Ray Douglas Bradbury nasceu em 1920 em Waukegan, Illinois, nos Estados Unidos. Condensada em poucas palavras, essa informação, contudo, é fundamental para compreender alguns aspectos marcantes da obra desse escritor, mundialmente conhecido e tão ligado às lembranças de sua infância.Bradbury tem uma obra vastíssima que inclui contos, romances, peças de teatro, rádio, televisão, poesia, fábula, antologias, literatura infantil, obras de não-ficção e roteiros de filmes, entre os quais o de Moby Dick, baseado no romance de Hermann Melville. Dirigido por John Huston, com quem Bradbury teve um relacionamento difícil, o filme foi lançado em 1956 com o sucesso que a premiação do Oscar só viria reforçar.
Por paradoxal que pareça, mesmo em seu romance mais conhecido, Fahrenheit 451, de 1953, que ele próprio aponta como sua única obra verdadeiramente de ficção científica, há em sua literatura uma marca indelével de melancólica saudade que subsume a linearidade do tempo e reúne o passado e o futuro em um presente constante e poético de ausências.
Contador de histórias, como ele mesmo se classifica, escrevendo durante mais de sessenta anos um conto por semana, segundo uma metodologia obstinada de trabalho, a poesia, não só como forma, mas também como atitude expressiva, constitui uma marca característica de sua prosa, a ponto de ter formado, logo no início de sua carreira, a reputação de "poeta dos pulps".
Se o poético de sua obra não o incomodava, antes, ao contrário, era por ele cultuado, o fato de ser tido como um autor de ficção científica sempre o motivou a procurar romper os limites desse enquadramento e a buscar ser visto como um autor de literatura, independentemente dos cenários e das fantasias com que vestiu os ambientes de suas histórias e os personagens de suas narrativas.
Não que não prezasse, e muito, os heróis de sua infância e juventude - Tarzan, Buck Rogers, Flash Gordon, entre outros - não que não reconhecesse a marca de origem de sua literatura, misturando gêneros - fantástico, mistério, realismo, gótico, ficção científica - e a ela fosse reconhecido pelo caminho que lhe abriu e lhe permitiu trilhar.
Mas queria, desde o começo, ser um autor universal, sem restrição de gênero, de geografia, de língua, de compartimentação literária.
Desde a publicação de seu segundo e um de seus mais conhecidos livros "Crônicas marcianas, 1950", ele insistia, junto à Doubleday, com seu editor, que por sinal se chamava, embora sem nenhuma relação de parentesco, Walter Bradbury, que o selo de classificação como "ficção científica" não mais aparecesse, nem na capa, nem em parte alguma da apresentação de seus livros.
Argumentava, de modo prático, para que o mesmo não ocorresse com O homem ilustrado (1951), seu livro seguinte, que as Crônicas marcianas teriam tido muito mais resenhas críticas e muito mais vendas não fosse o selo. Evocava ainda os casos de Aldous Huxley e George Orwell, que jamais eram referidos, segundo ele, como escritores de ficção científica.
Isso ele conseguirá não só com a eliminação do selo, mas sobretudo com o reconhecimento crescente, de crítica e de público, da qualidade literária de sua obra, também crescente, em um ritmo de produção constante, regular e disciplinado.
Tomando as Crônicas marcianas como referência, pode-se dizer que ali estão várias das características marcantes da obra de Ray Bradbury.
A primeira delas é que ele é um excelente contista, com algumas dificuldades para o romance, embora Fahrenheit 451 (1953) mereça estar situado entre as melhores obras do gênero que tratam do mundo sombrio da censura e do centralismo ideológico controlado e controlador. A alegoria do estado que queima o conhecimento através da ação pervertida e perversa do bombeiro que não apaga fogo, mas o ateia aos livros, para destruí-los, e, com eles, a memória, a história, a arte, a literatura, tem a motivação imediata dos anos duros das perseguições macarthistas nos Estados Unidos e o contraponto narrativo e poético do canto imortal da liberdade e do amor.