SAUL Williams acordou para a manhã calma. Olhou fatigado para fora da barraca e pensou em como a Terra estava distante. Milhões de quilômetros, ele pensou. Mas o que se havia de fazer? Seus pulmões estavam cheios de "ferrugem de sangue". Tossia o tempo todo.Saul acordou, nesta manhã em particular, às sete horas. Era um homem alto, franzino; emagrecido por causa da doença. Fazia uma manhã quieta em Marte, o leito do mar morto, plano e silencioso, nenhum vento. O sol brilhava frio e claro no céu vazio. Ele lavou o rosto e tomou o desjejum.
Depois disso, quis muito estar de volta à Terra. Durante o dia, tentava de toda maneira possível estar na cidade de Nova York. Algumas vezes, se sentasse ereto e segurasse as mãos de um certo jeito, ele conseguia. Quase podia sentir o cheiro de Nova York. A maior parte do tempo, entretanto, era impossível.
Mais tarde, durante a manhã, Saul tentou morrer. Deitou-se na areia e ordenou a seu coração que parasse. Ele continuou batendo.
Saul se imaginou saltando de um penhasco ou cortando os pulsos, mas riu de si mesmo; sabia que não tinha coragem para nenhum dos dois.
Talvez se apertar bem e me concentrar bastante, eu simplesmente adormeça e nunca mais acorde, ele pensou. E tentou. Uma hora depois, acordou com a boca cheia de sangue. Levantou-se, cuspiu e sentiu pena de si próprio. Essa ferrugem do sangue enchia a boca e o nariz, escorria dos ouvidos, das unhas e levava um ano para matar. A única cura era se enfiar em um foguete e se lançar para o exílio em Marte. Não existia cura conhecida na Terra, e ficar lá contaminaria e mataria todos. Então, aqui estava ele, sangrando o tempo todo, e sozinho.
Os olhos de Saul se apertaram. Ao longe, ao lado da ruína de uma cidade antiga, ele viu um outro homem deitado sobre um cobertor imundo.
Quando Saul se aproximou, o homem no cobertor se mexeu debilmente.
- Olá, Saul - ele disse.
- Mais uma manhã - disse Saul. - Cristo, como estou só"
- E uma angústia dos enferrujados - disse o homem do cobertor, sem se mexer, muito pálido, e como se fosse desaparecer se o tocassem.
- Por Deus - disse Saul, olhando de cima para baixo, para o homem, "eu gostaria que você pudesse pelo menos conversar. Por que os intelectuais nunca pegam a doença da ferrugem do sangue e vêm aqui para cima?
- É uma conspiração contra você, Saul - disse o homem, fechando os olhos, cansado demais para mantê-los abertos. - Antigamente, eu tinha forças para ser um intelectual. Agora, pensar já me cansa.
- Se pelo menos você pudesse conversar - disse Saul Williams.
O outro homem simplesmente deu de ombros, indiferente. - Venha amanhã. Talvez eu tenha forças suficientes para conversar sobre Aristóteles. Vou tentar. Vou tentar mesmo. O homem se afundou debaixo da velha árvore. Abriu um olho. - Lembra-se de quando conversamos sobre Aristóteles seis meses atrás, naquele dia bom que eu tive?
- Lembro - disse Saul, sem prestar atenção. Olhava o mar morto. Queria estar tão doente quanto você, aí talvez não me preocupasse em ser intelectual. Aí talvez eu tivesse um pouco de paz.
- Você vai estar tão mal quanto eu daqui a uns seis meses - disse o moribundo. - Então, você não vai ligar para nada, a não ser dormir e dormir. O sono será como uma mulher para você. Você voltará sempre para ela, porque ela é bem-disposta e boa e fiel e sempre o trata bem e do mesmo jeito. Você só vai acordar para pensar em voltar a dormir. É um pensamento bom.
A voz do homem era um sussurro inaudível. Então parou e uma leve respiração se impôs. Saul se afastou.
Ao longo das praias do mar morto, como tantas garrafas vazias atiradas ali por uma onda que há muito se foi, estavam os corpos encolhidos de homens adormecidos. Saul podia vê-los todos ao longo da curva do mar vazio. Um, dois, três... todos eles dormindo sós, a maioria em piores condições do que ele, cada um com sua pequena reserva de alimento, cada um encerrado em si mesmo, porque a interação social estava se enfraquecendo e era bom dormir.