O ALÇAPÃO

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CLARA PECK JÁ VIVIA fazia uns dez anos na velha casa quando fez a estranha descoberta. Na escada, a meio caminho do segundo andar, no teto do patamar...

O alçapão.

- Meu Deus!

Ela ficou petrificada no meio da escada, observando aquela surpresa, desafiando sua existência.

- Não pode ser! Como posso ter sido tão cega? Puxa vida! Tem um sótão na minha casa!

Ela havia subido e descido a escada milhares de vezes e nunca havia visto nada. - Que idiota.

E ela quase caiu ao tentar descer a escada, esquecida do motivo que a havia levado a subi-la.

Antes do almoço ela voltou ao local onde estava o alçapão e, como uma criança nervosa, de pele e cabelos descorados, alta e magra, de olhos excessivamente brilhantes, faiscantes, fixos, dardejantes.

- Agora que descobri essa coisa, o que faço com ela? Aposto que é um depósito lá em cima. Bem...

E afastou-se, meio perturbada, sentindo que sua mente escorregava em direção a uma zona nebulosa.

- Mande tudo isso para o inferno, Clara Peck! - exclamou enquanto passava o aspirador na sala. - Você só tem cinqüenta e sete anos. Ainda não está caduca, Deus meu!

Mas, mesmo assim, como é que ela nunca notara?

Era a qualidade do silêncio, com certeza. O telhado não tinha nenhuma goteira, ela nunca ouvira a água pingando no forro, as altas vigas nunca haviam rangido com o vento e também não havia ratos na casa. Se houvesse um murmúrio de goteiras, estalidos de vigas, ou se os ratos dançassem no sótão, ela teria olhado para cima e descoberto o alçapão.

Mas a casa permanecera silenciosa e ela permanecera cega.

- Besteira! - ela exclamou, na hora do jantar.

Lavou a louça, leu até as dez, foi deitar cedo.

Foi durante aquela noite que escutou as primeiras batidas telegráficas, fracas, os primeiros arranhões lá em cima, atrás da lace pálida, lunar, inexpressiva do forro.

Meio adormecida, murmurou: "Rato?.

Logo depois já era de manhã.

Enquanto descia as escadas para ir preparar o café-da-manhã, ela olhava o alçapão com seu olhar firme de menina e sentiu seus frios dedos se contraírem, agarrando o corrimão.

- Droga - ela resmungou. - Por que me preocupar em dar uma olhada num sótão vazio. Talvez na próxima semana.

Durante os três dias seguintes, o alçapão desapareceu.

Isto é, ela se esqueceu de olhar para ele. Foi como se não estivesse lá.

Mas, por volta da meia-noite da terceira noite, ela ouviu o som dos ratos ou dos sei-lá-o-quê estendendo-se ao longo do forro do seu quarto como fantasmas de algodãozinho-do-campo, tocando as perdidas superfícies da Lua.

Dessa imagem estranha ela passou a sementes de amaranto ou de dente-de-leão ou poeira pura sacudida do peitoril da janela do sótão.

Ela pensou em dormir, mas não conseguiu.

Deitada de costas em sua cama, ela observava o teto tão fixamente que poderia radiografar o que quer que estivesse pulando por detrás do reboco.

Um circo de pulgas? Uma tribo de ratos ciganos fugindo da casa do vizinho? Várias casas tinham sido recentemente cobertas, de tal forma que pareciam escuras tendas de circo, para que os exterminadores pudessem nelas introduzir bombas mortais e depois correr, matando a vida secreta que ali existia.

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