente. 
- Eu acho que você é um filho da puta de um pedófilo, safado, mal amado, nojento, desprezível, broxa, ridículo, estúpido, grosso, pilantra e arrogante – eu disparei, sustentando seu olhar com avidez. Definitivamente eu tinha feito uma descoberta: falar mal das pessoas na cara delas era extremamente terapêutico. 
Louis continuou me encarando, parecendo não acreditar na quantidade de xingamentos que eu tinha usado para defini-lo, e eu percebi que o sinal estava verde, já que os carros à nossa frente começavam a andar. Ele pareceu não se dar conta disso, estava inconformado demais com a minha resposta pra prestar atenção em outra coisa. O silêncio tenso entre nós, junto com a expressão dele, de quem estava prestes a triturar meus ossos, só aumentou a impressão de que se direitos humanos não existissem e não dessem cadeia, eu estaria fodida. 
Só quando os carros atrás de nós começaram a buzinar, Louis suspirou lenta e profundamente, contendo-se, e voltou a olhar pra frente, desfazendo nosso contato visual intenso com dificuldade. Arrancou velozmente, fazendo os carros que buzinavam atrás de nós comerem poeira, e passou a segurar o volante com força, controlando-se pra não me quebrar em pedacinhos. Ele podia estar querendo muito, mas não era doido de tentar encostar um dedo em mim. 
Chegamos sem demora à minha casa graças à direção acelerada dele, sem dizer mais nenhuma palavra pelo caminho. Assim que ele estacionou na frente de minha casa, abri a porta, sem ousar olhá-lo, e quando estava prestes a sair do carro, ouvi sua voz dizer, extremamente trêmula de ódio: 
- Não precisa se preocupar, nunca mais vou olhar na sua cara. 
Virei meu rosto na direção dele, e vi que ele encarava algum ponto à sua frente, com os maxilares tensos e as veias do pescoço levemente saltadas. Suas mãos agarravam o volante, perigosamente fortes, o que só tornava sua ira ainda mais visível. Parecia que eu realmente tinha conseguido o que tanto queria, me livrar dele de uma vez por todas. 
- Ótimo – murmurei, esperando a alegria imensa me dominar por aquele momento tão perfeito, que curiosamente parecia não querer chegar. Engoli em seco, sentindo meu olhar se tornar inseguro enquanto viajava por suas feições fechadas, e num movimento brusco, saí do carro, batendo a porta com uma certa força. Nem bem eu o fiz e Louis já estava longe, acelerando assustadoramente depressa e fazendo meus cabelos voarem na direção do vento. 
Observei a BMW se afastar rapidamente, sentindo uma coisa esquisita dentro de mim. Suspirei profundamente, agora com o olhar vago em meus pés, tentando reprimir aquela coisa ruim que insistia em se alastrar pelo meu corpo, me desanimando por completo. 
Eu não podia estar triste, ele finalmente estava fora do meu caminho! Aquilo era tudo o que eu sempre quis desde a primeira vez em que o vi, e agora que tinha finalmente acontecido, eu não podia admitir que meu único sentimento fosse de remorso. Tudo que eu conseguia sentir era peso na consciência, decepção comigo mesma por ter sido injusta com uma pessoa que talvez não merecesse tanta crueldade. Afinal de contas, se não fosse por ele, os estragos de Paul teriam sido imensuravelmente piores. 
Fechei os olhos com força por um momento, desanuviando minha mente e me esforçando para parecer despreocupada. Me virei na direção de minha casa, tentando fingir que estava tudo bem, e a cada passo eu ficava mais convicta de uma coisa. 
Não estava tudo bem. 

Acordei no dia seguinte com a sensação de que tinha acabado de pegar no sono. Após um longo dia de explicações e adaptações dos verdadeiros acontecimentos pra minha mãe, que estava aflita me esperando chegar, eu passei a noite inteira rolando na cama, inquieta. Nada parecia fazer sentido, nada parecia ser coerente, tudo estava desconexo, bagunçado, confuso. Por mais que eu tentasse compreender a insistente culpa dentro de mim, não conseguia encontrar uma explicação que prestasse. 
Me levantei antes mesmo que o relógio despertasse, anunciando que eram 6 da manhã de segunda-feira, e fui tomar banho, com a falsa crença de que uma ducha quente fosse melhorar meu humor. Uns trinta minutos depois, eu já estava me vestindo desanimadamente, e logo depois penteando meus cabelos, de frente pro espelho. Assim que terminei, encarei meus próprios olhos, cansados pela noite em claro, e decidi que ia terminar com aquela angústia. Eu precisava pedir desculpas a ele, precisava pelo menos tentar. Só assim eu conseguiria afastar aquele mal estar de mim. 
