O RELÓGIO DO TRIBUNAL soou sete vezes. Os ecos das badaladas enfraqueceram.Crepúsculo quente de verão aqui no norte da zona rural de Illinois, nesta pequena cidade muito distante de tudo, cercada por rio e uma floresta e uma campina e um lago. As calçadas ainda fervendo. As lojas se fechando e as ruas sombreadas. E havia duas luas: a lua do relógio com quatro faces para os quatro cantos da noite, acima do tribunal negro e solene, e a lua de verdade se elevando no leste escuro, em sua brancura de baunilha.
Na botica, os ventiladores sussurravam no teto alto. A sombra rococó das varandas, sentavam-se, invisíveis, algumas pessoas. Ocasionalmente, o brilho rosado das pontas incandescentes dos charutos.
As portas de tela rangiam as molas e batiam. No calçamento purpúreo das ruas das noites de verão, corria Douglas Spaulding; cães e meninos seguiam-no.
- Oi, senhorita Lavinia.
Os meninos se afastaram, trotando. Acenando calmamente para eles, Lavinia Nebbs estava sentada sozinha com um copo alto de limonada fria entre os dedos brancos, levando-o aos lábios, bebericando, esperando.
- Cheguei, Lavinia.
Ela se virou e lá estava Francine, toda de branco-neve, ao pé da escada da varanda, cheirando a zínia e hibisco.
Lavinia Nebbs trancou a porta da frente e, deixando na varanda o copo de limonada meio vazio, disse:
- Está uma noite agradável para ir ao cinema.
Elas desceram a rua.
- Onde estão indo, meninas? - gritaram as senhoritas Fern e Roberta de sua varanda do outro lado da rua.
Lavinia respondeu através do oceano de escuridão: "Ao Cine Elite, ver Charlie Chaplin".
- Não sairíamos numa noite assim - resmungou a senhorita Fern. - Não com o Solitário por aí, estrangulando mulheres. Preferimos nos trancar no guarda-roupa com uma arma.
- Ah, que bobagem.
Lavinia escutou a porta das velhas senhoras bater e trancar-se, e continuou a se afastar, sentindo o bafo quente da noite de verão em ondas tremulantes por sobre as calçadas tostadas. Era como andar sobre uma crosta dura de pão recém assado. O calor pulsava sob os vestidos, ao longo das pernas, com uma sensação de invasão furtiva e não de todo desagradável.
- Lavinia, você não acredita no que dizem do Solitário, acredita?
- Essas mulheres gostam de ver as próprias línguas dançando.
- Mas Hattie McDollis foi morta dois meses atrás, Roberta Ferry um mês antes, e agora Elizabeth Ramsell desapareceu...
- Hattie McDollis era uma doidivanas. Aposto que fugiu com algum viajante.
- Mas as outras, todas elas, estranguladas, as línguas para fora da boca, dizem.
Elas estavam de pé na beira da ravina que corta a cidade ao meio. Atrás delas, estavam as casas de luzes acesas e música; à frente havia profundeza, umidade, vaga-lumes e escuridão.
- Talvez não devêssemos ir ao cinema esta noite - disse Francine. - O Solitário pode nos seguir e nos matar; eu não gosto dessa ravina. Olhe só, olhe!
Lavinia olhou, e a ravina era um dínamo que nunca parava de funcionar, dia e noite; havia um grande zumbido incessante, um constante zunido e murmúrio de criaturas, insetos e vida vegetal. Cheirava a estufa, vapores secretos e areias movediças. E sempre o dínamo negro zumbindo, com fagulhas, como uma forte corrente elétrica, onde pirilampos se moviam no ar.