O LIXEIRO (1953)

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Era assim o trabalho dele: acordava às cinco na fria manhã escura e lavava o rosto com água morna se o aquecedor estivesse funcionando e com água fria se o aquecedor não estivesse funcionando. Barbeava-se cuidadosamente, conversando com a mulher que estava lá na cozinha, preparando presunto e ovos ou panquecas ou o que quer que fosse naquela manhã. Às seis horas, estava no trânsito rumo ao trabalho, sozinho, e estacionava o carro no grande pátio onde todos os outros homens estacionavam seus carros enquanto o sol estava nascendo. As cores do céu naquela hora da manhã eram laranja e azul e violeta e algumas vezes muito vermelho e algumas vezes amarelo ou uma cor clara como água sobre pedra branca. Em algumas manhãs, ele podia ver sua respiração no ar e, em algumas manhãs, não podia. Mas quando o sol ainda estava se levantando, ele batia o punho na lateral do caminhão verde, e seu motorista, sorrindo e dizendo olá, entrava no outro lado do caminhão, e eles saíam pela grande cidade e desciam todas as ruas até chegarem ao lugar onde começavam a trabalhar. Algumas vezes, no caminho, paravam para tomar café puro e depois continuavam, a quentura ainda dentro deles. E começavam o trabalho, o que significava que ele saltava em frente a cada casa e apanhava as latas de lixo e as trazia de volta e tirava suas tampas e as batia contra a borda da caçamba, fazendo as cascas de laranja e de melão e pó de café caírem e baterem no fundo e começarem a encher o caminhão vazio. Sempre havia ossos de bisteca e cabeças de peixe e pedaços de cebolinha e salsão apodrecido. Se o lixo era novo, não era tão ruim, mas se era muito velho, era ruim. Ele não tinha certeza se gostava ou não do trabalho, mas era um trabalho e ele o fazia bem, algumas vezes falando muito sobre ele e algumas vezes nem pensando nele. Alguns dias, o trabalho era maravilhoso, pois você levantava cedo e o ar era frio e fresco até que você tivesse trabalhado por muito tempo e o sol ficasse quente e o lixo começasse a exalar vapor. Mas, em grande parte, era um emprego importante o suficiente para mantê-lo ocupado e calmo e olhando para as casas e os gramados aparados por que passava e vendo como todo mundo vivia e, uma ou duas vezes por mês, ficava surpreso ao descobrir que adorava seu trabalho e que era o melhor trabalho do mundo.

Foi assim por muitos anos. E então, de repente, o trabalho mudou para ele. Mudou em um único dia. Mais tarde, ele freqüentemente se perguntava como um trabalho podia mudar tanto em tão poucas horas.

Ele entrou no apartamento e não viu a esposa nem ouviu a voz dela, mas ela estava lá, e ele andou até uma poltrona e deixou a mulher ficar longe dele, observando-o, enquanto ele tocava a poltrona e se sentava nela sem dizer palavra. Ele ficou sentado ali por um longo tempo.

- O que há de errado?

Finalmente a voz dela chegou até ele. Ela deve ter perguntado três ou quatro vezes.

- Errado?

Ele olhou para essa mulher e, sim, era sua esposa, tudo bem, era alguém que conhecia, e este era o apartamento deles, com o pé direito alto e o carpete gasto.

- Algo aconteceu no trabalho hoje - ele disse.

Ela esperou que ele terminasse.

- Em meu caminhão de lixo, aconteceu algo.

Sua língua se movimentava secamente sobre os lábios e seus olhos fechados bloquearam sua visão até que tudo se tornou escuridão, sem nenhuma luz de nenhum tipo, e era como estar sozinho em um quarto quando você levanta da cama no meio de uma noite escura.

- Acho que vou largar meu emprego. Tente compreender.

- Compreender! - ela gritou.

- Não se pode evitar. Tudo isso é a coisa mais danada de estranha que já aconteceu comigo em minha vida. Ele abriu os olhos e ficou ali sentado, sentindo as mãos frias quando esfregava o polegar e os indicadores juntos. - A coisa que aconteceu foi estranha.

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