Tomei meu café-da-manhã em silêncio, só respondendo uma coisa ou outra quando mamãe perguntava, e logo estávamos estacionando na frente da escola. Um arrepio percorreu minha espinha enquanto caminhava pela entrada do colégio, e meus olhos logo encontraram uma Katherine tensa me encarando de volta. 
- Oi, Mel – ela murmurou, com um sorriso triste, e me abraçou carinhosamente. Ela sabia sobre a festa no sábado, eu tinha lhe contado tudo por telefone no dia anterior. Bem, quase tudo, só preferi deixar de lado a parte que envolvia meu comportamento estranhamente triste por causa do Tomlinson. 
- Parece que eu não te vejo há anos – suspirei, abraçando-a com mais força. 
- É mesmo – ela concordou, se afastando alguns segundos depois pra poder me olhar – Você tá tão abatida... Tem certeza de que está bem? 
- Tenho – menti, empurrando a verdade garganta abaixo – Só tô um pouco cansada. 
Nos sentamos em nosso lugar de sempre, esperando até que o sinal tocasse, e senti Katherine me cutucar discretamente enquanto conversávamos. Me virei na direção que ela me indicou, e só quando meu olhar encontrou o dele, me lembrei de que Hazza existia. Me senti estranha quando ele sorriu pra mim, especialmente radiante como em toda segunda-feira, e tudo que consegui fazer foi esboçar um sorriso fraco de volta. Senti como se não merecesse aquele sorriso dele. 
- Bom dia, Dobrev - ele cumprimentou quando passou por nós, como sempre fazia, e logo depois se dirigindo a mim e abaixando seu tom de voz – Bom dia, pequena. 
- Bom dia – gaguejei, mal conseguindo sustentar seu olhar alegre. Parecendo alheio a qualquer sinal de tristeza meu, Hazza seguiu até a sala dos professores, e assim que o vi fechar a porta atrás de si e sumir, soltei o ar que estava preso em meus pulmões, finalmente relaxando. 
- Você vai contar a ele? – ouvi a voz cuidadosa de Katherine perguntar, e apenas fiz que não com a cabeça, sem olhá-la. Contar a Hazza o que quer que fosse não estava nos meus planos, ele não merecia saber das ameaças de Kelly, muito menos de nada que se passava na minha mente. Não queria ser injustamente cruel com mais alguém. 
As três primeiras aulas se arrastaram morbidamente. Eu mal conseguia prestar atenção na matéria, minhas mãos estavam trêmulas pra copiar, um aperto na boca do estômago me impedia de desviar meus pensamentos daquela tortura repentina. Por mais que eu respirasse fundo e fechasse os olhos por alguns segundos, meu mal estar só se ausentava momentaneamente, voltando ainda pior logo em seguida. 
No intervalo, desci as escadas em silêncio com Katherine, querendo logo que aquele dia acabasse. Ela parecia entender minha introversão e se manteve quieta, me deixando pensar sem interrupções. Como se houvesse algum jeito de interromper minha aflição infundada. Sentamos no mesmo canto de sempre, e enquanto ela terminava uns exercícios de matemática, eu observava vagamente o fluxo de pessoas pelo pátio, até meus olhos novamente encontrarem Hazza. 
Ele andava apressado em direção à saída da escola, falando energicamente ao celular com a expressão pesadamente preocupada. Senti uma fisgada no peito, como se fosse um súbito mau pressentimento, e ele logo sumiu de vista, me deixando ainda mais agoniada. Pensei em comentar com Katherine, mas eu realmente não estava a fim de falar hoje e preferi esperar até saber do que se tratava. Obviamente, eu pretendia me inteirar da situação hoje mesmo, se ele voltasse ao colégio. 
Vinte minutos depois, o sinal tocou, indicando o término do intervalo, e nós nos levantamos devagar. Logo estávamos subindo as escadas lenta e silenciosamente, e me surpreendi quando ouvi alguém sussurrar no meu ouvido, vindo por trás de mim. 
- Vem comigo. 
Não precisei olhar pra trás pra reconhecer a voz de Hazza, e lancei um último sorriso fraco pra Katherine antes de acompanhá-lo até uma sala vazia no segundo andar. Ninguém parecia se dar conta de nossa existência, ocupados demais com suas próprias vidas, por isso não hesitei em entrar naquela sala sozinha com ele. 
