Selva de Metal

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O vento frio do final de tarde batia contra seu rosto, jogando nele todas as partículas tóxicas em suspensão, tão comuns à cidade grande. Ela corria ao lado do gradeado que separava a rua do enorme e poluído lago. Havia chovido a alguns minutos e seu cabelo, assim como suas roupas, estavam ensopados.

A mãe sempre lhe dizia para não pegar chuva, era ácida e a tendência havia piorado, mas não quis saber. Estava atrasada e por isso corria, diminuindo os passos somente quando avistou seu destino, com as mãos apoiadas no gradeado, observando o lago.

-Me desculpa por demorar – comentou ofegante assim que chegou. A outra não desviou o olhar do lago, de modo que ela pôs-se a admirá-lo também. O punhado de água se movia calmamente, refletindo a imagem dos enormes prédios do outro lado.

A cidade havia crescido muito e só dava indícios de continuar, cada vez mais alto, mais para cima. No meio, labirintos de ruas lotadas preenchiam o espaço e, quando não havia mais espaço no chão, as naves faziam seu papel, criando fluxo e trânsito próprios pelo ar. Mesmo estando tudo movimentado àquela hora, aquele estava longe de ser o horário de pico da cidade, momento onde não só o tráfego se tornava inviável como o ambiente urbano como um todo tornava-se uma cacofonia de buzinas e motores.

Mas naquela hora da tarde, estariam todos no trabalho, ou em casa ou em qualquer lugar que oferecesse abrigo da luminosidade natural solar cujas análises já indicavam uma alteração perigosa na radiação.

Não deveriam estar fora de casa, mas não puderam se encontrar antes. Claro que, se pudesse escolher, estaria em casa, na grama do jardim coberto e protegido onde costumavam ficar. Lá era confortável e inspirava tranquilidade e segurança apesar de que, havia notado que não só o ambiente, mas também a companhia lhe gerava aqueles sentimentos.

Naquele momento, mais do que nunca, apenas a companhia bastava.

-Está ansiosa? - ouviu a pergunta e desviu o olhar antes pousado sobre a cidade na outra margem.

-Eu não estou preparada – Respondeu nervosa e angustiada. Mais uma vez haviam decidido sua vida por ela. Era desesperador encarar um futuro que não lhe pertencia, viver uma vida pela vontade alheia – Eu não quero!

-Você será rainha. Muitas outras dariam tudo para estar no seu lugar. - a voz se mantinha suave e calma como sempre fora, mas naquele momento aquilo a incomodava.

-Você não daria. - ela rebateu

-Não mesmo – a outra sorriu de lado.

-Pois que outra o assuma, eu não quero! - bateu o pé, teimosa, e logo sentiu a cabeça ser tocada carinhosamente e os fios do cabelo loiro acariciados.

-Esta cidade vai crescer ainda mais e vamos precisar fazer qualquer coisa quanto à bola de fogo lá em cima – a ouviu responder enquanto apontava o indicador da outra mão para o alto. O rosto virava-se para si pela primeira vez desde que chegou. A despeito do vazio que havia em si no tocante à relações, o momento em que seus olhares se encontravam aquecia seu peito como nenhum outro. Talvez aquilo a fez se importar, gostar tanto da companhia ou talvez fosse o fato de ser a única pessoa que não a tratava como algo sem vida, sem vontade própria, como uma estranha, aberração nascida em um mundo onde todos são, de certa forma, iguais. Saber que talvez perdesse aquilo a deixava em pânico.

– Eu não sirvo pra isso – ela argumentou, com a cabeça baixa, as mechas da franja escondendo o rosto – Nem sei porque me escolheram, eu não posso ter filhos...

A outra continuou o carinho, com toda a paciência do mundo, como sempre teve.

– Esse casamento foi decisão dos teus pais e do Rei. Não é algo que você possa controlar, no final das contas. Acho que nem se lhe fosse permitido você poderia. Você pode negar, fugir disso para o resto da vida e fingir que não é com você, ou fazer valer a pena tudo o que acontecerá daqui para frente. Se esconder para sempre atrás da coroa ou ser a melhor rainha que este reino já teve.

Shelter - Ereri/RirenWhere stories live. Discover now