Prólogo

1.5K 159 74
                                    

Não quero ter a terrível limitação de quem vive apenas do que é passível de fazer sentido. Eu não: quero uma verdade inventada. 

                                 -Clarice Lispector

📜

Não é possível. Não pode ser.

Olhou o relógio acima da cabeça de sua editora novamente. 10:28 da manhã.
Realmente tinha sido tirada da cama tão cedo pra receber uma notícia dessas?

Não é possível. Realmente não é.

"Lalisa?" Sua editora a chamou, tentando trazê-la para a realidade novamente. Mas jura por Deus que não tinha nem se atrasado para ouvir esse monte de merda? Chegou 10 minutos antes para isso?

"Lalisa, você está me ouvindo?"

Voltou a focar o olhar na mulher. Minatozaki Sana seria um amor, se não fosse um demônio na vida de Lalisa.

"Uhum. Você pode repetir?"

"A editora, Lisa. Suas obras não estão mais dando o lucro que nós visamos, já faz um bom tempo, inclusive."

Como não?

"Hum... Por quê?"

A pergunta pegou a loira de surpresa. Sabia que Manoban era teimosa, mas não contava com isso na conversa que teriam hoje. Ajeitou a postura na cadeira de couro marrom, pegou a caneta à sua frente e começou a fazer rabiscos aleatórios num bloquinho enquanto a morena esperava uma resposta.

"Não sei se você percebe... Mas ter exatamente o mesmo tipo de história da mesma autora em todo o livro é um tanto quanto desgastante."

Terminou a fala focando os olhos na mulher de óculos que a olhava com uma expressão indecifrável.

"Ah... Isso quer dizer que eu não sou boa o suficiente pra vocês? Que o meu contrato acabou?"

Sana queria ter revirado os olhos, mas se conteve. Lalisa conseguia ser sempre dramática.

"Veja... Não precisamos ser tão extremos. Eu gosto de você, mesmo sabendo que você não vai tanto com a minha cara." Lalisa quase soltou uma gargalhada, mas já estava na corda bamba e seria melhor ficar quieta. "Estava pensando em sugerir um novo tipo de tema, sabe? Não me leve a mal, você escreve bem, tem boas ideias, mas é sempre o mesmo."

"Ah... E o que você sugere?" Ergueu uma sobrancelha, como se desafiasse a mais velha. Sabia que suas narrativas eram boas e não se via em qualquer outro tipo de gênero. Cruzou os braços e se encostou na cadeira.

"Qualquer coisa que não seja o romancezinho tosco e sem sal das últimas vezes."

Lalisa ergueu as duas sobrancelhas com a ofensa e transformou a boca num bico.

Puta que pariu, além de insuportável é insensível.

"Eu sugiro uma fantasia, ficção científica, não sei, essas coisas. Você pode até continuar com seu romance, mas muda um pouco, sabe? Por que não faz um romance erótico?"

Lalisa corou. Corou como nunca. Os olhos naturalmente grandes se abriram, ela se mexeu desconfortavelmente na cadeira.

Romance erótico? Mas o quê...

"Digo, só faça qualquer coisa que saia da sua mesmice, ok?!" Lalisa ainda não olhava pra ela "Então... é isto. É o que eu posso fazer para tentar te salvar aqui. Só eu estou investindo em você, Lalisa. Todos os outros querem rasgar seu contrato. Me entregue uma ideia diferente em 1 mês e nós conversaremos mais."

UM MÊS? 30 DIAS? pode ser brincadeira.

Não falou nem tchau. Se levantou da cadeira, pegou sua mochila, abriu a porta e saiu, se dirigindo ao elevador e acabou por entrar sozinha.

Ainda bem.

Lalisa Manoban. 23 anos, nascida na Tailândia. Se mudou para a Austrália, Melbourne, mais precisamente, quando tinha 7 anos por conta do trabalho dos pais. É onde vive até hoje, onde tem a maioria das memórias de infância, amigos e datas importantes.

E o principal no momento: Onde ficaria desempregada pela primeira vez se não entregasse um livro em um mês.

NÃO É POSSÍVEL.

Puta da vida como estava, não conseguiria dirigir seu carro agora.

Seu trabalho não era suficiente? Seus romances não traziam público? Se gostassem dela, deveriam ler tudo o que publica, mesmo sendo um pouco repetitivo, não?

Bom, aparentemente não.

Entrou no carro, fechou a porta com força e jogou a mochila para trás, batendo a cabeça no volante. O baque acionou a buzina, mas quem disse que ligava se o estacionamento todo estava ouvindo? A raiva dentro de si deveria ser visível à todos.

As contas estavam chegando, o aluguel sendo cobrado e ela realmente precisava do dinheiro que recebia para se sustentar. Se recusava a pedir qualquer coisa aos pais. Já tinha saído de casa, garantindo que sobreviveria, não voltaria com o rabinho entre as pernas para ter seu orgulho ferido.

BURRA, BURRA, BURRA

Bateu a cabeça na direção, repetindo a palavra como um mantra. Já tinha percebido que não estava mais recebendo tanto quanto alguns meses atrás, deveria ter desconfiado de que algo não estava certo.

Sinceramente, não sabia o que faria agora.

E outra: ROMANCE ERÓTICO?

Não era esse tipo de escritora. Até  mesmo abominava 50 tons de cinza e o sucesso que aquela mulher tinha alcançado apenas com sexo.

NÃO FAZ SENTIDO

Seu subconsciente insistia em gritar. Nunca tivera mais do que 4 ou 5 relações sexuais em toda sua vida e poderia garantir que nada do que fez valeria um livro todo. Portanto, amaldiçoou sua mente quando realmente começou a considerar a ideia que lhe fora dada. Podiam ser as batidas que deu com a cabeça, ou simplesmente o destino intervindo, mas uma luz se acendeu, enquanto um nome vinha em sua mente ao que colocava o cinto e dava partida no carro, saindo do subsolo.

Park Chaeyoung é a única que poderia ajudá-la.

Written Weekend (Chaelisa)Onde histórias criam vida. Descubra agora