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VEZIN PERMANECEU ali dia após dia. Indefinidamente, muito mais tempo de que tinha pensado ficar. Sentia-se sonolento e aturdido. Não fazia nada em particular, mas o lugar o fascinava e não podia decidir-se a abandoná-lo. Sempre lhe tinha sido muito difícil tomar decisões e, por isso, assombrava-se às vezes do bruscamente que tinha decidido descer do trem. Parecia como se alguém a tivesse tomado por ele; e, em uma ou duas ocasiões, seus pensamentos voaram para aquele bronzeado francês do assento fronteiro ao dele. Oxalá tivesse entendido aquela frase que terminava, tão estranhamente, com um "a cause du sommeil et a cause dê chats"! Perguntava-se qual seria seu exato significado.

Enquanto isso, tinha-o dominado por completo a felpuda calma da cidade, e tentava em meio daquela paz e tranqüilidade, descobrir onde residia o mistério e no que consistia. Mas sua limitação no idioma e sua constitucional aversão às investigações ativas, o impediram de abordar as pessoas e lhes fazer perguntas diretas. Contentava-se observando, vigiando e permanecendo em estado negativo.

O tempo prosseguiu tranqüilo e nebuloso, e isto o ajudou. Vagabundeou pela cidade até que conheceu cada rua e cada praça.

As pessoas lhe permitiam ir e vir sem lhe incomodarem-se; mas, cada dia que passava se tornava mais evidente que não deixavam de vigiá-lo nenhum momento.

O povo o espiava como o gato espia o camundongo. E ele não conseguiu adiantar nenhum passo para descobrir o por que estavam todos tão atarefados nem por onde discorria a corrente real de suas atividades. Tudo isto permanecia em trevas. As pessoas ali eram tão suaves e misteriosas como os gatos.

Mas que estava continuamente sob vigilância era mais evidente a cada dia.

Por exemplo, quando ia chegando a uma praça, até o extremo do povoado e ali entrava em um jardinzinho público, sob as muralhas, e se sentava a tomar o sol em um de seus vazios bancos, via-se completamente sozinho... a princípio. Não estava ocupado nenhum outro assento; o parque estava deserto; os caminhos, vazios. Entretanto, ao cabo de uns dez minutos havia já umas vinte pessoas ao seu redor, umas passeando sem rumo fixo pelos atalhos de cascalho ou contemplando as flores, e outras sentadas nos bancos de madeira, tomando agradavelmente o sol.

Nenhuma delas parecia reparar nele; apesar disto, compreendia perfeitamente que tinham ido ali para o espiar. Mantinham-no submetido a estreita vigilância. Na rua lhe tinham parecido bastante atarefados e ativos; entretanto, agora pareciam haver-se esquecido subitamente de suas obrigações e já não tinham nada que fazer a não ser descansar ociosamente ao sol, sem lembrar-se de seus trabalhos e tarefas. Cinco minutos depois de ele sair, o jardim voltava a ficar deserto, os assentos vazios.

Mas, em troca, na rua, agora repleta de gente atarefada, sucedia o mesmo; nunca estava sozinho. Sempre estavam ocupando- se dele.

Pouco a pouco, além disso, foi começando a compreender de que modo tão inteligente o espiavam, que não parecia.

Aquela gente não fazia nada de uma maneira direta. Agiam de um modo oblíquo.

Riu para si mesmo quando expressou esta idéia, circunscrevendo-a em palavras, mas a verdade é que esta frase o descrevia com exatidão. Olhavam-no desde ângulos dos quais, logicamente, só se tivesse podido dirigir a vista para outro lugar muito distinto. Seus movimentos, além disso, eram misteriosos em tudo o que se referia a ele. Era evidente que das coisas diretas, não gostavam. Não faziam nada com clareza. Quando entrava em comprar algo em uma loja, a mulher ia rapidamente ao extremo longínquo do balcão e ali ficava a fazer algo; entretanto, respondia-lhe imediatamente — assim que ele dizia algo, demonstrando com isso que notara sua presença, e era esta unicamente sua maneira de atender. Era a atitude do gato a que adotavam. Inclusive no restaurante da estalagem, o garçom, cortês e bigodudo, flexível e silencioso em todos seus movimentos, parecia incapaz de chegar diretamente até sua mesa para atender um chamado ou levar um prato. Ia fazendo ziguezagues, indiretamente, vagamente, de maneira que parecia estar indo a qualquer outra mesa, só que de repente, no último momento, voltava-se e já estava ali junto a ele.

ANTIGAS BRUXARIASOnde histórias criam vida. Descubra agora