Ele não estava enganado. Era naquele lugar. O endereço dizia claramente isso. Tocou a bombinha em seu bolso e bateu na porta com a outra mão. Desta vez usou mais força.
Não passou muito tempo, um velho senhor, a pele escura como café toda enrugada, escapuliu da loja da frente, usando suspensórios e apoiando o peso de seu corpo na bengala escarlate. Ele mancou até o jovem de cabelos escorridos na frente da casa e tocou seu ombro.
Giles estremeceu com o toque.
— Desculpe -me, mas não sei se vai encontrar atenção aqui — diz o velho.
Giles o encara, seus olhos azuis como o céu de verão lampejam. Vestindo uma jaqueta jeans clara e uma blusa amarela fina, se torna bem óbvio que não faz parte desse lugar; e foi isso que o velho pensou.
— Não é aqui que mora Nora Weasley? — o jovem Giles pergunta.
— É aqui mesmo.
— Preciso falar com ela. É sobre a filha dela...
Imediatamente o rosto do senhor ganha um choque inesperado. Seus olhos parecem mais fundos, maiores, assustados. São globos oculares enormes com linhas vermelhas de noites não dormidas escapulindo das córneas e se posicionando ao redor das pupilas de íris amêndoas. De alguma forma, é uma cor meio amarelada, desgastada, como papel de livro velho. Como uma mancha de café ao redor de um tablete de chocolate. Giles não entende aquela beleza estranha. Mas não há tempo para entender muita coisa.
O velho se aproxima o máximo que pode mancando em uma perna.
— Você precisa vir comigo — ele lhe fala.
Giles o encara, sem entender. Quer dizer, "Não vou a lugar nenhum, meu senhor". Mas não diz isso. Primeiro, pensa que se trata de algum local tentando lhe vender a ideia de adotar algum garoto colombiano pobre ou mesmo ingressos para algum evento na praça principal. Até cupons de descontos nos carrinhos de comida.
Como pensou desde cedo, ele não está interessado. Então ignora. Os lábios do senhor se movem, como que para dizer mais alguma coisa, mas antes que consiga, Giles se apressa em outra batida a porta da casa. O som parece cavernoso na madeira seca.
— Não faça isso — implora o velho senhor, como se na casa morasse um dragão ou um demônio.
— Senhora Weasley! — chama Giles entre uma batida e outra, ignorando o senhor.— Senhora Weasley!
— Garoto, pare! — outro sussurro suplicante escapa da boca do velho.— Venha comigo e...
Giles está farto. Fez uma viagem imensa, está faminto, perdeu sua namorada e agora parece que o único parente vivo dela não quer atendê-lo. Irado, ele se volta para o velho, que se assusta com a sua cara de raiva e recua um passo para o lado quando o garoto lhe arranca a bengala da mão com brutalidade e a ergue na altura dos ombros.
— Quer dar o fora daqui ? — explode Giles. Ele não quer fazer isso realmente, mas sempre fazemos coisas estúpidas quando estamos com medo ou perdidos em nós mesmos.— Estou tentando...
— Sei o que está tentando.
O velho parece compreender isso, enfia dois dedos no bolso esquerdo da calça de linho, e os deixa lá. Sua postura meio pendida para a esquerda, por conta do pé manco. Ele parece uma versão humana da torre de Pisa. Não têm cabelo algum na cabeça muito oval. Uma barba com fios ainda escuros lhe cobre o queixo. A barriga enorme quase impede que o cinto abarque as calças. Seus braços são curtos e seu pescoço quase se perde na papada de gordura.
Porém era óbvio para o velho que o garoto maltrapilho e cansado na sua frente também não queria ser rude. Giles tremia por baixo da jaqueta. O velho sorriu de um modo amigável e baixou a cabeça para os pés dele. Usava os mesmos All Stars que todo raio de adolescente naquela cidade usava.
Então ergueu os olhos outra vez, e quando voltou a encarar os olhos claros do garoto o encontrou meio confuso.
— Olha, eu não sou um cara agressivo, só não quero conversar muito. Tá legal ? — ele entregou a bengala ao velho e se virou outra vez.
— Está com fome ?
— Não tenho tempo para comer agora.
Um ronco corta o silêncio. Giles parece constrangido.
— Precisa comer.
— Preciso falar com Nora Weasley antes...— se vira na direção do velho outra vez. A presença dele parecia irreal. Ao redor deles, a rua segue calma, tirando o fato da presença de algumas pessoas passeando pelas calçadas.
— Nora não vai lhe receber — as palavras do senhor pareceram mais um tiro direto bem no meio da pouca sanidade que lhe restava.— Me escute.
Giles franze o cenho rapidamente, depois acalma sua face. Parecia que tinha levado um soco e ainda estava meio aéreo.
— O quê? Por quê? — quis saber.
— Venha tomar um café comigo — o velho sorriu, tímido. Parecia a velha imagem do avó carinhoso que Giles sempre quis ter e nunca conseguiu. Parecia ainda mais suspeito depois disso. Para Giles, toda demonstração de afeto era suspeita quando vinda de um estranho, ainda mais assim, surgindo do nada.— Não se preocupa. Vou explicar tudo.
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Letícia
Teen FictionA relação de Cora e Giles era perfeita. Até que um evento inesperado acontece. E quando o passado de sua namorada é revelado, Giles precisa voltar a cidade natal dela e falar com o único parente aparentemente vivo que ela possuía. Porém, ao chegar...