- Que saudade de você – ele murmurou, sorrindo de um jeito calmo e me dando um beijo delicado, que fez meu sangue formigar daquele jeito de sempre nas veias. Estar perto dele me trouxe uma sensação temporária de alívio, e me permitiu sorrir sinceramente, mesmo que um sorriso tímido. 
- Também senti sua falta – menti, me sentindo novamente desmerecedora daquele carinho por não ter pensado nele uma única vez desde que acordei no dia anterior. Passei meus braços ao redor de seu pescoço, e Hazza apenas me abraçou apertado, sem me beijar novamente. Agradeci mentalmente a gentileza dele por não me forçar a encarar seus olhos e ver minhas mentiras refletidas neles, e respirei profundamente seu perfume, que hoje cheirava levemente a... 
- Formol? – indaguei, franzindo a testa e me afastando de leve pra poder ver seu rosto. 
Hazza riu baixinho, fechando os olhos por um momento. 
- Desculpe, eu não imaginei que o cheiro estivesse tão forte a ponto de você notar – ele disse, ainda sorrindo, mas me olhando calmamente – Talvez seja por isso que eu não goste de dar aulas nos laboratórios. 
- Como assim? – perguntei, sentindo meu coração acelerar um pouquinho – Você deu aulas práticas hoje? 
- É, o Tomlinson não pôde vir pra escola e eu o substituí – ele suspirou, entortando a boca – Aquele doido enfiou a BMW num poste ontem de manhã. 
Mesmo sem poder me ver, soube que empalideci. Senti todo o meu sangue simplesmente evaporar e meu coração congelar simultaneamente. Minha expressão estava totalmente chocada, perplexa, apavorada. O mau pressentimento estava explicado. 
- Ah... É? – gaguejei, tentando não parecer tão horrorizada quanto eu realmente estava – E c-como ele tá? 
Hazza pareceu não notar minha agonia e continuou sorrindo de um jeito divertido ao responder: 
- Melhor do que nós, pode apostar. Ele não se machucou muito, apenas bateu a cabeça com força no volante enquanto tentava frear e ficou desacordado por alguns minutos. Acabei de voltar do hospital onde ele está em observação, falei com o médico e com o próprio Tomlinson, e ele me disse que amanhã mesmo poderá voltar a dar aulas. 
A imagem de Louis batendo com o carro surgiu em minha mente sem esforço, seguida pela cena de vários paramédicos imobilizando-o na maca enquanto ainda estava desacordado. Um desespero enorme subiu pela minha garganta, fazendo lágrimas se formarem em meus olhos, mas eu fiz o máximo de força pra contê-las, pelo menos enquanto estava na frente de Hazza. 
- Eu... Tenho que ir... Me lembrei de que tenho uma prova agora – foi tudo que consegui gaguejar, me afastando dele devagar e evitando seus olhos – Depois a gente se vê. 
Abri a porta da sala de aula, deixando Hazza totalmente confuso, e subi correndo as escadas, já mais vazias, até o meu andar. Mal conseguindo conter as lágrimas e com as pernas perigosamente trêmulas, me enfiei num dos cubículos do banheiro feminino, e só depois de trancada e sentada no vaso sanitário fechado, finalmente caí num choro inexplicável. 
Tudo que eu conseguia sentir era culpa. Nojo de mim mesma, repulsa, remorso, um peso imenso me impedia de respirar, me afundando cada vez mais num choro que parecia não ter fim. Sufocando meus soluços com as mãos cobrindo a boca, eu sentia meu rosto lavado de lágrimas esquentar à medida que o ar me faltava, mas não encontrava força pra respirar. 
Quando pensei que fosse desmaiar por falta de oxigênio, meus pulmões entraram no modo de emergência, puxando o ar pra dentro de si em inúmeras inspirações rápidas. Meus olhos não paravam de liberar lágrimas, e meu nariz começava a ficar congestionado, mas eu não me importava. As imagens daquele sábado vieram imediatamente à tona: minhas palavras rudes, o olhar furioso de Louis, seus dedos apertando o volante com força, trêmulos de ódio, sua arrancada bruta quando foi embora... Tudo estava muito claro. Todos os pensamentos que ocupavam minha mente se resumiam a uma única frase, que meu cérebro insistia em repetir sem parar. 
Se Louis estava numa cama de hospital nesse exato momento, por melhor que fosse seu estado, era culpa minha


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