Teodora, Reino de Hagin
Era tudo ou nada, as espadas estavam postas e o olhar intimidador daquele homem me engolia por inteira. Eu não me recordo exatamente de quando a rivalidade entre nós se tornou tão grande, mas creio que teve estreita relação com o fato do meu noivado com o príncipe, ou com o fato de que Jiklun foi um dos homens que, por minha recomendação, não foram para a guerra.
Era apenas um treinamento como todos os outros, mas eu sabia que a qualquer momento ele poderia deslizar sua lâmina afiada para dentro de meu corpo e fingir que foi um acidente, nunca confiei nas pessoas e não seria nele em quem depositaria algum tipo de segurança. O tilintar das espadas afiadas ecoavam por todo o salão, era uma demonstração do nosso exército, e eu, como general auxiliar das tropas de Hagin, tinha a missão de mostrar aos convidados a presteza dos movimentos que nos fizeram vencer a guerra. Foram anos de batalha e, enfim, estávamos tranquilos, sem ameaças e sem o risco de termos nossas gargantas cortadas na calada da noite.
Um giro, me agachei e esperei que me atacasse, então dei um passo para trás, fingindo estar intimidada e com um golpe certeiro, o desarmei. Os aplausos dos presentes voltaram a soar nos meus ouvidos e nós nos reverenciamos, por cordialidade e tradição, não por respeito. Deixamos o centro do lugar e cada um foi ao grupo de pessoas que nos esperava. Ele com alguns homens do exército, eu com o meu então noivo, o príncipe Giulio.
— Estavas perfeita, Teodora — ele disse, enquanto se aproximava de mim com os braços para trás. — Papai disse que quer conversar conosco sobre o casamento, desconfio que queira apressar o cerimonial.
— Apressar? — Gaguejei e vacilei em minha postura.
— Sim, e eu estou de acordo. Só precisamos saber as suas preferências e tudo o que desejas para que a perfeição seja alcançada.
— Giulio. — Engoli a seco e o encarei com uma expressão indecisa, como se quisesse dizer algo mas estivesse com medo, e realmente eu estava.
— O que aconteceu, Teo?
— Eu...
— Grande general Teodora! — Ouvimos a voz do general principal do reino, o meu então companheiro de guerra. — Futura rainha de Hagin, hm — disse baixo e deu uma piscadela discreta.
— Eu... Não estou me sentindo muito bem, Giulio. — Respirei fundo. — Vou-me deitar. — Olhei para o general. — Com sua licença.
Os meus passos apressados tinham um rumo certo. Era o único lugar no castelo de Hagin onde eu me sentia em casa, apesar de estar bem longe dela, do meu lar, onde eu era a general interina e tinha o meu paraíso. Os paparicos e mimos recebidos na nova terra, onde fui chamada para ajudar, não eram nada comparados ao amor que eu tinha pelo meu reino, Erysimun.
Retirei parte da armadura assim que fechei a porta, descalcei meus pés e joguei meu corpo contra a cama. Encolhi minhas pernas e as abracei, tal qual um bezerro se aconchega na mãe. A pior sensação, e a que eu mais temia sentir, foi a que me acometeu.
Abri a gaveta ao lado da cama, no pequeno móvel de arabescos gravados em ouro, e peguei alguns papéis. Papéis que detinham todos os meus sentimentos.
A saudade de casa e principalmente de uma pessoa em especial, alguém com uma presença tão especial em minha vida, que fazia-me questionar realmente se era aquilo que eu queria. Se casar-me com o príncipe Giulio me faria esquecer o amor enclausurado que sentia. O casamento entre alguém da tropa e da alta realeza não era um bicho de sete cabeças no reino de Hagin, não obstante, em Erysimun, as leis eram rígidas e concessões eram feitas com raridade, o que deixava meu peito ainda mais apertado. Ainda mais por saber que o noivado havia sido ideia de Demétrio, rei de Erysimun.
A dúvida entre deixar Giulio, voltar para minha casa e ter que esconder meus sentimentos, ou ficar e deixar meu lar para trás, completamente, deixava meus pensamentos fervilhando como um caldeirão no fogo.
— Teodora — chamou a voz tão conhecida, enquanto batia na madeira polida. — Me permites entrar?
— Entre, por favor — respondi e me sentei, recuperando a postura.
Ele surgiu com calma e trancou a fechadura, antes de caminhar até mim e sentar-se ao meu lado.
— O que está acontecendo contigo, Teodora?
— Eu estou bem, Giulio. Eu só estou preocupada com o exército de Erysimun, sem mim para chefiar os soldados.
— Eles vão ficar bem. — Ele olhou para o meu travesseiro, onde estavam os papéis. — O que é isto, Teodora?
— Não é nada! — Tentei pegá-los antes que fosse tarde demais, mas não fui ágil o suficiente.
Os olhos dele pairaram sobre cada letra cuidadosamente escrita ali, enquanto suas pernas bambearam e seu rosto tornou-se avermelhado.
— Quer dizer que tu queres ser a rainha, mas não daqui de Hagin, não é mesmo?
— Eu não posso me casar contigo. — Despejei as palavras sem nem ao menos medi-las, mas foi necessário.
— Como assim, Teodora? Eu não compreendo. Parecias feliz com essa decisão. Não me amas? — questionou com os olhos cheios de lágrimas.
— Nosso casamento nos foi imposto em um momento de festa enquanto celebrávamos a vitória na guerra. Demétrio o sugeriu quando me enviou para cá, e seu pai acatou a sugestão por gratidão a mim depois da luta vencida. Não medimos as consequências deste noivado, e eu por um momento esqueci que meu coração já pertence a alguém.
— Eu não posso acreditar. — Parecia decepcionado, e eu compreendia.
— Tente entender-me. — Eu o segui enquanto andava desvairadamente pelo quarto. — Tal pessoa não sabe sobre meus sentimentos, mas eu não posso entregar-me a ti enquanto minha alma já está entregue em outro lugar, à outra alma. Tenho muito carinho por ti, porém não posso deixar que isso aconteça.
— Isto é um disparate!!!
— Giulio — falei, já elevando o tom da voz e deixando o meu lado guerreira aflorar. — Pare com este escândalo!
— É isto que o tu queres, general? — Ele jogou parte das cartas sobre mim, fazendo com que algumas delas caíssem no chão. — Pois muito bem, pegues os seus trapos e vá embora do meu reino.
— Abaixe o teu tom para falar comigo, príncipe.
— Viva tua vida com o teu grande amor em Erysimun, não quero mais ver a tua face em minhas terras. Mandaremos uma recompensa em ouro e pedras valiosas, mas não lhe quero aqui!
Eu o encarei e esperei que se acalmasse, pelo menos um pouco.
— Tudo bem, Giulio. Eu sinto muito — murmurei. — Será que posso me despedir dos soldados?
Giulio não me respondeu, apenas bateu os pés em direção à porta e, com uma pancada enfurecida na madeira, se retirou. Era estranho imaginar que me casaria com ele, e mais estranho ainda era estar aliviada em saber que retornaria a Erysimun e teria de isolar, selar, esmagar meu coração dentro do peito, para esconder tudo o que fazia brilhar os meus olhos.
Conhecemos a Teodora... Quem acompanha 'O jogo da realeza' já ouviu falar dela, né? Haha.
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Os Espinhos Do Trono {em Revisão}
FantasyA busca pelo poder é incessante. Ao final, o que todos querem é comandar, não obstante, o que a maioria consegue é desafeto, rancor e ódio. Em Erysimun, além de todo o poder sobre as pessoas, os reis também têm acesso à grande chave da aura, objeto...